A recém sancionada lei do seguro (Lei nº 15.040/2024), que entrará em vigor em dezembro deste ano, tem gerado intensas discussões. De um lado, há quem a considere um marco regulatório para o setor, argumentando que o Brasil necessitava de uma legislação própria. De outro, críticos apontam um possível exagero, ponderando que já existiam leis e um vasto entendimento jurisprudencial sobre o tema.
Um dos pilares da nova legislação é a proteção ao consumidor. No entanto, existe a preocupação no mercado de que essa ampliação da proteção possa encarecer o seguro, tornando-o ainda mais inacessível.
A real dimensão dos impactos somente poderá ser mensurada após a adequação das seguradoras às novas regras e o monitoramento de sua aplicação prática, por meio de cálculos atuariais e análises estatísticas.
Um dos pontos de maior relevância da nova legislação refere-se ao tratamento conferido ao agravamento do risco. A lei impõe um ônus probatório mais rigoroso às seguradoras nos casos de negativa de cobertura fundamentada em tal circunstância. Para que a recusa da indenização seja legítima, a seguradora deverá comprovar não apenas a conduta do segurado, mas também o nexo de causalidade entre esta e o sinistro.
Conforme o Art. 13, a perda da garantia está condicionada ao ato intencional e relevante do segurado de agravar o risco. A relevância, por sua vez, é caracterizada nos seguintes termos:
§ 1º Será relevante o agravamento que conduza ao aumento significativo e continuado da probabilidade de realização do risco descrito no questionário de avaliação de risco referido no art. 44 desta Lei ou da severidade dos efeitos de tal realização.
Ademais, o Art. 16 reforça a necessidade de comprovação do nexo causal, determinando que, “sobrevindo o sinistro, a seguradora somente poderá recusar-se a indenizar caso prove o nexo causal entre o relevante agravamento do risco e o sinistro caracterizado”.
Uma mudança de grande impacto ocorre nos seguros sobre a vida e a integridade física, a nova lei impede a negativa de cobertura por agravamento de risco. A norma estabelece como única consequência a possibilidade de cobrança da diferença de prêmio.
Art. 17. Nos seguros sobre a vida e a integridade física, mesmo em caso de relevante agravamento do risco, a seguradora somente poderá cobrar a diferença de prêmio.
O impacto desta disposição na precificação e estruturação dos produtos do segmento constitui uma variável que demandará observação e análise atuarial ao longo do tempo.
Contudo, a nova legislação não representa o fim absoluto do direito de negativa das seguradoras. A recusa de pagamento permanece como uma prerrogativa da companhia, uma vez que o contrato de seguro garante a indenização apenas para os riscos predeterminados na apólice.
A principal mudança reside na forma e na fundamentação exigidas para tal ato. Conforme o Art. 86, § 6º, da lei, a recusa de cobertura deve ser expressa e motivada, sendo vedado à seguradora alterar o fundamento da negativa posteriormente, a menos que venha a tomar conhecimento de fatos que antes desconhecia.
No entanto, este dispositivo específico já se tornou um dos pontos mais controversos da nova legislação. Há um intenso debate entre juristas sobre sua constitucionalidade, com argumentos de que ele poderia cercear o direito à ampla defesa e ao contraditório da seguradora, que são garantias fundamentais.
A crítica se baseia no fato de que, ao proibir a inovação do fundamento da recusa, a lei cria uma espécie de preclusão que pode impedir a seguradora de alegar, em um futuro processo judicial, outras razões válidas para a negativa que não foram mencionadas na comunicação inicial.
Isso poderia ser interpretado como uma limitação indevida ao seu direito de se defender plenamente. Por outro lado, defensores do artigo argumentam que ele visa a coibir a má-fé e a proteger o consumidor de negativas genéricas, forçando a seguradora a realizar uma análise completa e diligente antes de comunicar sua decisão. Essa tensão entre a proteção ao consumidor e a garantia de defesa processual da companhia certamente será objeto de intensas batalhas judiciais nos próximos anos.
Por fim, a real dimensão dos efeitos da lei permanece incerta.Só o tempo dirá se o resultado será um mercado mais justo para todos ou mais caro e restrito.
*Graziela Vellasco , especialista em Direito Securitário e atual Presidente da Comissão de Direito Securitário da 3ª Subseção da OAB