A Lei nº 15.040/2024, publicada em 10 de dezembro de 2024, e com vigência prevista para dezembro de 2025, revoga os artigos 757 a 802 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002), e do Decreto Lei n.º 73/1966, substituindo-os por 134 artigos em um novo marco legal dedicado exclusivamente à modernização e racionalização das normas de seguro privado.
Essa reforma normativa responde à crescente demanda e complexidade dos contratos de seguro, atualizando um setor historicamente regulado por dispositivos legais fragmentados, de difícil aplicação prática e frequentemente objeto de interpretações jurisprudenciais divergentes, como se verifica em reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e das diversas Súmulas e Temas Repetitivos sobre a matéria.
A nova legislação tem como objetivo conferir maior segurança jurídica e previsibilidade aos contratos de seguros privados, promovendo o aprimoramento normativo em segmentos complexos do mercado segurador, cujas normas anteriores apresentavam lacunas que afetavam tanto a eficiência contratual quanto a proteção dos segurados.
Em seis capítulos temáticos, a Lei de Seguros trata de disposições gerais, interesse, risco, prêmio, seguro a favor de terceiros, cosseguro, intervenientes contratuais, formação e duração do contrato, resseguro, sinistro, seguros de danos, seguro de pessoas, seguros obrigatórios, prescrição, além de disposições finais e transitórias.
Essa nova estrutura normativa contrasta significativamente com os 45 artigos do Código Civil que, embora abrangentes à época, mostravam-se genéricos e insuficientes para atender às complexidades atuais do mercado de seguros, especialmente no que se refere à crescente sofisticação dos produtos, à multiplicidade de relações contratuais e à necessidade de regras mais claras sobre a formação, execução e interpretação dos contratos securitários.
Entre as principais mudanças trazidas pela nova legislação, destaca-se a previsão de prazos para análise e aceitação das propostas de seguro, conforme dispõe o artigo 49, que fixa o prazo de 25 dias para a recusa expressa da proposta pela seguradora, sob pena de sua aceitação tácita, configurando inovação normativa inexistente no regime anterior.
Outra mudança relevante é a previsão de decadência do direito da seguradora de recusar a cobertura, caso não se manifeste em até 30 dias. O artigo 86 do novo marco estabelece esse prazo, contado da apresentação da reclamação ou do aviso de sinistro pelo interessado, assegurando maior previsibilidade e proteção ao segurado.
Além disso, a nova lei aprimora a transparência no relacionamento entre seguradora e segurado ao prever, no § 6º do artigo 86, que todas as comunicações relativas à recusa de cobertura sejam expressas e fundamentadas desde o primeiro momento, evitando alegações genéricas ou contraditórias que possam prejudicar os direitos do consumidor.
No tocante à interpretação contratual, os artigos 56 a 59 da Lei nº 15.040/2024, reforçam princípios como a boa-fé objetiva, a prevalência do interesse do segurado em caso de dúvida interpretativa, e a exigência de linguagem clara, objetiva e acessível.
Esses dispositivos impõem às seguradoras o dever de disponibilizar glossários com os principais termos técnicos e quadros-resumo com os elementos centrais da cobertura e principais exclusões contratuais, sob o risco de serem interpretadas no sentido mais favorável ao segurado e demais beneficiários da apólice de seguro.
Com isso, a normativa fortalece a função social do contrato de seguro e contribui para a redução de litígios decorrentes de cláusulas ambíguas ou genéricas, promovendo maior equilíbrio e previsibilidade nas relações securitárias.
No campo processual, o Marco Legal também contribui significativamente ao uniformizar os prazos prescricionais para o exercício dos direitos decorrentes do contrato de seguro. Até então, a jurisprudência brasileira apresentava interpretações diversas sobre o termo inicial e a interrupção da prescrição, o que gerava instabilidade e frequentes disputas.
Assim, com a nova lei, seguradoras e segurados passam a contar com regras claras e padronizadas quanto à prescrição, o que contribui para a previsibilidade nas relações contratuais e para a redução do número de litígios relacionados a questões formais.
Ademais, a legislação consolida o que já estava previsto no Código de Processo Civil ao reafirmar, especialmente em seu artigo 132, a previsibilidade da execução extrajudicial dos seguros sobre a vida, fortalecendo mecanismos que conferem celeridade e segurança às partes envolvidas.
Por fim, o novo marco legal promove avanços importantes no tratamento da cobertura provisória, da sub-rogação, da renovação e do cancelamento contratual, proporcionando maior clareza e equilíbrio nas obrigações entre seguradoras e segurados.
Entretanto, apesar desses progressos, a nova legislação também traz dispositivos que demandarão cuidadosa observância por parte do mercado, destacando-se o artigo 9º, que dispõe que o seguro cobre “a espécie contratada”. Embora aparentemente simples, esse conceito pode gerar interpretações divergentes entre segurados, que tendem a presumir cobertura ampla, e seguradoras, que podem adotar entendimento restritivo, aumentando o risco de judicialização.
Outro ponto sensível reside nos artigos 13 a 16, relativos ao agravamento do risco, pois agora o ônus da comprovação do nexo causal recai sobre a seguradora, rompendo com a jurisprudência anterior que, em muitos casos, aceitava a recusa da cobertura com base em condutas temerárias do segurado, ainda que desvinculadas do evento danoso. Dessa forma, a negativa de indenização exigirá robustez probatória e maior rigor na fundamentação.
Essa alteração exigirá revisão dos mecanismos de avaliação de risco, sobretudo nas declarações de saúde, a fim de prevenir passivos judiciais indesejados e promover maior aderência à nova sistemática legal.
Para as seguradoras, a nova legislação impõe desafios operacionais e regulatórios significativos, como a necessidade de revisão das apólices e das condições gerais do produto para assegurar linguagem clara, especialmente nas cláusulas restritivas.
Do lado dos segurados, amplia-se a responsabilidade quanto à veracidade das informações prestadas e à comunicação tempestiva de alterações relevantes no risco segurado. Mudanças no estado de saúde, em atividades desenvolvidas ou no objeto segurado devem ser formalmente informadas à seguradora, sob pena de comprometimento da cobertura.
A atuação dos corretores de seguros também é redesenhada no Marco Legal de Seguros. A exemplo disso, é o disposto no artigo 41, que o posiciona como consultores técnicos, incumbidos de orientar sobre coberturas, cláusulas sensíveis e condições contratuais, de modo que a sua capacitação contínua será decisiva para que a nova legislação produza os efeitos almejados, mitigando assimetrias informacionais e promovendo a cultura da prevenção.
No plano institucional, o Poder Judiciário terá papel central na consolidação do novo regime jurídico. O STJ, notadamente, será chamado a uniformizar a interpretação de dispositivos ambíguos — como o artigo 9º — e a definir balizas quanto às cláusulas limitativas e aos efeitos do agravamento de risco. As decisões judiciais que se formarem nos próximos anos serão essenciais para densificar, na prática, o conteúdo normativo da nova lei.
Desse modo, o Marco Legal de Seguros não apenas moderniza a linguagem jurídica, como também incorpora de forma expressa princípios estruturantes da boa-fé objetiva, da transparência informacional e da lealdade contratual, que antes figuravam de forma difusa na jurisprudência e na doutrina, contribuindo para reduzir disputas e tornar mais previsível o comportamento das partes ao longo da execução do contrato.
Contudo, a transição para o novo regime poderá suscitar controvérsias quanto à sua aplicação em situações híbridas, especialmente nos casos em que o sinistro ocorre antes da vigência da nova lei, mas sua comunicação à seguradora se dá posteriormente.
Alguns operadores sustentam que, nesses casos, aplicar-se-iam as disposições da nova legislação, considerando o momento da comunicação como marco determinante. Outros, porém, invocam o princípio da segurança jurídica para defender que as regras aplicáveis devem ser aquelas vigentes à época do evento danoso. Essa controvérsia interpretativa exigirá resposta institucional clara, a fim de evitar insegurança jurídica e disputas desnecessárias durante o período de transição.
A transição legislativa também exigirá ajustes regulatórios por parte da SUSEP, sobretudo diante de eventuais sobreposições normativas ou lacunas técnicas. O diálogo institucional entre mercado e órgãos reguladores será indispensável para garantir a coerência e a efetividade do novo sistema.
Com vigência plena prevista para 11 de dezembro de 2025, a transição exige planejamento estratégico das seguradoras, incluindo participação em consultas públicas, fóruns setoriais e o contínuo diálogo com os entes reguladores. Recomenda-se que as companhias atualizem seus produtos, invistam em tecnologia e capacitem seus profissionais desde já.
Para os segurados, é recomendável buscar assessoria jurídica especializada, de modo a compreender integralmente os novos direitos e obrigações decorrentes do contrato de seguro sob a nova lei.
A promulgação da Lei nº 15.040/2024 constitui verdadeiro marco normativo no direito securitário brasileiro, ao consolidar entendimentos sedimentados no Superior Tribunal de Justiça e conferir tratamento jurídico específico e atualizado aos contratos de seguro. Longe de representar mera positivação de práticas existentes, o novo marco legal confere densidade normativa a uma espécie contratual complexa, com regras claras, prazos definidos e balizas interpretativas mais precisas do que aquelas anteriormente pautadas pelo Código Civil.
Ao refletir a evolução doutrinária e jurisprudencial das últimas décadas, a nova lei reconhece o papel do seguro como instrumento de proteção social e vetor de estabilidade econômica. Busca-se um ponto de equilíbrio entre previsibilidade contratual e tutela do segurado, promovendo maior transparência, racionalidade econômica e segurança jurídica para todos os envolvidos.
A expectativa é que o novo marco estimule a profissionalização do setor, com investimento crescente em análise técnica, padronização de práticas e redação contratual clara, contribuindo para um ambiente menos litigioso e mais eficiente. A efetividade da norma, no entanto, dependerá da atuação coordenada de seguradoras, corretores, segurados, reguladores e do Judiciário, em uma interpretação técnica, pragmática e orientada à boa-fé objetiva.
Se bem implementado, o Marco Legal dos Seguros poderá não apenas mitigar conflitos e modernizar as práticas negociais, mas também posicionar o Brasil como referência internacional em regulação securitária, transformando o setor em referência de ética, eficiência e estabilidade regulatória.
*Eric Henrique Alves da Silva é advogado no Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica.