Ultima atualização 05 de agosto

Subscrição: do tradicional ao algorítmico

Todos no setor de seguros, independentemente do nível hierárquico, não têm dúvida de que a Inteligência Artificial empregada em diversas frentes vem transformando a subscrição de riscos, com modelos preditivos e machine learning substituindo processos manuais e baseados em média estatística. Essa revolução tecnológica está ditando o apetite das seguradoras bem como ajudando-as na redução de sinistralidade e de fraudes

EXCLUSIVO – Em todas as rodas de bate-papo na área de seguros, sejam elas com corretores, seguradores, desenvolvedores de TI ou atuários, o tema prevalente é “inteligência artificial” (IA). A visão holística sobre o assunto dita as cartas, afinal a IA interconecta todas as ações possíveis no campo securitário, desde a subscrição ao processamento de sinistros. Quem não internalizar de vez essa nova realidade, ficará para trás. Ou pior: sumirá de vez do mapa do mercado.

Vejamos a subscrição, por exemplo. Trata-se de um processo notoriamente de extrema complexidade em seguros, mas que vem, graças ao emprego da inteligência artificial, sendo agilizado e refinado em todos os seus aspectos, possibilitando às seguradoras preços mais competitivos e personalizados. A detecção de fraudes é outro ponto para o qual a IA tem sido decisiva não somente no setor de seguros mas também na saúde suplementar.

Para se ter ideia do tamanho da encrenca, nos Estados Unidos, a Coalition Against Insurance Fraud (CAIF) estima um custo anual assustador de US$ 308,6 bilhões atribuído à fraude em seguros, sendo que o setor de property and casualty (P&C) representa US$ 45 bilhões desse valor. Dados do FBI indicam que uma família americana média incorre em um adicional de US$ 400 a US$ 700 por ano em aumento de prêmios devido à fraude em seguros.

Não é diferente no Reino Unido e na Europa como um todo. Na terra do rei Charles, a Association of British Insurers (ABI) identificou, em 2023, 84.400 fraudes em seguros no valor de 1,1 bilhão de libras, correspondendo a um aumento de 16% no número de reclamações detectadas em comparação ao ano anterior. No ano passado, o Insurance Fraud Bureau deflagrou investigação de mais de 6 mil sinistros de seguro de automóveis suspeitos de fraude, que podem estar vinculados a golpes de “colisão por dinheiro”. No total, estima-se que esse valor seja superior a 70 milhões de libras em fraudes potenciais. No Brasil, pontualmente em 2022, as fraudes em seguros somaram quase R$ 825 milhões em 2022, representando 16% do total de sinistros pagos naquele ano, conforme apontam dados da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg). Por aí se mede a importância das ferramentas de IA para todos os processos do seguro, onde destacam-se para identificação rápida de anomalias em dados de sinistros e de segurados, superando as capacidades humanas em termos de velocidade e eficiência no rastreio das fraudes.

Como acontece, contudo, com qualquer nova tecnologia poderosa, existem riscos que devem ser cuidadosamente avaliados e gerenciados por todos os profissionais do seguro. O fato é que, apesar deste importante sinal, a IA melhorou o apetite de risco das seguradoras. “A inteligência artificial vem ampliando a capacidade das seguradoras de identificar, precificar e administrar riscos com muito mais precisão. A IA permitiu que as seguradoras analisem uma quantidade muito maior de informações para calcular o risco de forma mais precisa. Isso fez com que riscos que antes eram recusados por falta de dados confiáveis fossem aceitos e que sejam estabelecidos preços mais adequados ao perfil de cada cliente”, avalia Bráulio Melo, que membro do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) e com mais de 20 anos de experiência em atuária, resseguros, gestão de riscos e regulação do setor.

Baseada em Luxemburgo, a executiva brasileira Luanna Eroles Knoener, líder de expansão internacional da Samplemed, empresa que começou a atuar há quase 40 anos no Brasil com serviços para subscrição de seguros oferecidos às seguradoras, trabalha com produtos digitais na Samplemed há 5 anos. Ela comandou o projeto s.360, sendo responsável pela internacionalização do software desenvolvido com tecnologia brasileira para subscrição médica. 

“Minha percepção é que, para análises de risco em vida e saúde, as empresas de seguro ainda são bem tradicionais e preferem estratégias que incluem análises médicas para se sentirem mais seguras do risco, especialmente para propostas de capital mais alto. A IA tem sido implementada mais para o atendimento ao consumidor e para gerar novas jornadas. A análise de risco não é feita com IA generativa. Por quê? Riscos em seguros de vida são casos de exceção — não são os casos padrão — e inteligência artificial é treinada com repetição de padrões, não exceção. Por isso, a inteligência humana é essencial. Com isso em mente, participei de um projeto de criação da nossa fundação mapeada de dados para análise de riscos, que chamamos de ‘Banco de Riscos do s.360’. Fizemos uma base web semântica que foi feita com pesquisa por mais de 10 médicos e taxonomistas, para traduzir o conhecimento médico de uma maneira que a máquina consiga entender e ser a fonte de referência passada por curadoria médica antes de interagir com inteligências artificiais”, destaca Luanna.

Para Aldo Pires, CEO da .add, empresa especializada em inovação e tecnologia com mais de 25 anos de atuação no mercado e escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro e Miami, a inteligência artificial não necessariamente melhorou o apetite de risco das seguradoras no sentido de torná-las mais dispostas a assumir riscos maiores, mas transformou a forma como esse “apetite” é gerido, tornando-o mais preciso, dinâmico e baseado em dados. “A IA tem permitido uma análise muito mais refinada de riscos, com base em grandes volumes de dados históricos, comportamentais e até climáticos. Essa capacidade ampliada de análise reduz incertezas, melhora a precificação e fortalece a tomada de decisão nas áreas de subscrição. A IA não aumenta o apetite de risco em si, mas permite assumi-lo com mais segurança e inteligência. Assim, algumas seguradoras podem se sentir confortáveis em ampliar seu escopo de atuação — por exemplo, aceitando riscos antes considerados altos — graças à confiança nas análises geradas por IA”, assinala o executivo.

De forma bem objetiva, o uso de IA vem ajudando as seguradoras a serem mais precisas e ágeis na avaliação de risco. Essa é a opinião de Rodrigo Cunha, diretor de TI do Grupo Apisul, com foco em seguros, gerenciamento de riscos, inteligência logística, regulação de sinistros e meios de pagamento. Ele exemplifica que, com algoritmos de aprendizado de máquina, é possível processar grandes volumes de dados, inclusive aqueles não estruturados, como imagens, sensores e redes sociais. Esses processos de IA, frisa Cunha, ajudam a formar um perfil mais completo do segurado através de uma análise mais individualizada, indo além dos modelos tradicionais baseados em regras fixas. “Dessa forma, conseguimos personalizar a precificação e cobertura com base em dados reais de comportamento e exposição ao risco. Isso tem ampliado a capacidade da área técnica em trabalhar com segmentos que antes eram considerados muito arriscados ou até mesmo inatingíveis. Isso representa, na prática, um ganho real de apetite de risco com mais segurança. Além disso, com previsões mais confiáveis, conseguimos otimizar o uso do capital, por exemplo, ajustando reservas de forma mais eficiente ou tomando decisões de resseguro com mais embasamento”, observa. Segundo o executivo do Grupo Apisul, isso libera margem para a companhia assumir novos riscos de forma controlada. “Também falamos sobre como o monitoramento em tempo real, usando sensores ou telemetria, está permitindo uma gestão mais ativa do risco. Isso diminui a imprevisibilidade e torna o apetite de risco mais flexível, sem abrir mão da segurança. Claro que seguimos atentos aos desafios como viés nos dados, explicabilidade dos modelos e questões de privacidade. A área técnica de seguros tem um papel essencial nisso, garantindo que as soluções estejam alinhadas com a regulação e com boas práticas do setor. Mais do que aumentar o apetite de risco, a IA permite que ele seja mais estratégico e embasado. Essa é uma construção conjunta entre tecnologia e a área técnica de seguros, que vem evoluindo com bastante consistência”, resume.

Modelos preditivos

O mercado segurador brasileiro começou a investir em melhorias e automatização de processos a partir de modelos preditivos e machine learning, mas sua adoção, como explica Bráulio Melo, ainda é gradual e longe de estar consolidada. A grande maioria das seguradoras, afirma o atuário, ainda depende “fortemente” de práticas convencionais baseadas em estatísticas agregadas e decisões manuais. “O que percebo é que algumas seguradoras têm liderado essa transformação, mas para utilizações distintas e não homogêneas. Vejo, por exemplo, algumas utilizando para automação da análise de sinistros e detecção de fraudes, enquanto outras têm priorizado a experiência digital do usuário, com processos de cotação em tempo real, com base no perfil e comportamento dos segurados”, diz.

Como informa o membro do IBA, o que é amplamente utilizado fora do Brasil, mas que ainda não foi incorporado no mercado local, é a subscrição automatizada — instantânea e totalmente digitalizada — para aceitar ou recusar propostas sem intervenção humana. Melo cita ainda o uso de IA para análise de imagem, áudio, vídeo e texto, que, segundo ele, poderia simplificar o processo de regulação de sinistros, e o ajuste dinâmico de preços, que se baseia no comportamento e no uso dos clientes. 

Luanna Eroles afirma, por sua vez, que modelos preditivos não são IA generativa. Um modelo preditivo, reforça a especialista, é também um tipo de inteligência artificial que utiliza dados históricos e algoritmos estatísticos para prever resultados ou comportamentos futuros. “Ele faz parte do campo de aprendizado de máquina, onde o sistema aprende padrões a partir dos dados para fazer previsões informadas. Eles são usados em casos com perfil específico, normalmente massificados, e algumas seguradoras se sentem mais confortáveis com eles, mas ainda há um grupo que tem medo de modelo preditivo no Brasil comparado com o que conheço fora. Agora, no mercado internacional, isso já é completamente normalizado, se roda muito modelo preditivo para análise de riscos”, observa Luanna.

No Brasil, embora modelos preditivos e machine learning ainda não estejam plenamente incorporados pelas seguradoras como parte central de todos os processos, o que se observa é um movimento gradual, com avanços em áreas específicas como: subscrição automatizada em seguros de automóvel e vida individual, com uso de IA para precificação baseada em perfil de risco; detecção de fraudes, onde algoritmos de machine learning já superam abordagens tradicionais, e atendimento a sinistros, com o uso de chatbots, além de análise de imagem e de triagem automatizada. Além disso, a baixa qualidade de dados históricos digitalizados e a falta de interoperabilidade entre sistemas legados dificultam a adoção ampla e estruturada de modelos preditivos, como atesta Aldo Pires.

No exterior, acentua ele, seguradoras usam dados não tradicionais, como comportamento digital, hábitos de consumo e dados de dispositivos IoT (como carros conectados e wearables), para precificação e personalização de produtos. No Brasil, isso ainda é incipiente. “Há uma tendência de as seguradoras operarem com modelos de machine learning atualizados em tempo real, recalibrando o apetite de risco à medida que os dados mudam. No Brasil, a maioria das seguradoras ainda trabalha com modelos fixos e atualizações periódicas, muitas vezes manuais”, pontua Pires.

Outra prática “bem interessante”, como argumenta o executivo, é a utilização de testes A/B de algoritmos de subscrição e campanhas automatizadas. “Aqui, ainda se depende fortemente de decisões centralizadas e menos experimentação orientada a dados. O conceito de insurance-as-a-service, com produtos modulares via API’s, está em crescimento fora do Brasil. Por aqui, o modelo ainda é limitado e concentrado em algumas insurtechs”, afirma.

Como assinala Rodrigo Cunha, as empresas no Brasil estão em fase de transição, substituindo gradualmente processos manuais e modelos baseados em médias estatísticas tradicionais por abordagens mais inteligentes e individualizadas, especialmente em precificação, detecção de fraudes e análise de risco. A adoção, segundo ele, ainda é desigual porque grandes seguradoras e insurtechs lideram o uso dessas tecnologias, enquanto players menores enfrentam barreiras, como falta de dados estruturados, limitações regulatórias ou baixa maturidade analítica. “Fora do Brasil, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, [as tecnologias com IA] já são amplamente aplicadas”, enfatiza Cunha, que cita as seguintes movimentações executadas lá fora que ainda são incipientes aqui. Primeiramente, a precificação dinâmica e personalizada com base em comportamento, como, por exemplo, telemetria veicular real-time; underwriting automatizado com modelos preditivos e análise de texto em tempo real. Exemplos: documentos e histórico médico; o uso de LLMs e IA generativa para atendimento ao cliente, triagem de sinistros e resumo de apólices, modelos de risco baseados em dados externos, como clima, geolocalização, redes sociais e imagens de satélite, e, por fim, a automação de sinistros com visão computacional. Exemplo: análise automática de fotos de colisão.

Impacto na redução da sinistralidade

Tema tão em evidência na área de saúde suplementar, as fraudes estão comprometendo em 10% as receitas das operadoras do setor, como indica o relatório Fraude no sistema de saúde brasileiro, da PwC Brasil. Nos últimos cinco anos, como alerta a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), mais de 4 mil notificações de crimes e ações cíveis foram registradas contra fraudadores de planos médicos e odontológicos. Outro dado alarmante foi apresentado pela Associação Brasileira de Empresas de Saúde Suplementar (Abramge). Segundo a entidade, os desvios no setor podem ter causado um prejuízo estimado em R$ 33 bilhões em 2024. A inteligência artificial (IA) pode ser decisiva para a redução de sinistralidade e, obviamente, para o combate às fraudes. 

Luanna Eroles explica ser possível o uso de técnicas diversas de IA para diferentes pontos, como as análises de omissão de informação médica, inconsistência de informação e alertas de fraude, que são feitos com base em machine learning ou em análises mais avançadas de inteligência artificial. Como exemplo, inclusive, ela frisa que a IA pode ser usada, “com consentimento”, para analisar voz e detectar se a pessoa, por exemplo, é possivelmente fumante. “Já tem empresas trabalhando [no setor médico] para detectar biomarkers de diabetes por voz, coisas nunca pensadas antes. Tem empresa americana que usa até delay de resposta a perguntas para definir fraude. A base é uma diferença de milissegundos e é meio militar para o meu gosto, mas funciona. Detalhe: por mais que tenhamos muita tecnologia a oferecer na proteção contra fraudes, o que mais reduz a sinistralidade em termos de volume de valor subscrito é surpreendentemente a tele-entrevista. Só em 2024, com um percentual de apenas 0,53% de casos tagueados [sic] como suspeita de fraude, as tele-entrevistas da Samplemed protegeram cerca de R$ 174,9 milhões para o mercado de seguros em capital de cobertura de vida”, revela Luanna.

O fato é que há um empenho das seguradoras e operadoras de saúde suplementar no uso de tecnologias avançadas de análise preditiva com base em inteligência artificial (IA) para redução de sinistralidade e de fraude. Resumidamente, os principais efeitos práticos são os seguintes: a IA permite analisar dados comportamentais, históricos e contextuais para antecipar o risco individual de sinistro, ajustando preços e coberturas. “Por exemplo, em seguros de automóvel, dados de telemetria, como velocidade, frenagens bruscas e horários de uso do veículo, permitem precificar de forma personalizada, variando o cálculo de risco periodicamente”, diz Aldo Pires, sinalizando, em seguida, para outro efeito: “No combate à fraude as seguradoras analisam grandes volumes de sinistros e detectam padrões atípicos. Por exemplo, no seguro saúde há aplicações que detectam suspeitas de fraudes quando um procedimento é apresentado por um cliente, ou prestador de serviço. Assim a análise de inconsistências em documentos ou vínculos suspeitos entre partes envolvidas faz com que as autorizações de procedimento sejam classificadas como suspeitas passando a ter um tratamento diferente das outras que não apresentam esse padrão”.

Há também, como acrescenta Pires, aplicações de visão computacional e análise de imagens em sinistros com fotos, especialmente em seguros de automóveis e residencial. “A IA pode analisar imagens enviadas pelos clientes para detectar edições, imagens de banco de dados ou inconsistências com o laudo técnico. Podemos citar ainda a utilização do processamento de linguagem natural [PLN] que permite que a IA consiga ler e interpretar textos de declarações, boletins de ocorrência e e-mails, cruzando informações e detectando contradições ou tentativas de manipulação”, salienta.

Rodrigo Cunha também mostra outro efeito prático da IA para redução de sinistralidade e de fraudes, porém em outro campo: “A automação no aviso e regulação de sinistro através de IA e visão computacional, o sistema avalia imagens, vídeos ou relatos com rapidez e consistência, acelerando a decisão sobre o pagamento ou recusa do sinistro. Também existe o monitoramento preventivo. Um exemplo é nos seguros de transporte, com a IA monitorando o comportamento do motorista, rotas e sinais de risco, ajudando a prevenir sinistros antes que ocorram. Todos esses processos apoiados e acelerados via Inteligência Artificial permitem uma redução no custo operacional com análise automatizada, tomada de decisão mais rápida e assertiva e melhoria da rentabilidade e sustentabilidade das carteiras.”

Do velho ao novo

O que avançou da subscrição tradicional até a subscrição algorítmica? O CEO Split Risk, Marcos Kapp ressalta que, nesse sentido, o processo vem sendo gradual, mas indispensável para a segurança da operação do setor. “Inicialmente, testamos com um volume menor de casos, até entender o comportamento das ferramentas e identificar possíveis falhas. Hoje, a grande maioria dos processos de subscrição já acontecem sem interação humana, com aprovação de vistoria prévia em menos de três minutos, por exemplo. Mesmo assim, revisamos frequentemente os casos aprovados ou recusados pela ferramenta, para conferir que as validações estão de acordo com as regras de aceitação. Isso nos garante continuar olhando para as melhorias nos processos internos com a certeza de que estamos no caminho certo”, afirma.

O avanço está, argumenta Luanna Eroles, na padronização do processo e na abordagem estratégica mais “granularizada” de subscrição possibilitada por processos consistentes. Ela explica: “A granularidade que sistemas como o s.360 oferecem é que podem diferenciar casos que antes eram declinados em nuances e sub quadros clínicos, que podem ser aceites, garantindo a proteção de muito mais famílias e de clientes que desejam obter proteção. Hoje, por exemplo, o s.360 diferencia mais de 100 tipos de diabetes e cada tipo tem um parecer. Porém essa abordagem, que hoje se tornou tecnológica, foi determinada pela equipe de médicos subscritores da casa. A inteligência humana sempre anda ao lado da tecnologia.”

Lado técnico da atuária

Membro do comitê técnico de seguros do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) e líder técnico atuarial na 180 Seguros, Gustavo Genovez frisa que a IA também começa a ser utilizada em vertentes relacionadas aos cálculos de passivos atuariais, bem como na mensuração de componentes necessários para elaboração de demonstrações financeiras em normas internacionais de relatórios financeiros, as chamadas “IFRS 17” (international financial reporting standards). “No que se refere às provisões técnicas estimadas, tomemos como exemplo a provisão de IBNyR [incurred but not yet reported] ou provisão para sinistros ocorridos mas não avisados: Tomando por base a metodologia de cálculo Chain Ladder, sem prejuízo de utilização de demais metodologias, os modelos de IA entregam bastante acuidade nas estimativas e aplicação dos fatores de desenvolvimento de sinistros e, por consequência, no saldo final estimado da provisão. 

Além disso, complementa o atuário, os modelos de IA otimizam o tempo despendido para execução destes processos, permitindo que atuários dediquem mais tempo para análises de causalidade dos resultados observados. “Por consequência, a identificação das referidas causas pode ensejar melhorias operacionais em produtos, estratégias de comercialização e experiência do cliente e/ou estratégias de transferência de riscos, resultando impactos positivos em rentabilidade, solvência e liquidez”, garante Genovez.

Processo análogo pode ser aplicável, afirma ele, à provisão para sinistros ocorridos, mas não suficientemente estimados, a chamada IBNeR (incurred but not enough reported ); à provisão para sinistros ocorridos, mas não pagos, tecnicamente conhecida como IBNP (incurred but not paid); à provisão de prêmios não ganhos para riscos vigentes não emitidos, a PPNG-RVNE, e às estimativas realistas de fluxos de caixa comumente utilizadas para cálculo do teste de adequação do passivo (TAP), mensurações em IFRS17 e respectivas estimativas de ajuste ao risco não financeiro. “Estes componentes atuariais também podem ser estimados através de processos estocásticos e, por consequência, os respectivos testes estatísticos para identificação de distribuição de probabilidades e processos de apuração dos respectivos parâmetros são significativamente otimizados e facilitados através da utilização de algoritmos de IA”, observa Genovez.

Segundo o especialista, a mensuração dos passivos judiciais, notadamente da provisão de sinistros a liquidar (PSL) judicial, também é beneficiada pela utilização de algoritmos de IA, tanto em termos de eficiência no tempo despendido para análise documental e processual, quanto na precisão da classificação em termos de possibilidade de perda (remota, possível e provável) dos processos. “Os modelos preditivos, determinísticos ou estocásticos utilizados para determinação dos percentuais de perda aplicáveis a cada uma das respectivas probabilidades, também são beneficiados pela utilização de algoritmos de IA, tanto em termos de acuracidade, quanto em termos de eficiência em tempo de execução dos referidos modelos”, assinala Genovez, acrescentando que, em outra vertente extremamente relevante, os algoritmos de IA também contribuem para otimização dos processos de coleta, armazenamento, tratamento e processamento das bases de dados necessárias para cálculo dos passivos atuariais, permitindo que atuários e equipes de TI e de engenharia de dados dediquem tempo para as melhorias acima descritas.

Ontem e hoje

A inteligência artificial não apenas torna o combate à fraude mais eficaz, mas também contribui de forma direta para a sustentabilidade técnica das carteiras, ao reduzir os sinistros evitáveis. O resultado é uma operação mais eficiente, com produtos mais acessíveis e preços mais justos para os bons riscos. Vejamos como funciona essa transição sob a explicação de Aldo Pires, CEO da .add.

ASPECTOSUBSCRIÇÃO TRADICIONALSUBSCRIÇÃO ALGORÍTMICA
Base de decisãoExperiência do subscritor + estatísticas históricas.Modelos preditivos baseados em big data e IA.
Fontes de dadosFormulários manuais, entrevistas, análise documental.Dados estruturados e não estruturados (IoT, mídias sociais, comportamento).
Tempo de análiseDias ou semanasEm tempo real ou poucos minutos.
PadronizaçãoAlta variação entre subscritores (decisão subjetiva).Decisões consistentes baseadas em algoritmos treinados.
EscalabilidadeLimitada à capacidade da equipe humana.Altamente escalável.
Custo operacionalAlto, com forte dependência de capital humano.Reduzido, com automação de processos repetitivos.
Precisão do riscoMédia geral aplicada a grupos amplos.Análise granular e personalizada de risco individual.
Atualização de modelosLenta, baseada em ciclos longos.Contínua, com aprendizado automático (machine learning).

*Matéria originalmente publicada na Revista Apólice #309

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