EXCLUSIVO – O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu na última quinta-feira (18) a inconstitucionalidade parcial da Lei 14.454/2022, que alterou a Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998) para ampliar a cobertura de procedimentos não previstos no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7265, proposta pela União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas).
A lei contestada havia determinado que operadoras de planos privados cobrissem procedimentos mesmo quando não incluídos na lista da ANS. Segundo a Unidas, isso cria desequilíbrio econômico no setor, uma vez que a saúde suplementar deve complementar, e não substituir. o Sistema Único de Saúde (SUS).
O relator, ministro Luís Roberto Barroso, definiu a chamada “taxatividade mitigada”: o rol da ANS permanece como parâmetro técnico obrigatório, mas admite exceções em situações específicas. Para que o plano de saúde cubra procedimentos fora do rol, devem ser atendidos cinco critérios cumulativos: prescrição por médico ou dentista habilitado; inexistência de negativa expressa ou pendência de análise da ANS sobre a tecnologia; ausência de alternativa terapêutica adequada; comprovação de eficácia e segurança com base em medicina baseada em evidências; e registro do tratamento na Anvisa.
O voto de Barroso foi acompanhado pelos ministros Kassio Nunes Marques e Flávio Dino, este último com observações sobre a amplitude das exceções. O ministro Cristiano Zanin reforçou que o ônus da prova deve respeitar o Código de Processo Civil, garantindo equilíbrio entre consumidores e operadoras e exigindo evidências técnicas robustas. Alexandre de Moraes defendeu a declaração de inconstitucionalidade parcial para assegurar segurança jurídica e evitar distorções. Luiz Fux ressaltou que a saúde suplementar deve atuar como complemento ao SUS, e Dias Toffoli destacou que os requisitos devem ser cumulativos, não alternativos. Restava apenas o voto de Gilmar Mendes, mas a maioria já se formou pela inconstitucionalidade parcial.
A decisão passa a valer assim que for publicada a ata do julgamento, nesta semana. Em regra, por se tratar de uma ADI, os efeitos do julgamento valem para todas as ações que ainda não transitaram em julgado, inclusive aquelas em que já havia decisão. Entretanto, os ministros não foram expressos quanto à modulação dos efeitos, o que pode ser questionado posteriormente em embargos.
Para Maria Fernanda Pastorello, sócia da área de seguros e resseguros do escritório Pellegrina & Monteiro Advogados, a decisão do STF é uma medida de equilíbrio entre proteção aos consumidores, segurança jurídica e sustentabilidade do setor. Ela explica que a chamada taxatividade mitigada evita a inclusão de procedimentos sem efetividade relevante para a saúde da população, o que poderia gerar riscos aos pacientes e desequilíbrios financeiros às operadoras.
Segundo a Advogada, a exigência de critérios cumulativos, prescrição médica, inexistência de alternativas, eficácia comprovada, registro na Anvisa e ausência de pendência da ANS, estabelece um filtro rigoroso que limita abusos e reduz a judicialização. “Antes, havia uma tendência de que cada beneficiário buscasse na Justiça a cobertura de tratamentos excepcionais, mesmo quando não cabíveis, elevando custos e comprometendo a previsibilidade do setor”, diz.
A advogada observa que muitos medicamentos de alto custo vinham sendo prescritos por médicos vinculados a entidades específicas, sem evidências robustas de eficácia, o que criava riscos de mercantilização da saúde e exposição desnecessária de pacientes. “Com a decisão, os tratamentos só serão autorizados quando houver comprovação científica sólida, garantindo que a população não seja usada como cobaia”, ressalta.
Além disso, Pastorello destaca o impacto econômico e atuarial. “Os planos calculam prêmios com base em despesas previamente orçadas. Quando há inclusão de procedimentos fora do rol sem critérios claros, o equilíbrio financeiro é comprometido e os custos adicionais acabam sendo repassados aos beneficiários”. Para ela, a decisão protege os consumidores ao mesmo tempo que mantém a função complementar da saúde privada em relação ao SUS, evitando que o setor privado assuma responsabilidades do sistema público.
Outro ponto importante apontado pela advogada é a previsibilidade jurídica: “A definição de critérios claros para cobertura excepcional reduz litígios e traz segurança para operadoras, pacientes e o próprio Judiciário. É um avanço em termos de governança e responsabilidade na saúde suplementar”, afirma.
A decisão também reforça a importância da medicina baseada em evidências. “O sistema passa a exigir que os tratamentos excepcionais demonstrem efetividade comprovada. Isso beneficia diretamente os pacientes, evitando procedimentos experimentais, e garante que o SUS e a rede privada trabalhem de forma complementar e racional”, conclui.
Nicholas Godoy, de São Paulo.