Há cerca de um ano, os planos de saúde iniciaram um movimento para intensificar a fiscalização para prevenir, coibir e combater as fraudes no setor. O marco desse movimento se deu em outubro de 2022, quando a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) ingressou com uma notícia-crime para investigar empresas de fachada que cometeram fraudes de R$51 milhões. Em março deste ano, a entidade lançou a campanha Saúde Sem Fraude, que ganhou adesão do setor e gerou uma grande mobilização das principais entidades para fortalecer as ações e promover o bom uso dos planos de saúde.
O alerta dado pela Federação se confirmou na útlima terça-feira (21), quando uma pesquisa divulgada pelo IESS (Instituto de Estudos da Saúde Suplementar), realizada pela consultoria Ernst & Young, confirmou que as fraudes e desperdícios causaram perdas estimadas entre R$ 30 bilhões e R$ 34 bilhões às operadoras de planos de saúde, só em 2022. A análise levou em conta dados financeiros de 2022, informações sobre fraudes no setor, além de entrevistas e questionários que envolveram 14 operadoras, especialistas jurídicos, de auditoria médica, empresas de tecnologia e instituições da área. ‘’Esses valores prejudicam diretamente os beneficiários de planos de saúde e as operadoras, que são uma importante engrenagem para o funcionamento do sistema de saúde do país. No final, todos pagam essa conta’’, explica Vera Valente, diretora-executiva da FenaSaúde.
Desde a identificação da escalada de fraudes contra planos de saúde, as empresas associadas à FenaSaúde têm redobrado as medidas para combater as ações que lesam os beneficiários e todo o sistema de saúde. As operadoras de saúde mantêm áreas específicas e possuem mecanismos como token e biometria facial para tentar conter a ação de fraudadores. Também investem em tecnologias, como sistemas de prevenção e Inteligência Artificial para identificação de casos suspeitos. Os indícios de crime são reunidos e encaminhados às autoridades de investigação para adoção das medidas cabíveis.
Ações das operadoras
A Amil tem investido em tecnologias como OCR (Optical Character Recognition), Inteligência Artificial, reconhecimento facial e investigações via cliente oculto. Também são utilizados serviços de duplo fator de autenticação (MFA) e Threat Intelligence (Inteligência de Ameaças Cibernéticas), que permitem que a empresa tome medidas como solicitação de takedown, nos casos de perfil falso em rede social e uso fraudulento de marca, e abertura de processos judiciais. A operadora também dissemina informações aos seus mais de 5,5 milhões de beneficiários de planos médicos e odontológicos através da página Amil Sem Fraude, no portal da empresa, e em suas redes sociais. Os materiais alertam sobre possíveis fraudes, como as de boletos e de reembolso, e orientam para as boas práticas.
A Bradesco Saúde, que conta atualmente com cerca de 3,9 milhões de segurados, instituiu, no início de 2023, o reconhecimento por biometria facial no processo de solicitação de reembolso. Disponível pelo app Bradesco Saúde, o recurso hoje já faz parte da rotina de grande parte dos segurados da operadora que utilizam o serviço de reembolso. Além disso, com as informações centralizadas em um só ecossistema e a adoção da Inteligência Artificial para prevenção de riscos inerentes à operação, a empresa ganha eficiência operacional, conectando dados e aumentando a escalabilidade.
A Porto Saúde, que hoje conta com mais de 500 mil vidas seguradas, tem realizado investimentos no tratamento de dados através de ferramentas de Analytics e Inteligência Artificial para reconhecimento e validação dos pagamentos de sinistros. Utiliza ainda a biometria facial para acesso e solicitação de reembolso. Entre outras ações que contribuem para minimizar fraudes, busca promover treinamentos contínuos das equipes operacionais e da Central de Atendimento.
A Seguros Unimed investiu mais de R$ 350 milhões em tecnologia desde 2021. Uma parte significativa desse montante tem sido direcionado para a implementação de plataformas com Inteligência Artificial, como Machine Learning, que ajuda a identificar atividades duvidosas e responsáveis pelos desperdícios de recursos que poderiam ser direcionados para o aprimoramento de serviços e atendimento aos clientes.
A SulAmérica triplicou sua estrutura de combate às fraudes e inteligência de sinistros nos últimos anos, e vem investindo em treinamento das equipes, em tecnologia (biometria facial, IA, entre outras) para garantir a segurança de seus mais de 5 milhões de beneficiários. Além disso, em 2023, a operadora expandiu seus esforços de comunicação com o objetivo de aumentar a conscientização da sociedade sobre o assunto, e registrou mais de 100 notícias-crimes em um movimento de responsabilização de fraudadores.
A Unimed Nacional também vem investindo em Inteligência Artificial para combater as fraudes. Ao todo, a empresa que cuida de mais de 2,2 milhões de beneficiários, conta com 38 iniciativas em andamento para combate à fraude e desperdícios. Entre elas estão: parceria com uma startup para desenvolver uma IA para reconhecendo de comprovantes de pagamento para pedidos de reembolso; projeto de reconhecimento facial com IA (Bioface), com captura de biometria via aplicativo da operadora para validar a prova de vida; implementação da solução do Bioface nas localidades da rede prestadora para evitar uso indevido por não beneficiários e pela rede; entre outras.
De 2018 a 2022, as associadas da FenaSaúde registraram 1.728 notícias-crime e ações cíveis relacionadas com fraudes, com crescimento expressivo ano a ano. Só nos últimos dois anos esses casos aumentaram 43%. “As fraudes impactam todo o setor e colocam em risco a sustentabilidade do sistema de saúde privado. É preciso um trabalho conjunto com as entidades, autoridades e poder público para intensificar a identificação e coibir as ações fraudulentas”, argumenta Vera.
Cenário econômico-financeiro desafiador
O impacto das fraudes e desperdícios revelado pela pesquisa do IESS equivale a 12,7% das receitas dos planos de saúde em 2022. O levantamento vem atualizar o estudo anterior, de 2017, que apontava um gasto de quase R$28 bilhões por ano. Ou seja, o equivalente a um aumento de 20%.
O ano de 2022, base para o estudo do IESS, foi um dos mais delicados do cenário econômico-financeiro das operadoras de planos de saúde. Naquele ano, elas tiveram prejuízos de R$ 10,7 bilhões. ‘’Os planos de saúde são essenciais para garantir a assistência de qualidade a mais de 50 milhões de brasileiros, por isso, estamos engajados em promover o uso consciente dos recursos, que são finitos’’, finaliza Vera.
N.F.
Revista Apólice