O impacto causado de forma abrupta pela crise do novo coronavírus fez com que diversos setores da economia fossem diretamente afetados. E não foi diferente nas instituições financeiras. Desde que a covid-19 chegou com mais intensidade ao Brasil, bancos públicos e privados tiveram de ajustar seus modelos de risco para antecipar possíveis impactos em seus balanços e nas suas carteiras de crédito. Com o choque de oferta e de demanda causado pelo surto do vírus, os bancos tiveram de revisar suas provisões, antecipando os riscos que poderiam ser ocasionados pelo aumento inesperado da inadimplência de seus consumidores.
Findo o primeiro semestre do ano, pudemos observar com mais atenção como as instituições financeiras, tanto no Brasil como no exterior, adaptaram suas realidades para conter os riscos da crise atual, especialmente de inadimplência das carteiras de crédito. Em termos gerais, notamos que, no cenário doméstico, os principais bancos elevaram fortemente as provisões contra devedores duvidosos, com reflexo em seus lucros, tanto no primeiro como no segundo trimestre. Ainda assim, foi possível notar solidez em seus indicadores e métricas de qualidade dos ativos, a mostrar que as instituições estão preparadas para lidar com as adversidades impostas pelo momento atual.
O setor financeiro sempre esteve à frente quando o assunto é risco. Até por serem exigidas pelos órgãos regulatórios, as instituições constantemente investem em tecnologias e ferramentas que ajudem a compreender cenários futuros de instabilidade. Plataformas que promovem teste de estresse e ajudam a elaborar modelos preditivos são amplamente utilizadas para que certas decisões sejam tomadas com maior segurança e clareza sobre situações delicadas. Esses modelos estão sendo constantemente atualizados para permitir desenhar cenários e realizar simulações a cada momento. Tudo isso para mitigar riscos, tanto para as instituições quanto para o sistema financeiro como um todo.
Tecnologias como modelagem preditiva, analytics, inteligência artificial, machine learning e mineração de dados são especialmente importantes para que os bancos possam elaborar seus cenários de gestão do ciclo de vida dos modelos de crédito. Momentos de choque na economia, com impactos na confiança e no endividamento dos consumidores, são um indício ruim para instituições financeiras, especialmente os grandes bancos de varejo. A aplicação de tecnologia analítica pode ajudar a prever situações derivadas de mudanças atípicas nos mercados. Modelos matemáticos que ajudam a compor a gestão de riscos por cenários se tornam imprescindíveis.
Exemplo de aplicação desses modelos de gestão de risco são os testes de estresse. O processo do teste deve considerar, sistematicamente, os pontos de vista únicos dos principais gestores e executivos sobre o ambiente de negócios previsto, as perspectivas econômicas gerais e a estratégia competitiva do banco, as atividades de levantamento de capital e o apetite a risco. Aspectos como esse foram amplamente considerados pelo setor financeiro para endereçar os impactos da crise do coronavírus.
No fim de abril, o Banco Central realizou um teste de estresse específico para avaliar a capacidade de os bancos brasileiros enfrentarem a crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus. A autoridade monetária promoveu um dos mais severos estudos realizados até hoje, indicando a necessidade de as instituições financeiras aumentarem de forma expressiva suas provisões. O aumento dessa reserva financeira para evitar o risco sistêmico decorrente da esperada inadimplência nas carteiras de crédito foi, de fato, adotado pelos bancos brasileiros.
A crise atual mostrou que o desenvolvimento de modelos precisos e transparentes aptos a serem replicados nas plataformas de simulação de portfólios e testes de estresse foi extremamente importante para que as instituições financeiras pudessem incorporar os cenários na gestão de risco de suas carteiras. Testes de estresse modernos e automatizados podem oferecer muitos benefícios tangíveis para as organizações. Ao executar análises e definir ações mitigadoras nos piores cenários – mesmo os menos prováveis –, os riscos se tornam transparentes por todo o negócio. Essa transparência obriga a pensar sobre o risco de forma mais dinâmica, e a interatividade permite gerenciá-lo com mais proatividade.
Conforme apontado pela própria autoridade monetária brasileira em seu teste de estresse, considerando eventual queda na avaliação da qualidade do risco de crédito ou mesmo de incumprimento das empresas dos segmentos econômicos mais afetados, incluindo o contágio provocado na economia real e no setor financeiro, indica-se necessidade de aumento expressivo de provisões. Diante desse cenário, tanto o Banco Central, suavizando exigências regulatórias, como as instituições financeiras, adaptaram-se ao cenário conjuntural mitigando riscos. Isso passou pela tecnologia preditiva.
A crise está longe de passar mesmo após o fim da pandemia. O setor deve seguir enfrentando desafios significativos em seus balanços, em meio à profunda recessão da economia. Para garantir a continuidade da robustez nas métricas operacionais e financeiras dos bancos, promover uma contínua gestão de risco com o uso de modelos analíticos preditivos e construção de cenários, a tecnologia seguirá tendo papel fundamental, tanto agora como no pós-crise.
* Por Renato Fiorini, gerente de Soluções de Risco do SAS para América Latina