EXCLUSIVO – O mercado de seguros gosta de falar em transformação, mas costuma caminhar com certo atraso quando o assunto envolve tecnologia. Só que alguns profissionais não esperam o setor se mexer para inovar. É o caso de Eduardo Barreto dos Santos, regulador de sinistros com mais de 20 anos de atuação, que decidiu quebrar a lógica tradicional muito antes de a digitalização virar modismo ou exigência. A inquietação dele nasceu da prática, da rotina pesada e da percepção de que o processo, do jeito que sempre foi feito, não se sustentaria em um país com demandas complexas e eventos climáticos cada vez mais frequentes.
“Chegou um momento em que eu percebi que se eu continuasse preso à estrada, viajando dez mil quilômetros por mês, eu ia limitar a eficiência da operação. A tecnologia não era uma ideia futurista, era necessidade básica”, lembra. Essa visão, direta e quase óbvia para quem vive o cotidiano da regulação, se transformou na semente do que hoje é considerado um dos modelos mais avançados de vistoria digital do país.
Quando Eduardo propôs às seguradoras um piloto de vistoria remota, o setor ainda olhava para smartphones com desconfiança e não imaginava que uma inspeção técnica pudesse ser feita sem presença física. Mesmo assim, ele insistiu, testou e provou que o modelo funcionava. O que começou como alternativa isolada virou prática recorrente. “A aceitação não foi imediata. Era tudo muito novo. Mas quando os corretores viram que o processo corria mais rápido, e os segurados percebiam que não precisavam esperar horas por uma visita, a ficha começou a cair”, afirma.
Com o tempo, a metodologia foi se tornando mais robusta. Eduardo passou a integrar recursos que o setor sequer cogitava usar em conjunto: plataformas de videochamada com geolocalização, drones, imagens de satélite e sistemas capazes de consolidar evidências em um único laudo. A lógica era simples: usar tecnologia para fazer mais, com mais precisão e menos desgaste.
A rotina digital que mudou números, ritmo e impacto ambiental
O tamanho da transformação pode ser medido em números. Em 2025, Eduardo realizou 2.375 processos digitais, sem necessidade de deslocamento. Isso representou mais de 84 mil quilômetros deixados de serem percorridos, redução de 8.400 litros de combustível e a eliminação de quase 31 toneladas de CO₂ que seriam emitidas no processo.
Para ele, esse efeito não é secundário, é parte da estratégia. “Sustentabilidade não é discurso de ESG bonito. É resultado operacional real. Cada quilômetro que eu deixo de rodar é menos custo, menos desgaste e menos impacto ambiental. É bom para o segurado, para a seguradora e para o planeta”.
O modelo tornou o fluxo mais rápido e permitiu que atendimentos críticos acontecessem mesmo em regiões isoladas. Em períodos de crise, esse diferencial se torna ainda mais evidente.
Eventos como o ciclone subtropical Biguá, em dezembro de 2024, e as enchentes que devastaram cidades do Rio Grande do Sul no primeiro semestre de 2024 exigiram respostas imediatas. Barreto foi um dos primeiros a utilizar drones e imagens aéreas para mapear áreas alagadas, identificar pontos críticos e validar danos sem colocar equipes em risco desnecessário. “Em algumas cidades, simplesmente não dava para entrar. O drone chegava antes, identificava a estrutura e me permitia orientar o segurado com velocidade. Quando a pessoa perde tudo, ela não pode esperar dias por uma avaliação”, conta.
Em determinados momentos, a tecnologia sequer serviu apenas ao seguro, ajudou no resgate de famílias que estavam isoladas. “Quando você vê a dimensão do desastre lá de cima, entende que a tecnologia não é luxo. É ferramenta de sobrevivência”.
Apesar de todos os resultados, a regulação digital ainda enfrenta resistências internas. Há corretores que desconfiam da precisão, segurados que preferem a figura física do perito e sistemas que não foram projetados para etapas totalmente digitais. “O setor fala em transformação, mas parte dele ainda vive preso ao papel. É uma contradição enorme”, diz Eduardo.
Mesmo assim, a percepção está mudando. Os resultados concretos, a agilidade e a redução de custos abriram espaço para uma nova mentalidade. A digitalização deixou de ser tendência e passou a ser obrigação.
Eduardo também assumiu a dianteira na adoção de Inteligência Artificial para acelerar etapas de análise de danos. Hoje, algoritmos conseguem interpretar imagens enviadas pelos segurados, identificar padrões de perda e sugerir valores estimados de reparo em minutos. “A IA resolve o que é repetitivo. Ela acelera a triagem, reduz erro e padroniza o que antes dependia do olhar de cada profissional”, explica.
Mas ele não tem qualquer ilusão sobre o lugar da tecnologia na perícia. “IA não faz leitura humana. Ela não entende contexto, contrato, conflito jurídico nem emocional. Ela ajuda, mas não substitui. O regulador continua sendo o ponto de equilíbrio entre técnica e empatia”.
Para Eduardo, o futuro da regulação de sinistros está muito claro, mesmo que parte do mercado ainda não queira enxergar. Ele prevê processos quase instantâneos, pagamentos automatizados via contratos inteligentes, sistemas preditivos capazes de antecipar eventos climáticos e modelos de autoatendimento que deixem o segurado no centro da experiência. “Daqui a dez anos, a regulação não vai se parecer com o que conhecemos hoje. Mas quem não se preparar agora vai ficar fora do jogo”.
No fim das contas, o grande diferencial de Eduardo não está só na adoção de tecnologia, mas na forma como ele usa essas ferramentas com consciência e humanidade. “O segurado não quer só agilidade. Ele quer ser tratado com justiça. A tecnologia acelera, mas a ética decide”.
É justamente essa combinação (cética, visionária, prática e humana) que faz da trajetória dele uma referência para o setor. E também um aviso: a regulação de sinistros está mudando mais rápido do que a maioria percebe.
Nicholas Godoy, de São Paulo.




