Ultima atualização 03 de abril

Nascimentos e sinistros

Eu era um jovem universitário de vinte anos, começando um pequeno negócio em Brasília no ramo de alimentação, quando nasceu meu primeiro filho. Minha esposa e eu o víamos como uma promessa de um futuro melhor. Tudo era alegria, mas eu não tinha seguro saúde e, felizmente, os serviços de saúde pública naquela época funcionavam adequadamente.
Hoje, pouco mais de trinta anos depois, meu filho está pensando em sua própria família e eu, empresário do setor de seguros, me dou conta de repente que, quando nasceu o meu primeiro neto, ele foi considerado como mais um “sinistro de saúde” para a sua seguradora. Meu neto foi um “sinistro” e não pura alegria?
Nascer ficou muito caro para esta geração e causa um forte impacto nas contas da família em seu início – ou muitos nascimentos impactam as contas de uma seguradora.
Mas mais caro ainda é cuidar da saúde na terceira idade, e o pior ainda está por vir. Provavelmente, na projeção atual, quando a geração de meus filhos chegar aos sessenta anos apenas o topo da pirâmide socioeconômica poderá pagar por um plano ou seguro saúde de boa qualidade.
Dois fatores indicam claramente essa tendência: o envelhecimento já contratado da população brasileira, com mais idosos pressionando os custos de empresas sustentadas por cada vez menos jovens, e o encarecimento da medicina, principalmente na área de Diagnósticos, com uma frequência muito alta especialmente na terceira idade. Hoje já temos mais de 7% da população com mais de 65 anos, em idade de aposentadoria, portanto. Em 2050, 5,5% dos homens e 7,7% das mulheres brasileiras terão mais de 70 anos.
Existem estudos e o esforço por parte da agência reguladora e das empresas do setor (além da demagogia generalizada em várias esferas de poder) buscando formas de financiar ou reduzir os custos de saúde para os mais velhos, mas tudo que foi tornado público até agora implica em arcar com mais despesas por parte da sociedade. As propostas em discussão giram em torno da criação de funding pelos contribuintes para o pagamento de seguros de saúde na terceira idade: o chamado VGBL Saúde, que é uma iniciativa válida mas não suficiente.
Devemos nos lembrar, e aos entes governamentais, de que nós já pagamos pela saúde pública e também pela suplementar: Pagamos compulsória e diretamente uma parte da saúde pública (via contribuições obrigatórias) e a outra parte indiretamente, por meio da elevada carga tributária brasileira. Adicionalmente, mais de 46 milhões de brasileiros já dispõem de algum plano ou seguro saúde, portanto estão contribuindo pela segunda vez e consequentemente desonerando o SUS. Lembramos ainda que esses beneficiários de planos e seguros, ao utilizarem a rede pública por qualquer emergência, acarretarão o ressarcimento das despesas incorridas pelo SUS, ou seja, perdem seu direito ao serviço que deveria ser gratuito para todos os brasileiros.
Mas quando foi que passamos a tratar os idosos como “custo”, “despesa” ou “problema”? Não seria mais correto e justo tratá-los como aqueles que contribuíram durante anos para o crescimento do país, e que nos criaram? Devemos mudar essa visão ou vamos aceitar uma alternativa de disaster movie onde devemos todos morrer assim que deixarmos de ser produtivos para não onerar os mais jovens? Ora, cada nova geração em idade produtiva foi por sua vez sustentada para crescer por aquela que a precedeu. O fato é que devemos tomar as medidas necessárias agora para que a populacao de idosos tenham uma solução adequada e equilibrada daqui a 15 anos, quando a pirâmide inverter e esse peso sobre a população jovem começar a pesar. Isso já acontece na Europa, por exemplo.
O debate que proponho parte do princípio de que, ao nos aposentarmos, já teremos contribuído bastante, em dinheiro e em trabalho, e a opção de um plano suplementar de saúde não deve exigir previamente um terceiro pagamento ao longo da vida útil, e sim utilizar recursos já disponíveis. Reforço a avaliação de que já pagamos bastante ou mesmo excessivamente pela prestação de serviços públicos de qualidade duvidosa, inclusive na área da saúde, e não devemos pagar nada adicionalmente. Assim, por que não utilizar parcialmente alguns dos fundos que o Governo arrecada compulsoriamente em nosso nome para capitalizar, por exemplo, um VGBL Saúde ou outros fundos com a finalidade de equilibrar atuarialmente os preços das pessoas com mais de 65 anos?
Por exemplo, recursos do FGTS e do PIS, que são depositados ou vinculados a contas individuais, poderiam ser transferidos, por opção de seus titulares, para fundos de investimento (VGBL Saúde) e os rendimentos então seriam aplicados na amortização de pagamentos de planos e seguros de saúde para esta fase mais custosa, após os 65 anos. Estamos falando de valores da ordem de R$ 300 bilhões em ativos (FGTS) e R$ 30 bilhões (PIS), e cuja gestão resulta em baixíssima rentabilidade para os seu titulares.
A proposta seria a aprovação por projeto de lei, para maior debate e transparência, para a criação das regras e como a governança dos fundos se dariam, bem como suas metas atuariais e controle social poderiam facilmente ser regulamentadas por entes públicos como Banco Central, SUSEP e Agências reguladoras. Evidentemente, a adesão a tal sistema seria opcional, como o foi na aplicação de recursos do FGTS em ações da Petrobras.
Os recursos já existem, em teoria nos pertencem, e são captados compulsoriamente das empresas, com aplicação que gera benefícios abaixo de seu potencial, e certamente a sua aplicação na saúde constituiria um trade-off extremamente atraente para muitas pessoas, mas não precisaria ameaçar programas efetivamente prioritários como o “Minha Casa Minha Vida” que também tem cumprido um papel importante no desenvolvimento do país e solucionando o déficit habitacional da população.
Isso seria a valorização de toda uma bagagem emocional e social. Ao contrário do futuro pós-apocalíptico, um reconhecimento das boas práticas do passado e do início da História. Afinal, sinônimo de idosos para nossos antepassados não-tão-distantes era justamente o conhecimento acumulado daqueles que puderam enfrentar as intempéries da natureza e vicissitudes da vida para transmitir o conhecimento para as gerações seguintes. Ouro nenhum poderia pagar isso.

Revista Apólice área de seguros no Brasil

* Ivan Aragão é diretor-presidente da PAR Saúde

Compartilhe no:

Assine nossa newsletter

Você também pode gostar

Feed Apólice

Ads Blocker Image Powered by Code Help Pro

Ads Blocker Detected!!!

We have detected that you are using extensions to block ads. Please support us by disabling these ads blocker.

Powered By
100% Free SEO Tools - Tool Kits PRO