Um dos temas mais interessantes quando se discute o futuro do mercado de seguros é o impacto que a adoção de veículos autônomos trará para as seguradoras e os motoristas. Por exemplo, de quem é a responsabilidade por um acidente de carro quando se trata de um veículo conduzido 100% por um computador e sem qualquer interferência humana? Existe muita indefinição de como se dará a contratação de um seguro de carro neste cenário, o que é bastante compreensível por se tratar de uma realidade completamente diferente do que temos hoje. Porém, a única certeza que temos neste momento é que ainda é muito cedo para afirmarmos categoricamente quais tendências prevalecerão.
Grande parte dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento das montadoras atualmente está voltada para inteligência artificial e tecnologias que possam tornar veículos autônomos confiáveis, eficientes e viáveis economicamente. Tesla, Volvo, BMW, Mercedes-Benz e Audi, além de empresas de tecnologia como Google e Uber, saíram na frente é já colocaram em testes modelos de automóveis que dispensam a necessidade de um motorista.
Com isso, as seguradoras precisarão rever alguns aspectos dos seus produtos e modelo de negócios. Por exemplo, uma das possibilidades discutidas é que a contratação do Seguro Auto deixe de fazer sentido para o motorista e seja feita entre a seguradora e a montadora do veículo. Esta mudança seria necessária caso se entenda que a responsabilidade pela condução do carro autônomo não seja mais do motorista, mas sim do sistema que opera o veículo autônomo – e, consequentemente, da montadora que desenvolveu a inteligência do automóvel ou da empresa responsável por este software.
Outro aspecto interessante é a percepção que se tem de que carros autônomos gerariam menor frequência de acidentes. Realmente, isso deve acontecer no futuro mais distante, pois no curto prazo, veículos autônomos e semiautônomos dividirão espaço das ruas e estradas com veículos conduzidos por seres humanos como temos hoje. Além de trazer enorme complexidade, isto provavelmente aumentará as colisões dada a imprevisibilidade do comportamento humano.
Para começar, os veículos autônomos mais avançados disponíveis estão longe de serem capazes de circular sem qualquer intervenção do motorista. Tarefas básicas como identificar um pedestre na rua ou o que fazer quando o semáforo fica amarelo, que estão no dia a dia de qualquer motorista, ainda são desafios complexos para estes veículos, assim como situações que exigem tomada de decisão moral. Por exemplo, se um casal de idosos estiver atravessando a rua num local inadequado e, para evitar o atropelamento, inevitavelmente o veículo teria que optar por desviar, mas neste desvio atropelaria uma mãe com um carrinho de bebê, o que fazer?
E há diversos outros aspectos que até agora não foram solucionados, como o fato de que estes carros ainda têm preços muito elevados, próximos a veículos de luxo inacessíveis para a adoção em massa. Também não há qualquer discussão sobre legislação para esta nova forma de mobilidade urbana, além da necessidade das cidades estarem completamente preparadas com radares e sinalizadores inteligentes que deem suporte à comunicação entre os carros e as vias públicas. O cenário fica ainda mais desafiador se considerarmos que a frota de veículos em circulação tem levado cada vez mais tempo para se renovar, com os motoristas mantendo seus carros por um período maior antes de trocá-los por novos.
Por outro lado, os especialistas em mobilidade urbana acreditam que apesar das dificuldades, a tecnologia tem tudo para tornar-se viável a ponto de transformar completamente a forma como utilizamos o carro como meio de transporte. Consequentemente, a indústria de seguros certamente precisará se adaptar às mudanças com novos modelos de negócios e abordagens no cálculo de risco, entre outras inovações, para dar conta de todas as transformações que a adoção em massa destes veículos trará.
Porém, este tema tem pouco impacto relevante neste momento. Estima-se que a próxima geração de veículos autônomos, chamada de Nível 3 (numa escala que vai de 1 a 5), que ainda necessita de intervenção humana, chegará ao mercado norte-americano somente a partir de 2035. O carro 100% autônomo, de Nível 5, por enquanto é só um protótipo conceitual sem qualquer viabilidade no curto e médio prazo, e que ainda levará um bom tempo para se tornar realidade e motivo de preocupação para a indústria de seguros.
* Por Marcelo Blay, VP de seguros da Creditas e CEO da Minuto Seguros
** Artigo publicado originalmente no Estadão