Ultima atualização 13 de fevereiro

Economia prateada: Oportunidades se abrem para os 50+

Mercado de seguros precisa estar atento para atender às expectativas deste público, que cresce exponencialmente no Brasil

EXCLUSIVO – Pela primeira vez na história da humanidade, sete gerações convivem juntas. Com o fenômeno da longevidade, chegam à sociedade desafios de todos os tipos. É preciso entender como financiar o envelhecimento, cuidando do bem-estar físico, emocional e financeiro dos idosos. Se há pouco tempo, esta realidade era ignorada tanto pelas empresas como pelo Poder Público, cada vez mais ela precisa ser discutida, para que a sociedade não sofra as suas consequências no futuro.

O envelhecimento populacional é uma realidade global. Ao menos 35 das 195 nações terão, no mínimo, 20% dos habitantes acima dos 65 anos. Em 2050, um em cada seis habitantes do planeta terá mais de 65 anos e, nos EUA e na Europa, a proporção será de 25%. As pessoas com mais de 80 anos representarão um grupo de 426 milhões, em 2050. 

A realidade sempre avança mais rápido do que a possibilidade de respostas das empresas e governos. Países que já possuem população idosa, como Japão e países nórdicos, já se preparam há algum tempo para a nova realidade. “Os países colônia (Brasil, EUA) tinham a ideia de serem países jovens, o que lhes impedia de ver a realidade demográfica. O World Economic Forum já mapeia o envelhecimento global como uma macro tendência mundial”, afirma Patricia Riccelli Galante de Sá, coordenadora Acadêmica da Formação em Mercado da Longevidade da FGV.

O Brasil é um dos países que envelhece mais rápido no mundo. Isso tem impacto em tudo, como políticas públicas, urbanismo, revisão de legislações e de indicadores. Segundo dados do Censo Demográfico 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),  a população idosa com 60 anos ou mais de idade chegou a 32 milhões (15,6%), um aumento de 56,0% em relação a 2010, quando era de 20.590.597 (10,8%), dentre os 203 milhões de habitantes brasileiros. O aumento da população de 65 anos ou mais em conjunto com a diminuição da parcela da população de até 14 anos no mesmo período, que passou de 24,1% para 19,8%, evidenciam o franco envelhecimento da população brasileira.

O IBGE tem um índice chamado de Razão de Dependência, que define as pessoas abaixo de 14 anos e os acima de 60 anos. Patricia conta que, de acordo com os dados da entidade a Razão de Dependência entre produtivos e dependentes, em 2039 teremos mais “dependentes” do que “produtivos”. “A primeira pergunta é: será que, nos dias atuais, uma pessoa com 65 anos pode ser considerada improdutiva?”,  questiona Patricia.

Há muitas pessoas com mais de 70 anos que continuam trabalhando, dando aulas etc. Há problemas com os indicadores. O próprio Estatuto do Idoso significou um grande avanço para a sociedade em termos de direitos, mas precisará ser revisto por conta do envelhecimento populacional.

A sociedade precisará vencer alguns desafios, como a questão cultural: Os rótulos da que a pessoa mais velha é obsoleta, desatualizada digital, não é inovadora precisam ser derrubados. “Há pesquisas da Universidade de Stanford tem um Centro de Estudo sobre Longevidade, que mostram que a lentidão no raciocínio pode acontecer por conta de ter que percorrer um repertório mais volumoso. Por ter mais conhecimento, as conexões neuronais fazem com que se consiga fazer correlações mais ricas, o que torna a pessoa um solucionador de problemas mais veloz e mais criativo”, explica Patricia.

A diversidade faz ambientes mais criativos, com variados pontos de vista. Empresas mais maduras, que estão trabalhando pautas de inovação e diversidade, fazem as mentorias bilateriais, nas quais jovens e idosos trocam experiências. Como exemplo, Patricia cita o projeto do AirBNB, no qual Chip Conley foi um mentor de estratégias para os jovens Brian Chesky e Joe Gebbia. “Conley conta que aprendeu muito sobre mindset de startup, processos e tecnologias. Uma parceria que enriqueceu dos dois lados. As empresas investem em mecanismos multigeracionais, pautas de gerações e agenda de diversidade”, conta Patrícia.

Vale citar aqui o exemplo da Inter Risk Services, uma corretora independente que, na edição de outubro da Revista Apólice mostrou sua experiência de contratar pessoas mais velhas. Fernando Coelho, CSO da Inter, informou que a empresa está contratando executivos experientes, com mais de 30 anos de mercado. De 20 contratações no último ano, pelo menos 60% eram pessoas maiores de 50 anos.

Há muitas iniciativas dentro do mercado de seguros que estudam o envelhecimento da população. A Bradesco Seguros, por exemplo, realiza o Fórum da Longevidade há 17 anos, e a MAG Seguros formou o Instituto da Longevidade. O impacto desta população afeta os benefícios de vários produtos como saúde, previdência privada e vida. Sem contar, que a gama de serviços de assistência poderão incluir no futuro cuidadores e revisões nas residências para adequá-las às necessidades sêniores.

A consultoria Capgemini realizou o estudo “A oportunidade de envelhecer bem – Como a confiança e o engajamento podem destravar o crescimento das seguradoras”, com a participação de 14 executivos de diversas empresas e localidades. Segundo o documento, o segurado deve ser envolvido em um ecossistema de proteção, pensando nele de forma completa e não apenas centrado em produtos. 

Gustavo Leança, diretor de Soluções para Seguros da consultoria no Brasil, acredita que para que essa integração de áreas e produtos ocorra, as seguradoras precisarão ir além do  modelo atual centrado em produto, para um modelo centrado no cliente. “A mudança parece pequena, mas não é. Esse último modelo foca em entender a necessidade de um consumidor,  que está vivendo mais – mas que também deseja ter boa saúde financeira, física e qualidade  de vida, e os silos internos atuais que existem nas seguradoras não podem ser um empecilho  para entregar esse tipo de produto a ele”.

O consultor afirma que isso significa ofertar soluções que permeiem temas como finanças pessoais, saúde e o tradicional seguro de vida e que percorram toda a cadeia de valor: desde o desenvolvimento  de um produto tradicional de proteção ao risco, mas também serviços de cuidado para 3ª  idade/economia prateada e para incapacidades; a criação de pontos de contato frequentes com o  cliente durante o ciclo de vida – como por exemplo soluções de bem estar que o ajudem a viver  melhor com maior qualidade, e a identificar doenças antes que se tornem crônicas; que ajudem  em seu planejamento financeiro pós-aposentadoria e, finalmente; que suportem os beneficiários quando do momento da dor, tanto do lado financeiro como humano. 

“As seguradoras devem antecipar complexidades futuras como custo de vida, cuidados de saúde, longevidade na carreira e planejamento de aposentadoria para atender efetivamente a evolução das necessidades da população idosa”, disse Izu Atsushi, head of Innovation Lab da Dai-ichi Life, em Londres.

A tecnologia fará parte deste trabalho de integração das seguradoras. “Com boa capacidade tecnológica e de dados  (incluindo Inteligência Artificial – IA, Inteligência Artificial generativa e Aprendizado de  Máquina – ML) intermediários como corretores, agentes, agências e conselheiros financeiros  poderão fazer melhores ofertas de produtos e serviços, alinhados à necessidade de cada  cliente. Mas novamente, aqui é importante ressaltar que estamos tratando de oferecer não somente o produto de Vida tradicional, mas de um pacote de coberturas e serviços completos,  que atenderá a necessidade de envelhecer com qualidade de vida, física e financeira”, ressalta Leança.

Essa capacidade, que ainda é um grande desafio para a grande maioria das seguradoras (21%  somente pontuaram estarem maduras em termos de análise de dados e 19% em tecnologias  como IA/ML), desbloqueará uma experiência superior, seja na oferta de produtos mais  adequados pelos intermediários (conforme citado anteriormente), mas também viabiliza a  entrega de serviços em ecossistema, processos de sinistros rápidos e eficientes e um  conhecimento do cliente na tão buscada visão 360º.  

O consultor da Capgemini aponta que em um estudo anterior, de 2021, a consultoria já havia mapeado que o engajamento de clientes passava pela entrega de três conceitos pelas seguradoras e pelos canais de distribuição: Conveniência (C), Aconselhamento (A) e Relevância (RE) nas ofertas, e que virou um acrônimo conhecido como CARE. “Dois anos depois, as demandas dos clientes permanecem as mesmas: “Ofertas fáceis de  entender, comprar e usar” podem ser encaixadas no conceito Conveniência, enquanto que  “personalização e adaptação às necessidades específicas”, se encaixam em Relevância e  Aconselhamento. Assim como mapeado há dois anos, isso somente será possível com: a entrega de soluções completas e focadas na necessidade desse novo perfil de  clientes 50+; experiências digitais que favoreçam uma distribuição qualificada e o auto atendimento/engajamento dos clientes e beneficiários; processos céleres como subscrição, emissão e sinistros, aumentando a confiança do  cliente e suportados por dados e automação; engajamento contínuo por meio de serviços de valor agregado e engajamento prévio com beneficiários, por meio da exploração de ecossistemas de parceiros”, garante Leança.

– Explorar as necessidades dos clientes para impulsionar o crescimento sustentável dos negócios: ter uma compreensão profunda dos objetivos financeiros dos segurados, apetites de risco, e identificar lacunas e oportunidades no envelhecimento;

– Criar uma proposta de valor unificada para envelhecer bem: quebrar silos entre as linhas de negócios de proteção, aposentadoria e saúde e aprofundar o envolvimento do cliente, desenvolvendo as capacidades necessárias para atender uma gama mais ampla de necessidades do cliente;

– Implantar tecnologias facilitadoras para melhorar a distribuição e enriquecer a experiência do cliente: consolidar dados para uma visão única do cliente e capacitar digitalmente os agentes, aproveitando inteligência, incluindo IA generativa, para oferecer aconselhamento hiperpersonalizado;

– Fortalecer sua posição na economia prateada por meio de um canal eficaz de parcerias e ecossistemas: aproveitar as capacidades dos parceiros para expandir e aprimorar sua proposta de valor para idosos, oferecer valor agregado, serviços e desenvolver soluções de bem-estar que atendam aos segurados, suas famílias e seus herdeiros;

– Envolver-se desde o início com os beneficiários para construir confiança e salvaguardar os ativos: oferecer  orientação e educação contínuas e desenvolver pagamentos flexíveis; opções e outros serviços de valor agregado para promover o crescimento futuro baseado em relacionamentos duradouros;

(Conclusões do World Life Insurance Report 2023, da consultoria Capgemini)

Conversamos com o presidente do Sindseg-SP (Sindicato das Seguradoras de São Paulo), Rivaldo Leite, para entender qual é o papel das companhias de seguro neste processo de entendimento do envelhecimento da população, assim como na criação de produtos e serviços que possam atender estas novas demandas da sociedade.

APÓLICE: Qual é o papel social das seguradoras para contribuir com o envelhecimento saudável da sociedade?

Rivaldo Leite: Atuar na promoção da qualidade de vida para permitir que as pessoas vivam mais, com saúde, e tenham acesso a ferramentas que proporcionem segurança financeira. Isso é o principal, mas também devemos oferecer outros produtos e serviços exclusivos para proporcionar comodidade e autonomia. Podemos, por exemplo, ter uma série de serviços de assistência para a casa e demais tarefas do dia a dia.

APÓLICE: As seguradoras estão atentas ao movimento de envelhecimento da população?

Rivaldo Leite: Estamos atentos há bastante tempo, pois é um fenômeno muito relevante para o nosso negócio. Estou certo de que a grande maioria das companhias têm planejamento e estratégia para lidar da melhor maneira com esse movimento natural e muito bem-vindo da sociedade.

APÓLICE: As carteiras de vida, saúde e previdência devem oferecer produtos mais adaptados a esta fase da vida?

Rivaldo Leite: A tendência é que o mercado tenha produtos cada vez mais personalizados para todos os públicos. E isso inclui, é claro, os nossos clientes 60+. O desafio, neste caso, é criar produtos com sustentabilidade econômica. Então, temos que trazer inovações e trabalhar para adaptar a regulamentação a essa nova realidade, principalmente em saúde.

APÓLICE: Além dos seguros de pessoas, é possível investir nas carteiras de patrimoniais também, oferecendo, por exemplo, cobertura para cuidadores nos seguros residenciais? Quais outros exemplos podem surgir?

Rivaldo Leite: Sem dúvida. É possível observar um ciclo de inovação fundamentado no aumento da expectativa de vida da população. Empresas de todos os setores estão criando novos produtos e serviços para atender a esse público. Em tese, podemos oferecer coberturas para todas essas novidades e ainda apoiar com linhas de crédito e financiamento para facilitar o acesso. É um novo mundo que está se abrindo.

APÓLICE: Você acredita que, no futuro, as seguradoras possam contratar mais profissionais 50+, integrando sua experiência às equipes mais jovens?

Rivaldo Leite: As companhias já estão fazendo isso entre as diversas frentes de diversidade e inclusão que estão abrindo. Há tempos o setor de seguros percebeu que promover a diversidade não é apenas uma questão de responsabilidade social, mas também é ótimo para os negócios. Uma equipe diversa produz soluções mais qualificadas e trabalha no modo de melhoria contínua, sempre identificando gaps e oportunidades de aprimoramento. E os profissionais 50+ são protagonistas nesse cenário, com muito a contribuir para a operação e ensinar aos mais jovens, principalmente em relação às soft skills.

Kelly Lubiato
Revista Apólice

* Esta matéria foi publicada na edição 293 da Revista Apólice

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