Ultima atualização 26 de novembro

Pontos elementares sobre o Protection & Indemnity

Coberturas são restritas apenas à proteção de riscos básicos, ou a riscos limitados/insuficientes como, por exemplo, danos restritos ao total de ¾ do casco da embarcação e maquinário

Imagine-se como um proprietário ou armador de embarcações marítimas transportando inúmeras cargas de diferentes tipos e naturezas pelo mundo afora. Diante dos mais variados riscos inerentes a essa específica atividade empresarial, que normalmente envolve valores vultosos, torna-se aconselhável, por prudência, contratar apólices de seguros.

Contudo, ao verificar que as coberturas securitárias oferecidas pelo mercado segurador são restritas apenas à proteção de riscos básicos, ou a riscos limitados/insuficientes como, por exemplo, danos restritos ao total de ¾ do casco da embarcação e maquinário (Hull andMachinery) que apresenta natureza de um seguro de danos voltado apenas à embarcação propriamente dita, constata-se que o seguro, por si só,apresenta-se insuficiente para acobertar eficazmente o regular desempenho do transporte marítimo a ser realizado. O que fazer?

Em linhas gerais, foi essa a pergunta feita nos coffeshops ingleses que concentravam o maior número de profissionais atuantes no segmento marítimo de seguros após o grande incêndio que devastou a cidade de Londres em 1666.

A resposta para essa pergunta baseou-se na seguinte premissa: os riscos não seguráveis, incluindo, mas não se limitando, à perda de vidas e danos pessoais à tripulação, passageiros e terceiros à bordo (contemplando doença, morte, resgate, desvio da rota original para salvamento de vidas, substituição de tripulantes, etc.), perdas e danos às cargas transportadas e suas consequências como poluição, contaminação, remoção de destroços, entre outros são grandes demais para serem suportados individualmente por cada proprietário ou armador de embarcação, assim, é preciso que, de alguma forma, ocorra uma dispersão, compartilhamento, pulverização desses riscos entre um grupo maior de indivíduos para que possam vir a ser economicamente suportáveis.

Nessa linha de raciocínio, e parafraseando a famosa frase da obra “Os três Mosqueteiros”, escrita pelo romancista francês Alexandre Dumas, em 1844, “um por todos e todos por um”, onde é possível verificar-se a convergência de interesses entre indivíduos para a consecução de um objetivo em comum, foram criadas associações de “seguros” independentes, formadas pelos próprios proprietários e armadores de embarcações marítimas.

Essas associações, pautadas no princípio securitário basilar do mutualismo e , ao longo do tempo foram reunindo-se de maneira cada vez mais profissional transformando-se em “clubes” que forneciam cobertura de proteção e indenização (Protection AndIndemnity – “P&I”) ao seus membros associados, complementando, assim, os riscos não cobertos pela apólices de seguros tradicionais. É importante deixar registrado que os clubes de P&I não substituem o seguro, mas preenchem fendas até então existentes no mercado segurador suplementando-o.

Segundo narrativa histórica de um dos principais clubes de P&I ora existentes, primeiro surgiu a cobertura de proteção à embarcação (casco e maquinário) e, posteriormente, foi incluída a cobertura referente à responsabilidade civil da carga transportada (indenização), a fusão dessas coberturas em um único produto deu origem a denominação Proteção e Indenização ou Protection and Indemnity – P&I.

Nesse contexto, é possível compreender a natureza jurídica dos Clubes de P&I como associações mútuas e independentes que objetivam conferir proteção de responsabilidade civil atinente ao uso e operação de embarcações marítimas por parte dos seus membros, no que atine aos riscos não abrangidos pelas apólices securitárias tradicionais.

Os principais pontos de diferenciação entre Clubes de P&I e as Seguradoras podem ser sintetizados na forma do quadro ilustrativo abaixo:

CLUBES DE P&I SEGURADORAS
Associações

(sem fins lucrativos)

Empresas – no Brasil constituídas, obrigatoriamente, sob a veste de Sociedades Anônimas “S/A”

(com fins lucrativos)

Possui Membros

(Proprietários e/ou Armadores de embarcações marítimas que são, ao mesmo tempo, “segurados” e “seguradores”)

Possui Clientes Segurados

(Não precisam ser necessariamente proprietários e/ou armadores de embarcações marítimas, bastando que possuam legítimo interesse para a contratação do seguro)

Instituem contribuições “calls”de seus membros Cobram prêmios dos clientes segurados
Não há limite para o pagamento de “calls” O pagamento feito pelo cliente segurado limita-se ao valor do prêmio cobrado com base na declaração de risco originalmente apresentada
Repartem prejuízos Pagam Indenizações Securitárias
 Regras contratuais constam dos“Rule Books” dos Clubes Regras contratuais constam da Apólice de Seguros
Coberturas complementares ao seguro Cobertura securitária principal

Embora independentes, cada um dos 13 principais clubes de P&I atualmente existentes optaram por reunir-se, formando um Grupo Internacional de P&I denominado International Group of P&I (IG) onde subscreveram um acordo internacional que especifica a maneira como seus clubes membros atuarão e competirão entre si, estipulando regras, penalidades, descontos e benefícios diversos aos seus integrantes.

Talvez uma das principais vantagens na subscrição de um clube ao IG possa ser traduzida na possibilidade de acesso tanto a um pooling de repartição de riscos inter-clubes, quanto a um painel de resseguradores, ambos mais robustos, fato que potencializa a capacidade técnica dos clubes individualmente.

Segundo o IG, os clubes de P&I a ele pertencentes provêm cobertura para, aproximadamente, 90% da tonelagem marítima mundial .

Por sua vez, uma das principais exigências de um membro subscritor do IG é a observância ao princípio “pague para ser pago” (pay to be paid), ou seja, na ocorrência de um sinistro coberto é preciso que, primeiro, ocorra a quitação das obrigações do clube perante terceiros para, somente então, reivindicar-se o pleito de reembolso junto aos demais membros (pooling) e/ou aos resseguradores. Cabe acrescentar que esse mesmo princípio pode ser utilizado para que os pagamentos dos calls “contribuições” sejam efetivamente honrados por cada clube.

Normalmente, os clubes de P&I, sejam eles pertencentes ao IG ou não, ofertam coberturas contra os seguintes riscos, todos decorrentes de responsabilidade civil decorrentes de atos acidentais ocorridos durante a utilização da embarcação, ou seja, sem dolo ou culpa grave equiparável:

(i) Indenizações por doença, morte ou danos a tripulantes, passageiros e terceiros a bordo;
(ii) Gastos com resgates de vidas, substituição de tripulantes, desvio de rotas para salvamentos, quarentenas;
(iii) Perdas de propriedade a bordo da embarcação (danos, sumiço ou recebimento de quantidades inferiores);
(iv) Poluição;
(v) Remoção de destroços;
(vi) Colisão que cause avarias ou perda de cargas;
(vii) Colisão que cause avaria,de até ¼, do casco da embarcação (Nota: os ¾ restantes normalmente são cobertos pelas apólices de seguros tradicionais comercializadas no mercado);
(viii) Colisão ou choque com objetos fixos ou flutuantes (Ex vi:Cais, Docas, Portos, Equipamentos ou Instalações Portuárias);
(ix) Rebocagem;
(x) Custos de honorários advocatícios.

Além das coberturas acima, existem clubes que conferem cobertura adicional de frete, demurrage (sobre-estadia) e defesa “freight, demurrage and defense -FD&D”, acobertando também o pagamento de custos e assistência jurídica em disputas relacionadas a essas situações.

Os clubes também oferecem uma ampla gama de serviços aos seus membros tais como experts para a regulação de sinistros, obtenção de declarações e certidões marítimas e portuárias locais, assistência local, acesso a estudos, treinamentos e relatórios de prevenção de sinistros entre outros.

Geralmente são excluídos de cobertura os riscos de guerra, as perdas financeiras do armador segurado, os riscos já segurados por empresas de seguros e aqueles advindos de comércio ilegal ou altamente perigoso como o nuclear.

Disposições normativas brasileiras referente ao P&I podem ser encontradas, por exemplo, nas Normas da Autoridade Marítima (NORMAM) que versam sobre embarcações empregadas na navegação em mar aberto, notadamente, na parte de vistorias e perícias NORMAM nº01 , assim como na NORMAM nº 04 que dispõe sobre operação de embarcações ou plataformas estrangeiras em águas jurisdicionais brasileiras (excetuadas as empregadas em esporte e/ou recreio), visando à segurança da navegação, à salvaguarda da vida humana e à prevenção da poluição no meio aquaviário.

Na NORMAM nº04, além das exigências feitas para as vistorias e perícias, também se apresenta necessária a comprovação de cobertura de P&I nos casos de solicitação de autorização para operar em Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB) e para obter-se o Atestado de Inscrição Temporária de embarcação estrangeira (AIT) no Brasil.

Diante das exigências normativas acima, verifica-se a importância da contratação de coberturas de P&I para essas embarcações, contudo, como contratá-las se, até hoje, não existem clubes de P&I no Brasil?

A resposta a essa questão perpassa pela excepcional permissão de contratação junto a entidades domiciliadas no exterior, na forma dos artigos 6º da Resolução CNSP Nº 197/2008 e artigo 20 da Lei Complementar nº 126/2007 que autorizam a contratação de cobertura de riscos para os quais não exista oferta de seguros no Brasil, desde que sua contratação não represente infração à legislação vigente.

Cumpre asseverar que a contratação de P&I não substitui a necessidade de contratação dos seguros obrigatórios quando aplicáveis,logo, não dispensa o seguro obrigatório de transporte do dono da carga (embarcador pessoa jurídica), tampouco o seguro obrigatório de responsabilidade civil do próprio transportador (Decreto nº 61.867/1967) exigidos no Brasil.

Para melhor visualização, tomemos um caso ilustrativo básico: um armador X, ao iniciar o transporte de cargas de terceiros de um porto originário da China para o Brasil acaba por colidir, acidentalmente,em outra embarcação que se encontrava regularmente atracada no porto chinês. Com a colisão,uma valiosa carga a ser enviada ao Brasil cai ao mar, tornando-a irrecuperável. Além disso a colisão danifica sua própria embarcação e aquela com a qual colidira. Nesse sinistro hipotético, o dono da carga e o proprietário da embarcação atingida,ou suas respectivas seguradoras em sub-rogação, poderão reclamar indenizações substanciais junto ao armador X que deu causa ao sinistro.

Conquanto X tenha contratado seguro marítimo e P&I, poderá acobertar-se dos pleitos indenizatórios acima descritos que contra ele poderão ser interpostos,tanto no que respeita à responsabilização por danos causados à carga transportada (perda de carga de terceiros), como para os danos causados ao navio em que colidiu (danos a terceiros). Da mesma forma, no que se refere ao dano afeto ao seu próprio navio, uma vez que o seguro de casco e maquinário normalmente confere cobertura de apenas ¾ do dano verificado, o ¼ restante também poderia ser passível de cobertura pelo P&I, mantendo, assim, o armador X indene de todos esses prejuízos incorridos pelo sinistro em questão.

Ante todo o exposto, verifica-se que as coberturas de P&I apresentam relevância, servindo como um complemento das coberturas securitárias comercializadas pelas seguradoras atuantes nesse ramo, melhor resguardando, assim, proprietários e armadores das consequências patrimoniais decorrentes das responsabilidades civis a eles imputáveis quando da regular consecução de sua atividade empresarial de transporte marítimo.

Sobre o autor

Bernardo Albanesi, advogado especializado em seguros na indústria do petróleo

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