O setor de seguros aeronáuticos enfrenta um desafio silencioso, mas recorrente: a assimetria de informações entre operadores, pilotos e seguradoras. Durante o I Seminário Mapfre de Segurança nas Operações Aéreas, especialistas do setor destacaram a importância da comunicação clara, da capacitação contínua e da construção de confiança como pilares para a mitigação de riscos e o fortalecimento do mercado. O evento reuniu especialistas, executivos de grandes players e representantes de entidades do setor para discutir os principais desafios da segurança na aviação brasileira, com foco no papel do mercado segurador.
“Nosso objetivo é promover a segurança de todos nós, dentro da operação aérea”, disse Carlos Eduardo Polizio, superintendente de seguro aeronáutico da Mapfre. Ele ressaltou que o fator humano é o que mais pesa no momento dos sinistros. “Precisamos investir nele, nos treinamentos, em palestras, para alertar pilotos, operadores, e tomadores de decisão, de que a atualização constante é fundamental. No dia a dia do seguro aeronáutico, as aeronaves são modernas, tecnologicamente bastante seguras, mas os pilotos precisam estar bem treinados e com experiência”, pontuou o executivo.
“Nosso objetivo é provocar uma discussão qualificada, que vá além das estatísticas. Acreditamos que o setor de seguros tem um papel estratégico na construção de uma cultura de segurança, atuando desde a precificação baseada em risco até a exigência de padrões operacionais mais elevados. Não se trata apenas de proteger ativos, mas de gerar valor para toda a cadeia da aviação”, acrescentou Polizio.
Um dos debates do evento foi sobre a visão preliminar e contínua na Prevenção de Perdas na aviação.
Gabriella Bonilha, superintendente técnica de seguros da Vokan, foi enfática ao comentar as dificuldades enfrentadas no momento da cotação de apólices. Segundo ela, muitos pilotos e operadores ainda veem o extenso questionário exigido pelas seguradoras como uma burocracia excessiva. “Só para o piloto, pedimos cerca de 10 informações específicas, como horas totais, horas em comando, tipo de propulsão e treinamentos realizados”, explicou. E completou: “Em 85% dos casos, os dados vêm preenchidos de forma incorreta, o que exige retrabalho e aumenta o risco de negativa em um eventual sinistro”.
A Vokan tem buscado soluções práticas para esse entrave. Uma delas é a parceria com centros de treinamento, como Delta 5 e NCC, para fomentar a capacitação técnica dos pilotos. A intenção é simples: promover a familiarização com o modelo específico de aeronave para garantir que a cobertura esteja alinhada com a realidade operacional. “O seguro deve acompanhar a regularidade do piloto e da aeronave. Não é uma questão de confiança, é uma questão de segurança”, reforçou Gabriella.
Outro ponto crucial abordado no evento foi o papel dos corretores. Alexandre Marroquim, gestor da Alper e também piloto, trouxe à tona o dilema vivido por operadores ao migrarem de uma aeronave de menor para maior performance. “Muitos querem manter o mesmo piloto que já atua há anos na empresa, mesmo que ele ainda não tenha experiência suficiente na nova aeronave. A sugestão que temos feito é o acompanhamento com pilotos freelancers certificados até que a capacitação se complete”, afirmou.
Essa transição gradual, comparável aos procedimentos adotados em companhias aéreas comerciais, é vista como uma alternativa viável para evitar riscos desnecessários. A falta de treinamento específico em modelos de maior complexidade tem sido apontada como fator em diversos incidentes recentes.
Daniel Fraga, sócio-presidente da Dancor, compartilhou experiências de campo que revelam o desafio cultural na aceitação de medidas preventivas. “Muitos empresários priorizam a economia imediata, negligenciando o custo da segurança. Já ouvi cliente justificar a manutenção de um piloto por 20 anos por ele ‘fazer o melhor churrasco’. Mas não é ele quem estará na churrasqueira se algo acontecer com a aeronave”, ironizou, provocando reflexões entre os presentes.
Fraga também alertou sobre a importância da documentação correta e atualizada do piloto junto à ANAC, citando casos de sinistros nos quais a ausência desses dados dificultou a regulação e até mesmo gerou litígios. “É um documento a mais? Sim. Mas no momento do sinistro, é ele que comprova a regularidade e pode destravar a indenização”, reforçou.
Felipe Aragão, COO da Latin Re, destacou o papel da confiança e da continuidade nas relações seguradoras-segurados. “O cliente precisa entender que o seguro não é um custo, mas uma estratégia de longo prazo. Trocar de corretor ou seguradora a cada renovação pode comprometer esse relacionamento e, em um sinistro grave, a diferença entre ter ou não continuidade pode ser de milhões de dólares”, afirmou. Aragão citou ainda que a severidade dos sinistros aumentou, mesmo com a estabilidade da sinistralidade por número de horas voadas. “Hoje, um pequeno dano pode significar a troca de metade da fuselagem.”
A conclusão comum entre os painelistas é clara: o mercado de seguros aeronáuticos precisa investir em educação, comunicação técnica e formação de cultura de segurança. “A cobertura não é só uma assinatura. É uma rede de confiança que precisa ser construída com responsabilidade e transparência”, resumiu Bonilha.
A presença ativa das seguradoras em eventos de segurança de voo, como a promovida pela MAPFRE, mostra um setor que busca evoluir, mesmo diante de desafios complexos. A jornada é longa, mas, como disse um dos presentes, “é melhor perder um cliente mal informado hoje do que perder a credibilidade de toda uma carteira amanhã”.
Lançamento do Mapfre Air
Para fechar o evento, a MAPFRE apresentou duas novas soluções voltadas à aviação executiva e ao trabalho dos corretores. A principal novidade foi o lançamento oficial do MAPFRE Air, uma plataforma digital desenvolvida para modernizar e simplificar a jornada de contratação de seguros aeronáuticos na aviação geral.
Pensada para ser uma solução ponta a ponta, o MAPFRE Air reúne, em um único ambiente, todas as etapas do processo de seguro: desde a tramitação das informações do negócio até a cotação, elaboração de propostas, geração de certificados e emissão online das apólices. A plataforma foi desenhada para oferecer mais agilidade, segurança e praticidade ao corretor de seguros, com ganho direto de produtividade e redução de erros operacionais.
O primeiro produto disponível na plataforma será o que contempla cobertura para aeronaves de pequeno e médio porte, incluindo helicópteros, turboélices, jatos executivos e operações de táxi aéreo. Com foco nesse segmento, a seguradora pretende atender um mercado que cresce em volume e complexidade, exigindo processos mais ágeis e soluções cada vez mais alinhadas ao perfil dos novos operadores.
Kelly Lubiato