EXCLUSIVO – O mundo inteiro olha para o Brasil com muita atenção por conta dos desafios climáticos dos últimos anos. Esse olhar estará mais evidente por conta da cúpula do G20, que será realizada em novembro, no Rio de Janeiro. Governos e mercados querem conhecer se aplica por aqui na gestão de ESG (Environmental, Social and Governance), uma sigla em inglês que significa sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa.
A preocupação é fundamentada em muitos fatores sociopolíticos e econômicos, mas, sobretudo, quando se considera um dado alarmante proferido pela secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, em outubro do ano passado, durante depoimento à Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados. Segundo a executiva, 3.679 municípios brasileiros, ou seja, 66% de um total de 5.570, não estão preparados para enfrentar as mudanças climáticas. E mais: 4 milhões de pessoas no Brasil foram afetadas diretamente por eventos relacionados às mudanças climáticas entre 2013 e 2022, como a redução das chuvas entre o centro e o norte do País e as inundações nas regiões sul e sudeste, e 10,6 milhões de hectares relacionados à agricultura serão perdidos até 2030, com muitas culturas sendo redistribuídas para outras localidades.
Em meio a dados tão alarmantes como os apresentados por Ana Toni, o setor de agronegócios, apesar de representar quase 24% do PIB brasileiro, vive uma crise de identidade e até mesmo de risco reputacional. Paralelamente ao desafio climático e ao elevado índice de desmatamentos, existem outros previstos para este ano que preocupam especialistas e mercado, dentre os quais os custos de produção elevados. Tudo isso cerca a sigla ESG e está diretamente atrelado ao setor de seguros.
Para Nayara Marcato, advogada especialista em direito do agronegócio, o produtor rural terá um desafio cada dia maior em manter o foco nesta pauta e aplicá-la de forma coerente e condizente com a realidade de sua propriedade. “Temos inclusive o termo ‘Greenwashing’, que se traduz em divulgar práticas falsas de ESG. Ou seja, viveremos em uma realidade mundial cada dia mais atenta ao que realmente está sendo realizado e, não apenas, divulgado”, abrevia a advogada.
Ela reforça que algumas ações práticas relacionadas à pauta ESG podem ser adotadas no agronegócio brasileiro, como o cumprimento estrito da legislação trabalhista e florestal, rastreabilidade da cadeia de valor, investimento em tecnologias, redução das emissões de carbono, uso consciente de recursos naturais, avaliação do impacto da fazenda na sociedade e uma liderança mais transparente.
Como observa Nayara, a rotina extenuante do campo não “favorece amadores”. Ela frisa que os desafios cotidianos pelos quais atravessam e superam o homem do campo, independentemente de seu porte e atuação, obriga-o a estar atento às exigências e possibilidades para potencializar o lucro do seu negócio. “Existem alguns incentivos que podem favorecer o setor rural para conquistar melhores resultados em suas práticas ESG”, diz a advogada, assinalando que uma dessas práticas vem do governo nacional, que oferece incentivos fiscais relacionados à redução de taxas de juros, por exemplo, como parte do Plano Safra 2023/24, para incentivar a adoção de práticas mais sustentáveis.
Outro exemplo citado por Nayara é o Programa Nacional de Crescimento Verde, criado pelo Governo federal no dia 25 de outubro de 2021 com o objetivo de viabilizar financiamentos para projetos e atividades econômicas sustentáveis. “Além disso, existem as certificações que oferecem suporte importante para organizar seus processos ESG nas propriedades. Ou seja, o produtor agrícola está atento aos programas e possibilidades sustentáveis e governamentais e, atualmente, depende dele encontrar meios para se organizar e colocá-las em prática de forma assertiva. Vale ressaltar que, no que tange questões legais e certificações, o direito no agro é um importante aliado”, enfatiza.
O diretor técnico responsável pelas áreas de RD Equipamentos, produto Financial Lines & Responsabilidade Civil e Produto Agricultura da Sompo Seguros, Felipe Prado Ribeiro, assinala que as seguradoras têm investido em soluções voltadas a novas coberturas e serviços agregados que conferem mais qualidade e precisão em processos que vão desde a subscrição até a indenização do sinistro. Monitoramento via satélite, utilização de drones ou envio de imagens online nas vistorias de sinistros são alguns dos recursos implementados, lista Ribeiro. “Em muitas situações, o conhecimento do comportamento e ciências da natureza, bem gerenciados, contribuem com a eficiência no campo. Um exemplo disso é a tecnologia de controle biológico de pragas em lavouras, que consiste no manejo de predadores, parasitóides, fungos e vírus. Esse recurso controla o ataque de lavouras por insetos indesejados, plantas daninhas e doenças ao mesmo tempo em que reduz o uso de defensivos agrícolas químicos”, exemplifica.
O executivo da Sompo destaca que o uso de conhecimento e de recursos contribui para mitigar riscos, favorecendo o gerenciamento dos negócios no dia a dia do campo. Pensando em novos usos para tecnologias já existentes, explica ele, podem ser desenvolvidas soluções por meio de geotecnologias como o sistema global de posicionamento (GPS) ou sistema de informação geográfica (SIG) ou ainda sistemas de monitoramento via satélite para acompanhar dados históricos e meteorológicos e também a produtividade da área plantada, além de analisar impacto climático na safra, monitorar a taxa de umidade do solo e, com isso, propor coberturas customizadas.
Há cerca de 20 anos, a Sompo atua no ramo de seguros para máquinas e implementos agrícolas (benfeitorias e penhor rural). Em 2019, a seguradora investiu em uma área específica de agronegócio. Naquele mesmo ano, lançou produtos de seguro agrícola desenhados para atender características regionais e configurados em conformidade com as necessidades específicas dos clientes. “As apólices de seguro agrícola são fechadas por safra. já as apólices de máquinas & implementos agrícolas podem ser contratadas com vigência anual ou plurianual, com limite máximo de cinco anos”, explicou Ribeiro.
Em maio de 2023, a Serasa Experian ouviu 337 mil produtores rurais de todo o Brasil. Um dos resultados apontados pela pesquisa, divulgada em julho do mesmo ano, é que 91,8% (ou seja, 9 entre 10 produtores) disseram atuar em compliance com a conformidade socioambiental, que passou a ser exigida pelo Banco Central para a concessão de linhas de crédito e fundos de investimento. “Precisamos usar os dados para trazer mais clareza ao movimento socioambiental no Brasil, pois uma maior parte do agronegócio está disposta a seguir dentro desses moldes. Dessa forma, para coletar e analisar essas informações, expandimos nosso portfólio como empresa, fazendo o uso da tecnologia de monitoramento por satélite, que é fundamental para comprovação desses cenários no campo, justifica o head de Agronegócio da Serasa Experian, Marcelo Pimenta.
O especialista aponta outro recorte que considera importante: as análises complementares, que cruzam dados do perfil de crédito com os de ESG. Ou seja, com esse tipo de avaliação mais completa é possível mostrar ao credor que, alguns perfis que atuam como ótimos pagadores podem estar infringindo leis socioambientais. “É preciso olhar por óticas diferentes antes de fazer negócio. Além disso, o produtor também é beneficiado pela completude dessa análise, já que aqueles que possuem desempenho positivo terão maior visibilidade para o mercado e, sendo assim, melhores oportunidades de acesso ao crédito”, pontua Pimenta, que informa ainda não haver uma data prevista para um novo estudo para o ESG no agro em 2024.
Embora o setor do agronegócio tenha aderido aos conceitos de ESG, como indica a pesquisa da Serasa Experian, há casos cada vez mais frequentes de desmatamento e queimadas provocados por produtores rurais e de exploração do trabalho de empregados em zonas rurais que seguem a contramão de qualquer premissa ESG.
Para Pimenta, é necessário destacar que um percentual “extremamente relevante” do agronegócio cumpre a legislação socioambiental vigente. “Como qualquer outro segmento da sociedade, existe um pequeno percentual que descumpre regras e que causa a maioria das infrações. Num estudo anterior que fizemos, o 1% que não cumpre as regras ESG era responsável por 35% das infrações do Ibama e 100% das denúncias de trabalho análogo à escravidão. Como este é um assunto muito sensível e de grande vigilância midiática, é amplamente coberto, mas diz respeito a um número pequeno de pessoas ou empresas que são responsáveis por estes problemas. Também é necessário dizer que uma boa parte do desmatamento e queimadas ocorre em terras devolutas da União e não em propriedades rurais produtivas”, pondera o executivo da Serasa Experian.
Corretores, ESG e Seguro Paramétrico
Sócio fundador da corretora de seguros Personnalitè GR, Rafael Viana projeta o olhar de quem comercializa as apólices para o mercado agro. Para ele, a abordagem ESG tem se mostrado cada vez mais relevante para o setor agrícola no Brasil. Em termos ambientais, diz ele, os produtores rurais estão adotando práticas sustentáveis, como a gestão eficiente da água, o uso de energias renováveis e a conservação do solo. “Socialmente, há um foco crescente na segurança e bem-estar dos trabalhadores rurais, além do engajamento com as comunidades locais. Quanto à governança, a transparência nas operações e a conformidade com regulamentações ambientais e trabalhistas são prioridades. Essas práticas não apenas contribuem para a sustentabilidade ambiental e social, mas também podem melhorar a reputação das empresas agrícolas, atrair investimentos responsáveis e abrir portas para parcerias comerciais com organizações que valorizam a sustentabilidade”, avalia Viana.
Segundo Viana, os desafios encontrados pelos corretores incluem a falta de conhecimento sobre os benefícios do seguro por parte dos produtores rurais, a complexidade dos processos de contratação e a precificação do seguro, que muitas vezes pode ser considerada alta pelos agricultores (percepção de valor). “É importante ressaltar que o contexto do seguro agro não ficou no passado. Com o aumento da conscientização sobre os riscos envolvidos na atividade agrícola e com o desenvolvimento de produtos mais adequados às necessidades dos produtores, o seguro agro tem se mantido relevante e está em constante evolução para atender às demandas do setor”, pondera o corretor da Personnalitè GR.
Para Rafael Viana, comentar a quantidade de corretores é algo muito subjetivo: “O que percebo atualmente é que o mercado possui poucos especialistas para tratar sobre o tema e alguns se tornam aventureiros em querer conduzir assuntos que são complexos, possuem legislações específicas e condições especiais.”
Quanto à difusão do seguro paramétrico, Viana o reconhece como uma forma inovadora de proteção financeira que difere dos seguros tradicionais, pois não se baseia em perdas reais, mas sim em parâmetros predefinidos, como índices climáticos ou de produção: “Quando esses parâmetros atingem um certo nível, o pagamento do seguro é acionado, independentemente das perdas reais sofridas pelo segurado. No Brasil, a difusão do seguro paramétrico tem sido gradual, mas crescente, especialmente no setor agrícola. Produtores rurais estão cada vez mais interessados nessa modalidade devido à sua capacidade de proteger contra eventos climáticos extremos, como secas ou excesso de chuvas, que podem impactar negativamente a produção agrícola. Além disso, o seguro paramétrico oferece uma forma mais ágil e transparente de indenização em comparação com os seguros tradicionais, o que tem contribuído para a sua adoção no país.”
Riscos de imagem
A Apólice conversou com os especialistas sobre como as questões de invasão de sítios arqueológicos ou de terras indígenas impactam o seguro e como fica o cuidado com os trabalhadores rurais, que devem ter condições ideias para alojamento nas fazendas.
Segundo a advogada Nayara Marcato, a legislação brasileira determina que a contratação do seguro rural é obrigatória para os produtores rurais que acessam crédito rural, conforme a Lei nº 10.823, de 2003. Ela explica que, no contexto da invasão de sítios arqueológicos ou de terras indígenas, a apólice de seguro rural pode ser afetada dependendo das cláusulas específicas do contrato: “Caso a invasão resulte em danos à propriedade rural, o segurado poderá acionar o seguro para cobrir os prejuízos, desde que a apólice contemple tal situação. Por outro lado, se a invasão for considerada um risco excluído pela seguradora, os danos não serão indenizados.”
Quanto ao cuidado com os trabalhadores rurais, Nayara ressalta que a legislação trabalhista estabelece que o empregador rural é responsável por garantir condições adequadas de alojamento para seus funcionários, conforme a Norma Regulamentadora 31 (NR-31), do Ministério do Trabalho. “O descumprimento dessas normas pode resultar em penalidades legais e impactar a imagem e reputação da empresa perante a sociedade e investidores, especialmente no contexto da crescente preocupação com a sustentabilidade e responsabilidade social das empresas, aspectos centrais do ESG”, alerta advogada, que conclui: “É fundamental que produtores rurais estejam atentos às questões relacionadas à invasão de sítios arqueológicos ou de terras indígenas e ao cuidado com os trabalhadores rurais, não apenas para garantir a conformidade legal, mas também para mitigar riscos e promover uma atuação sustentável e socialmente responsável, em linha com os princípios do ESG”.
André Felipe de Lima
Revista Apólice
* Esta matéria foi publicada na Edição 296 da Revista Apólice