Ultima atualização 12 de novembro

Sobre a proteção dos direitos individuais no mercado brasileiro de reposição de autopeças

Tem suscitado inúmeras discussões, jurídicas ou não, o embate a envolver, de um lado os fabricantes independentes de autopeças para veículos automotores que patrocinam o direito à liberdade de escolha do consumidor, dentre outros argumentos, e, de outro, o direito supostamente exclusivo que teriam as montadoras de automóveis a fabricar ou fornecer partes automotivas por elas patenteadas com base na legislação em vigor, abrangendo-se o registro do desenho industrial das peças denominadas “visuais” ou de carroceria.
O mercado independente de peças automotivas nasceu há várias décadas, antes mesmo da indústria automotiva nacional. Estima-se em 80% o índice de reparação de veículos automotores feita com peças e em locais desvinculados das concessionárias de veículos. Trata-se de um setor extremamente importante da economia brasileira, contando com cerca de 2 mil indústrias, mil distribuidores, 30 mil estabelecimentos varejistas de peças e mais de 120 mil oficinas de reparação. Gera um faturamento anual de cerca de R$ 70 bilhões e um total estimado de 1,5 milhão de empregos.
Dentre as peças automotivas catalogadas pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) estão as produzidas por indústrias idôneas independentes. Têm características de similaridade com as originais ou genuínas, contando também com garantia de procedência e qualidade. Desse grupo fazem parte os afiliados da Anfape (Associação Nacional dos Fabricantes de Autopeças), reunindo 28 fabricantes.
Os fabricantes independentes de autopeças são empresas que desempenham um papel fundamental também quanto ao direito de escolha do consumidor, reforçado pelo fato de que a grande maioria da frota circulante nacional, composta hoje por cerca de 33 milhões de veículos automotores, é constituída por modelos de produção descontinuada ou de ampla aceitação popular. Por sua vez, a rede de concessionárias autorizadas das montadoras de automóveis é responsável apenas por cerca de 13% das intervenções reparadoras em veículos do Brasil.
Enquanto que em diversos países europeus e da América do Norte existe livre concorrência entre peças originais ou genuínas e peças oriundas da indústria independente, aqui no Brasil a questão tornou-se dramática, já que três das grandes montadoras de veículos nacionais (Ford, VW e Fiat) têm se valido da Lei de Propriedade Intelectual brasileira (Lei Federal n. 9.279/96) para impedir a fabricação e o comércio de peças de reposição. A partir do fim de 2006, intensificou-se a expedição de notificações e mandados de busca e apreensão judicial de lotes inteiros de itens fabricados para vários modelos de veículos, levando ao terror os fabricantes independentes de autopeças.
São evidentes os benefícios trazidos pela liberdade de escolha do consumidor entre comprar uma peça original e uma mesma peça produzida pela indústria independente, com grau de qualidade praticamente idêntico. Há casos como o do item ?lanterna dianteira do Fiat Uno? que custa, na rede autorizada da marca, até 776% acima do que a vendida no mercado independente.
Não se deve esquecer que, a depender da amplidão do alcance das medidas pleiteadas pela indústria automobilística, pode-se chegar-se a um ponto de haver grande desabastecimento da cadeia de varejo, justamente pela falta de muitos itens essenciais na rede de concessionários.
Um outro reflexo desse desabastecimento inevitável e da falta de uma opção mais econômica de peças para o consumidor será um aumento da procura de peças junto aos chamados desmanches de veículos, estabelecimentos tais que em sua grande maioria tem problemas de origem do que comercializam. Assim, em última análise, o desabastecimento do mercado de autopeças estará a fomentar um virtual aumento da já hoje enorme incidência de roubos e furtos de numerosa gama de veículos.
Na verdade, o direito de patente das montadoras, a impedir seu uso por outrem, tem um alcance limitado e deve ser entendido à luz de todo um conjunto de princípios constitucionais e legais existentes. Sabe-se que o prazo de proteção do desenho industrial (caso das peças externas automotivas) pode chegar a até 25 anos, a teor do disposto no art. 108 da Lei nº 9.279/96 – o que é uma enormidade face às necessidades do consumidor, sobretudo o de renda menos elevada.
Mas, evidentemente, esse dispositivo não vige isoladamente, mas sim submete-se à coexistência de outros deveres. De início, o próprio art. 2° da Lei de Patentes estabelece que a proteção dos direitos de que trata considerará o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país – finalidade para a qual concorrem em muito os afiliados da Anfape.
Por um imperativo da razoabilidade e proporcionalidade na aplicação de princípios jurídicos (aqui, direito de propriedade industrial versus princípios da ordem econômica nacional ? art. 170 da Constituição Federal) não se pode desconsiderar a livre concorrência, o bem comum nem tampouco a livre iniciativa de qualquer categoria econômica.
Quanto à função social da propriedade, hoje ela não é observada, eis que as gigantes montadoras de veículos visivelmente querem fazer valer o seu poderio econômico para eliminar a concorrência.
O Judiciário, até agora, tem reconhecido o direito das montadoras de questionar a fabricação de peças por outrem, mas pensamos que esse entendimento não deve prevalecer afinal, porque as exigências do bem comum e a preocupação com o seu fim social é que orientam o juiz na aplicação da lei (art. 5° da Lei de Introdução ao Código Civil).
Assim, alguns direitos individuais não podem sobrelevar princípios mais caros de Direito e de Justiça, razão suficiente para ansiar-se pelo julgamento favorável no CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) Ministério da Justiça do processo n° 08012.002673/2007-51, além de ações bem sucedidas do Ministério Público em todo país, garantindo-se os benefícios para a sociedade que o setor sempre trouxe e continuará a trazer.

Fernando Capez é deputado estadual e apoia a causa da Anfape (Associação Nacional dos Fabricantes de Autopeças)

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