Ultima atualização 15 de julho

Inovação exige regulação multissetorial

EXCLUSIVO – Ainda este ano, conforme o plano de regulação da Susep, estão previstas modificações regulatórias tanto no âmbito do sandbox regulatório como no do open insurance. Nesse momento, a Susep irá discutir e avaliar, em conjunto com o mercado supervisionado e a sociedade civil, as eventuais oportunidades de melhoria em ambos os ecossistemas e na relação deles com o uso da IA e hiperpersonalização. A informação é da diretora de infraestrutura de mercado e supervisão de conduta da Superintendência de Seguros Priovados (Susep), Julia Normande Lins, em entrevista exclusiva à Apólice.

Revista Apólice — Como se encontra a regulamentação que cerca essa hiperpersonalização e o que a Susep idealiza mais adiante no sentido regulatório?

A regulamentação brasileira já contempla a hiperpersonalização no setor de seguros, e a Susep e o CNSP [Conselho Nacional de Seguros Privados] vêm desbravando esse caminho com iniciativas que equilibram inovação e proteção ao consumidor. O open insurance permite o compartilhamento de dados de consumidores mediante consentimento, visando, dentre outros, personalizar ofertas. As normas que regulam o open insurance [Circular Susep 639/2021 e Resolução CNSP 415/2021] criaram bases técnicas e de governança — API’s padronizadas, consentimento e segurança — que fomentam a hiperpersonalização. Com o open insurance são reforçados os requisitos de certificação digital e infraestrutura de segurança da informação. Isso permite usar IA e analytics para coberturas específicas sem comprometer a privacidade. O sandbox regulatório, por sua vez, que foi implementado em 2020, enquanto ambiente em que insurtechs desenvolvem produtos inovadores, como seguros que têm como parâmetro o comportamento do segurado, com menos barreiras, sob supervisão regulatória, é um espaço que permite o uso via IA e outras ramificações da hiperpersonalização. Nesse ambiente, inovações são permitidas e sempre devem acompanhar o cumprimento das normas da Susep relacionadas não somente ao Sandbox, mas também à conduta do mercado supervisionado perante o consumidor. Ainda no ano de 2025, de acordo com o plano de regulação da Susep, estão previstas modificações regulatórias tanto no âmbito do sandbox regulatório, como no do open insurance. Nesse momento, a Susep irá discutir e avaliar, em conjunto com o mercado supervisionado e a sociedade civil, as eventuais oportunidades de melhoria em ambos os ecossistemas e na relação deles com o uso da IA e hiperpersonalização. Lembrando que os instrumentos normativos que atualmente regulam a adequação dos produtos aos diferentes perfis de consumo garantem que a personalização baseada em dados e Inteligência Artificial não se transforme em barreira ao acesso, mas sim em ferramenta de inclusão, desde que respeitados os princípios de consentimento, segurança, transparência e equidade. As pessoas buscam, cada vez mais, produtos de seguro que reflitam seu estilo de vida, suas preferências e até sua personalidade — uma demanda que acompanha uma tendência mais ampla de hiperpersonalização presente em diversos setores, como varejo, saúde, mobilidade e entretenimento. No contexto dos seguros, isso se traduz na valorização de coberturas sob medida, precificação baseada em comportamento real, modelos sob demanda e jornadas digitais adaptadas ao perfil do consumidor. Trata-se de uma mudança de paradigma: o cliente deixa de se encaixar em pacotes padronizados para tornar-se protagonista na definição de sua proteção, exigindo soluções flexíveis, relevantes e alinhadas ao seu cotidiano. Essa tendência reforça a necessidade de o setor acompanhar a evolução das expectativas do consumidor, adotando tecnologias como inteligência artificial, análise de dados e plataformas abertas, como o open insurance, para criar experiências mais humanas, responsivas e personalizadas.

Revista Apólice — Recentemente, a senhora declarou que a “tarefa para 2025 é muito árdua” para regulamentação das novas normas (inclusive adequando o uso da IA) que visam à modernização do setor. O queserá mais complexo para regulação do setor até o fim do ano? O que dificulta a autarquia nesse sentido?

Regular ecossistemas inovativos e tecnológicos, como o de seguros sob a lógica do open insurance e do sandbox regulatório, representa um dos maiores desafios contemporâneos para órgãos como a Susep. Esses ambientes se caracterizam pela constante mutação, pela experimentação e pela imprevisibilidade — o que exige um modelo regulatório dinâmico, responsivo e orientado por princípios, mais do que por regras fechadas e prescritivas. Um dos principais desafios é lidar com a assimetria temporal entre a inovação e a norma: enquanto os ciclos de desenvolvimento tecnológico são ágeis, interativos e globais, o processo regulatório tende a ser mais lento, criterioso e limitado por marcos legais. Isso exige da Susep a adoção de uma postura mais adaptativa, em que a regulação por experimentação, como no sandbox, permite observar a prática antes de impor normativas definitivas. Além disso, há o desafio da gestão de riscos emergentes: novas tecnologias, como Inteligência Artificial, blockchain e precificação dinâmica, trazem riscos ainda não plenamente compreendidos, como vieses algorítmicos, opacidade decisória ou exclusões disfarçadas. Reguladores precisam equilibrar a promoção da inovação com a proteção ao consumidor e a estabilidade do mercado, adotando uma abordagem que acompanha o ciclo de vida da inovação, ajustando as exigências conforme a maturidade da solução testada. Outro ponto de atenção é o diálogo com múltiplos atores: ecossistemas inovadores envolvem startups, big techs, seguradoras tradicionais, consumidores com perfis diversos e novos intermediários digitais. Isso exige uma regulação multissetorial, participativa e transversal, com escuta ativa e constante revisão dos parâmetros regulatórios. Em resumo, regular ambientes inovadores exige abraçar a ideia de uma regulação viva, baseada em dados, aprendizado contínuo e flexibilidade. A Susep, ao criar o open insurance, ao fomentar o mercado com o sandbox e abrir espaços de discussão como o Grupo de Trabalho da Política Nacional de Acesso ao Seguro, está justamente construindo essa nova arquitetura regulatória, em que a norma não engessa, mas orienta o futuro do mercado.

Revista Apólice — Falamos muito dessa “modernização do setor”, mas ainda vivenciamos no país uma desigualdade econômica que impacta diretamente no fomento e disseminação do seguro, onde a existência de produtos verdadeiramente inclusivos ainda é embrionária. Como aproximar a realidade do open insurance ao que vem sendo discutido pelo Grupo de Trabalho da Política Nacional de Acesso ao Seguro? Como a premissa “inovação” pode ajudar a aproximar a maior parte da população ao seguro?

A aproximação entre o open insurance e os debates conduzidos pelo Grupo de Trabalho da Política Nacional de Acesso ao Seguro passa pela valorização da inovação como ferramenta de inclusão. O open insurance cria uma infraestrutura aberta e interoperável que, aliada à regulação da Susep e aos princípios discutidos no GT, viabiliza novos modelos de oferta, distribuição e precificação de seguros mais acessíveis à população. O compartilhamento de dados (com consentimento), a padronização de APIs e a atuação de novos agentes — como insurtechs e sociedades iniciadoras — permitem a personalização de coberturas de forma transparente e simples, com produtos que se ajustam à realidade financeira e comportamental do cidadão. Ao mesmo tempo, as inovações viabilizadas pelo open insurance e pelo sandbox regulatório permitem que o seguro chegue aonde antes não chegava: por canais digitais de uso cotidiano [WhatsApp, aplicativos de transporte e fintechs], em formatos flexíveis (microsseguros, seguros por demanda, coberturas modulares), com linguagem acessível e contratação ágil. Isso converge diretamente com os objetivos do Grupo de Trabalho, que busca universalizar o acesso ao seguro como instrumento de cidadania, proteção social e estabilidade financeira. A digitalização das populações, inclusive das camadas de baixa renda, é um fator crucial que potencializa o impacto do open insurance e das políticas de inclusão debatidas pelo Grupo de Trabalho. Além disso, o avanço do acesso à internet móvel, a popularização dos smartphones e o uso massivo de aplicativos para finanças, comunicação e consumo têm transformado o perfil digital do brasileiro. Mesmo em comunidades periféricas e em áreas antes desassistidas, há uma crescente familiaridade com meios digitais, o que abre espaço para modelos de seguros digitais, acessíveis e centrados na experiência do usuário. Com o open insurance, seguradoras menores e insurtechs — muitas oriundas do sandbox regulatório da Susep — podem competir em pé de igualdade com grandes grupos ao acessarem dados relevantes de clientes que antes estavam restritos aos incumbentes. Isso estimula a inovação em produto, experiência e precificação, pois os novos entrantes têm mais agilidade para desenvolver soluções personalizadas, de baixo custo e distribuídas digitalmente. Além disso, o open insurance cria um mercado de serviços agregados, como análise de dados, iniciação de seguros, plataformas de comparação, o que permite que empresas se especializem em nichos antes inviáveis economicamente. Para o consumidor, isso se traduz em mais poder de escolha, transparência e produtos realmente úteis, reforçando o seguro como uma ferramenta de proteção, liberdade e mobilidade social. Portanto, a inovação deixa de ser apenas um vetor de eficiência para o setor e passa a ser um meio estruturante para reduzir desigualdades, fortalecer a confiança da população e tornar o seguro uma ferramenta presente no cotidiano de todos os brasileiros, em especial dos mais vulneráveis. 

*Matéria originalmente publicada na Revista Apólice #309

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