O avanço da esporotricose felina no Brasil reacendeu o alerta no setor de saúde animal. A doença fúngica, hoje registrada em todos os estados e já associada a uma morte humana em 2025, ampliou a demanda por atendimento, pressionou clínicas e operadoras e trouxe à tona desigualdades de acesso ao cuidado veterinário. Entre as empresas que acompanham de perto as mudanças está a A.Pet, que observa aumento de solicitações e maior dependência dos serviços de teleorientação desde o início do ano.
A escalada não é propriamente inesperada. Secretarias estaduais vêm registrando surtos localizados desde o fim de 2024, sobretudo nas regiões Norte e Sudeste. Mas a velocidade do crescimento e a complexidade do manejo exige isolamento, exames específicos e tratamento antifúngico prolongado, criando um cenário que desafia estruturas assistenciais que não foram desenhadas para lidar com epidemias de origem animal.
Segundo a responsável técnica da A.Pet, Dra. Fernanda Mirante, os primeiros indícios de aumento surgiram no fim do ano passado, quando as consultas remotas passaram a registrar mais relatos de tutores com dúvidas sobre lesões e risco de contágio. “A telemedicina virou o ponto inicial de triagem. Os tutores chegam com fotos, suspeitas e receio de exposição humana. É a partir desse contato que orientamos o fluxo clínico correto”, explica.
Em meio ao crescimento dos casos, a teleorientação adquiriu papel central. Além de esclarecer dúvidas e identificar sinais compatíveis com a doença, o canal passou a funcionar como ponte entre tutores e clínicas, organizando encaminhamentos, conferindo elegibilidade de coberturas e orientando sobre reembolsos.
A dinâmica ajuda a evitar um dos principais riscos associados à esporotricose: a manipulação doméstica de feridas, que pode resultar em transmissão para humanos. Por outro lado, a dependência desse filtro remoto também revela limitações estruturais. A confirmação diagnóstica exige exames específicos e acompanhamento presencial regular, etapas que variam conforme a disponibilidade de laboratórios veterinários e a capacidade das clínicas credenciadas.
Mirante afirma que, embora a operadora não intervenha na conduta clínica, a equipe reforça boas práticas de biossegurança e recomendações estabelecidas pelos CRMVs. “Cada clínica segue seus próprios protocolos, determinados pelos responsáveis técnicos. Nosso papel é reforçar orientações sobre EPIs, contenção segura e medidas pós-exposição”, diz.
Sem padronização nacional, redes lidam com condutas desiguais
O atendimento a casos suspeitos de esporotricose não é padronizado no país. Regras de isolamento variam conforme vigilâncias municipais e o manejo clínico depende da experiência de cada equipe. Para operadoras, isso limita a capacidade de orientação uniforme e amplia as diferenças na jornada assistencial.
Para especialistas em epidemiologia veterinária consultados pela reportagem, a falta de diretrizes nacionais consolidadas é um dos fatores que dificultam a resposta ao surto. Embora estados como Rio de Janeiro e São Paulo tenham normativas próprias, grande parte do país ainda opera sem protocolos específicos para manejo, notificação e monitoramento de casos.
O tratamento da esporotricose exige meses de antifúngicos, retornos periódicos e monitoramento laboratorial. O custo elevado tem ampliado a pressão sobre famílias de baixa renda e sobre ONGs que atuam no resgate de felinos. Operadoras de saúde pet, por sua vez, enfrentam o desafio de orientar corretamente os tutores sem criar expectativas de cobertura além do previsto em contrato.
Na A.Pet, consultas, exames e atendimentos ambulatoriais estão cobertos conforme o plano contratado, mas o tratamento completo frequentemente ultrapassa os limites dos produtos mais acessíveis. “Há um impacto econômico importante. Orientamos, acolhemos e facilitamos o fluxo assistencial, mas a desigualdade no acesso ainda se impõe”, afirma Mirante.
A condição prolongada gera outro efeito: o risco de abandono. Entidades de proteção animal relatam aumento de entregas voluntárias e pedidos de resgate de gatos doentes, em muitos casos fruto de desinformação. A operadora confirma crescimento de chamadas relacionadas ao medo de transmissão ou à crença equivocada de que a eutanásia seria uma solução indicada em larga escala.
Desinformação agrava o cenário e exige comunicação constante
Com a doença ganhando projeção nas redes sociais, boatos sobre transmissibilidade, protocolos e necessidade de eutanásia passaram a interferir no comportamento dos tutores. A A.Pet afirma que parte relevante das teleorientações é dedicada a esclarecer esses pontos e evitar que decisões precipitadas agravem o problema sanitário.
“A eutanásia é uma medida extrema, tomada apenas após avaliação clínica presencial e pautada por critérios éticos. Nosso foco é oferecer informação confiável e orientar corretamente o tutor”, diz Mirante. A operadora também reforça mensagens sobre prevenção, reconhecimento de sinais iniciais e necessidade de acompanhamento presencial, especialmente em domicílios com crianças, idosos ou pessoas imunossuprimidas.
Embora as operadoras não tenham obrigação legal de consolidar dados epidemiológicos, o volume de teleorientações e reembolsos cria um retrato indireto do avanço da esporotricose. Segundo a A.Pet, o aumento de relatos ocorre mesmo em municípios que ainda não declararam oficialmente surtos.
Mirante observa que essa base de relatos ajuda a identificar mudanças no comportamento da doença, mas não substitui os processos formais de notificação e vigilância conduzidos por órgãos públicos. “Estamos atentos ao que aparece nos nossos canais, mas seguimos as orientações das autoridades sanitárias”, afirma.
Operadores do setor ouvidos pela reportagem reconhecem que a ausência de integração entre vigilância veterinária e humana dificulta a construção de um panorama nacional mais preciso, especialmente em uma zoonose cujo impacto é compartilhado entre saúde animal e saúde pública.
O avanço da esporotricose também reacendeu discussões internas sobre ampliação do acesso. A A.Pet afirma estudar formatos de planos mais baratos, baseados em prevenção, atenção básica e uso intensivo da telemedicina. A ideia é reduzir barreiras econômicas sem comprometer a sustentabilidade dos produtos.
Apesar de não desenvolver campanhas próprias de castração ou controle populacional, a operadora apoia iniciativas conduzidas por clínicas parceiras e entidades de proteção animal, sobretudo nos municípios mais afetados pelo surto.
Em relação a pesquisas, a empresa não mantém parcerias formais com universidades ou laboratórios, mas indica que estimula profissionais da rede a colaborar com estudos externos. A posição reforça a visão de que o tema pertence prioritariamente às autoridades sanitárias e aos órgãos reguladores da medicina veterinária.
A expansão da esporotricose funciona como um estresse real para o sistema de saúde pet e evidencia a necessidade de respostas mais coordenadas. Para operadoras, o episódio marca uma transição: da atuação restrita ao financiamento do cuidado para um papel mais ativo na articulação entre tutores, clínicas e serviços públicos.
O setor ainda busca parâmetros para lidar com doenças de impacto coletivo, mas especialistas apontam que a experiência atual deve influenciar o desenho de produtos, fluxos assistenciais e protocolos de comunicação nos próximos anos.
Enquanto isso, a A.Pet segue acompanhando a evolução dos casos e ajustando sua rotina de atendimento. “É uma situação que exige vigilância constante. A telemedicina, a comunicação estruturada e a orientação correta são fundamentais para reduzir riscos e garantir que os tutores tenham acesso a cuidados adequados”, conclui Mirante.
Nicholas Godoy, de São Paulo




