A sexta-feira marcou o último dia do ciclo de debates da Casa do Seguro, durante a COP30, em Belém (PA), com um recado claro: o setor securitário precisa assumir papel de liderança na aceleração da agenda climática global. Executivos, representantes de governo, academia e organizações internacionais convergiram a ideia de que não há transição justa e resiliente sem o protagonismo da segurança na gestão de riscos, no financiamento e na proteção de segurança social.
Na abertura, o presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, apresentou uma proposta ambiciosa: a criação de uma força-tarefa internacional sobre resiliência climática e segurança na transição. A iniciativa, segundo Oliveira, pretende unir seguradoras, cientistas, governos e sociedade civil rumo à COP31, na Turquia, para que o setor de seguros não participe apenas, mas lidere as discussões e ações climáticas no cenário global.
A estrutura da força-tarefa prevê pilares articulados entre garantias (com gestores de risco), academia e ciência (modelagem de risco), governos e bancos centrais (gestão de consequências públicas), sociedade civil e comunidades, além da economia real, criando um arranjo capaz de transformar o conhecimento em ação.
Segundo Oliveira, o momento é especialmente favorável para avançar. Há um alinhamento crescente entre os setores público e privado em torno do potencial de financiamento da agenda climática, o que abre espaço para acelerar compromissos e implementar soluções concretas.
Ele destacou que, na Casa do Seguro, foi possível estabelecer um conjunto amplo de parcerias e consolidar uma visão mais transversal do papel do seguro nas diversas atividades da economia e da vida em sociedade. O presidente da CNseg resumiu o clima ao afirmar que o setor sai de Belém com um “enorme dever de casa” e que espera ser cobrado pelos parceiros sobre os avanços daqui em diante.
A importância dessa atuação coordenada também foi reforçada por Butch Bacani, chefe de Seguros do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Ele destacou o papel do seguro como instrumento de resiliência para comunidades vulneráveisdiante das mudanças climáticas e alertou que finanças e seguros sustentáveis, sozinhos, não garantem uma economia resiliente.
Para Bacani, uma mudança real depende da ação conjunta entre governos, empresas e sociedade, especialmente diante de alertas científicos sobre riscos como a savanização da Amazônia. Na sua avaliação, pensar apenas em mudanças incrementais já não é suficiente; escala e velocidade serão determinantes para evitar o colapso climático, e essa visão precisa orientar uma agenda global.
No último painel de debates da Casa do Seguro, “De Belém à COP31: acelerando e ampliando a ambição e a ação em relação ao clima e à natureza”, especialistas, representantes do governo e da sociedade civil fortaleceram que mitigação, adaptação e resiliência às mudanças climáticas exigem não apenas urgência, mas também a participação estratégica do mercado segurador.
André Andrade, diretor do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, apresentou dados de um estudo do governo federal sobre o impacto econômico das mudanças climáticas no Brasil até 2050. No cenário de inação, a temperatura poderia subir 4°C, com perda acumulada de R$ 17 trilhões no PIB brasileiro em 25 anos; já no cenário de mitigação, com aquecimento limitado a 1,5°C, projeta-se um crescimento adicional de R$ 6,7 trilhões no período. Mesmo assim, ele lembrou que uma média global de 1,5°C pode significar aquecimento entre 2,5°C e 3°C no Nordeste, exigindo produtos de seguro cada vez mais regionalizados.
A necessidade de políticas climáticas em evidências foi destacada por Goret Pereira Paulo, diretora de Pesquisa e Inovação da FGV. Para ela, a COP30 mostrou que esse conceito deixou de ser abstrato e passou a se concretizar em práticas que só avançam quando a ciência, o governo e o setor privado trabalham de forma integrada.
Goret chamou a atenção para a participação intensa da academia em painéis, publicações e iniciativas tanto na Casa do Seguro quanto na AgriZone, com destaque para temas como agricultura tropical, financiamento verde, redução do desmatamento e transição energética. Segundo a diretora da FGV, a implementação das metas globais depende de ações locais, especialmente em áreas urbanas, onde dados precisos são essenciais para mitigação, adaptação e desenvolvimento de seguros paramétricos.
Na mesma linha de pragmatismo, Luiz Pires, gerente de Sustentabilidade e Inovação da ANBIMA, ressaltou que a COP30 marcou um avanço estrutural: organizações e empresas amadureceram suas propostas e superaram vários caminhos possíveis para financiar a transição.
Segundo ele, a conexão entre o mercado de capitais e seguros deixou de ser tímida e passou a se materializar em produtos, compromissos e instrumentos já disponíveis. Pires destacou que o governo brasileiro construiu uma base robusta – com o Plano de Transformação Ecológica, uma taxonomia sustentável com plataformas de investimento e novos mecanismos de financiamento – que permite transformar ideias em realidade. Para o executivo, não falta capital: o mercado brasileiro administra cerca de 2 trilhões de dólares. O desafio, agora, é estruturar melhor como esses recursos podem viabilizar produtos da indústria de seguros, financiar LRS (Letra de Risco de Seguro) e apoiar modelos de financiamento combinado, abrindo um ciclo consistente de evolução para o setor.
A discussão sobre financiamento conecta-se diretamente ao avanço da bioeconomia. O pesquisador da FGV Marcelo Behar defendeu a necessidade de aproximar, de forma estratégica, a agenda da COP da agenda da bioeconomia, atribuindo ao setor de seguros um papel central em três frentes.
A primeira é o financiamento da transição, em que a indústria de seguros ajuda a estruturar mecanismos públicos e privados e atua como “amortecedor dos limites planetários”, mantendo riscos dentro do possível. A segunda é a viabilização de soluções de uso da terra no Brasil, especialmente por meio da integração lavoura-pecuária-floresta e de tecnologias agroambientais capazes de reduzir emissões e regenerar áreas. Behar lembrou que, ao contrário do padrão global, as emissões brasileiras vêm majoritariamente do uso da terra, o que torna a segurança ainda mais central na transição.
O terceiro eixo apontado por Behar é a saída gradual dos combustíveis fósseis, apoiada por uma coalizão de 80 países, com redirecionamento de subsídios para agricultura sustentável, bioeconomia e soluções biológicas. Ele destacou que iniciativas como o “Bioeconomy Challenge” e o “Tropical Forest Facility” inauguraram um novo ciclo de finanças climáticas. Ainda para Behar, o Brasil colocou a floresta no centro da ação climática, e a indústria de seguros tende a ser “parceira central” na construção da nova economia verde.
O papel da agricultura na descarbonização também ganhou destaque na fala de Guilherme Bastos, coordenador da FGV. Ele avaliou que a COP30 evidenciou a modernidade da agricultura tropical brasileira, que há décadas desenvolve práticas de baixo carbono garantidas por pesquisa robusta, especialmente da Embrapa.
A criação da AgriZone na conferência foi apontada pelo coordenador da FGV como um marco para mostrar ao mundo que o país já opera com soluções baseadas na natureza e integra academia, setor privado e governo em uma agenda consistente de adaptação e produção sustentável. Bastos ressaltou ainda o Pagamento por Serviços Ambientais como peça estratégica para engajar produtores de todos os portes, sobretudo no combate ao desmatamento legal, garantindo retorno econômico à preservação.
Bastos lembrou que a agropecuária recebe apenas 6% do financiamento climático global, apesar de oferecer soluções-chave para a segurança alimentar, energética e para a transição dos fósseis. No Brasil, essa transição ocorre de forma complementar, aprimorada pelo modelo de economia circular do agro. Para o coordenador, é essencial avançar em estatísticas e dados para direcionar seguros, reduzir a lacuna de proteção e alavancar investimentos que consolidem o protagonismo brasileiro na agricultura sustentável.
Ao tratar da dimensão industrial da transição, Vitória Santos, gerente de Energia e Indústria do Instituto Clima e Sociedade, afirmou que a COP30 marcou a convergência entre clima, comércio e o papel das regiões com vantagens verdes. Entre as principais entregas, citou a Declaração de Belém, focada na industrialização nos territórios de origem dos recursos; o Fórum Integrado de Mudança do Clima e Comércio, criado para reduzir barreiras comerciais; e a Aliança do Sul Global para Empreendedorismo Climático, voltada para a tecnologia desenvolvida no Sul Global. Essas iniciativas reforçam o conceito de “power shoring”, que utiliza abundância de energia limpa e bioinsumos para transferência de descarbonização industrial.
Vitória demonstrou que os setores verdes exigem muito capital e enfrentam riscos elevados – tecnológicos, regulatórios e geográficos –, o que torna o setor de seguros crucial para reduzir o risco, baixar o custo de capital e viabilizar a transição em países em desenvolvimento. Na visão dela, quanto mais sofisticados forem os instrumentos de seguro e mitigação de risco, maior será a capacidade de atrair investimentos para projetos industriais verdes em mercados emergentes.
O papel da Casa do Seguro
Ivo Kanashiro, superintendente de Sustentabilidade da MAPFRE, destacou que a Casa do Seguro conseguiu materializar o princípio da “responsabilidade comum, porém compartilhada” ao reunir seguradoras, governo, empresas e comunidades para discutir, de forma madura, como o seguro pode apoiar a adaptação climática.
Para Kanashiro, o evento consolidou o setor de seguros como ator central na gestão de riscos ligados às mudanças climáticas, ao demonstrar que o engajamento coletivo é condição para resultados concretos. Kanashiro avaliou que o mercado segurador precisava desse momento: depois de anos trabalhando conceitos associados aos Princípios para Sustentabilidade em Seguros (PSI), a Casa do Seguro apresentou projetos reais e iniciativas práticas, reforçando o caminho construído pela CNseg.
Na sua leitura, os avanços apresentados não são pontuais, mas fazem parte de uma jornada contínua de evolução, que deverá ganhar força até a COP31. O encontro ajudou a traduzir narrativas sobre clima, natureza e inclusão em agendas de trabalho com responsabilidades claras para garantias e formulações de soluções.
Na perspectiva internacional, Clare Shakya, diretora de Clima da TNC, afirmou que a COP30 representou um avanço importante após anos de baixa ambição, com o Brasil elevando o nível de divulgação e abrindo espaço para maior atuação de atores não estatais, incluindo o setor de seguros. Ela destacou que a agenda construída até Belém cria uma oportunidade clara para avançar em adaptação e na proteção de situações vulneráveis. Clare lembrou o papel decisivo da natureza na estabilização do clima e na redução de impactos, mas alertou que o risco de reversão ainda trava investimentos, o que reforça a necessidade de instrumentos de seguros capazes de dar segurança, quantificar riscos e destravar projetos de clima e natureza – inclusive com soluções como seguros de ativos naturais.
Segundo Clare, a escassez de recursos públicos exigirá mais financiamento privado, e o setor segurador é essencial para reduzir riscos e apoiar a infraestrutura verde. Ela concluiu que a COP30 foi marcada por diálogos mais inclusivos e que essa convergência deve continuar para atrair investimentos e elevar a ambição climática.
Encerrando o painel, a moderadora Cláudia Prates, diretora de Sustentabilidade da CNseg, sintetizou o espírito das discussões: o mercado segurador terá papel relevante no processo de transição climática, justamente no momento em que o setor financeiro começa a apoiar projetos privados antes restritos a recursos públicos ou não reembolsáveis.
“Trata-se de um novo mercado que precisa ganhar escala – e o seguro está bem posicionado para viabilizar essa expansão, ao mesmo tempo em que mitiga riscos e amplia a resiliência das mais diversas atividades econômicas”, finaliza Cláudia.




