Ultima atualização 14 de novembro

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Explosão no Tatuapé expõe limites do seguro residencial

EXCLUSIVO – A explosão que atingiu o bairro do Tatuapé, Zona Leste de São Paulo, na noite de quinta-feira (13), expôs uma combinação de fatores que costuma aparecer em situações de desastre urbano, sendo elas falta de fiscalização, uso irregular de imóveis e baixa cobertura de seguro entre famílias brasileiras. O imóvel funcionava, de forma clandestina, como depósito de fogos de artifício. O impacto destruiu a estrutura da casa, provocou incêndio e deixou ao menos dez pessoas feridas, além de danificar imóveis vizinhos e parte do comércio local.

O caso ganhou repercussão rápida porque atinge um ponto sensível em grandes cidades: a coexistência entre áreas residenciais e atividades de risco, muitas vezes sem qualquer controle. Além dos danos imediatos, o episódio levanta dúvidas sobre a cobertura securitária de quem foi atingido e de quem causou o acidente.

Segundo a Superintendência de Seguros Privados (Susep), cerca de 20% das residências brasileiras possuem seguro contratado. Embora a maioria das apólices inclua proteção contra incêndio e explosão, a cobertura depende de condições específicas e nem sempre o consumidor compreende o alcance dessas regras. No caso do Tatuapé, a discussão gira em torno do chamado “agravamento intencional do risco”, conceito previsto no Código Civil e determinante para a análise das seguradoras.

Para explicar essas nuances, Lourenço Bandeira, integrante do corpo jurídico do Grupo Caburé, analisou o episódio à luz da legislação e das práticas do mercado. De acordo com Bandeira, situações como a do Tatuapé estão fora do escopo de qualquer seguro residencial tradicional. O motivo é jurídico e técnico. “O seguro residencial, via de regra, não cobrirá explosões ou incêndios causados pelo armazenamento inadequado de fogos de artifício. Isso é enquadrado como agravamento intencional do risco, conforme o Artigo 768 do Código Civil, o que anula a garantia”, afirma.

As apólices são estruturadas para riscos domésticos usuais, como vazamentos de gás de cozinha ou curto-circuito. A guarda de explosivos, ainda que em pequena escala, costuma constar explicitamente entre as exclusões contratuais. “Essa situação foge totalmente do risco calculado pela seguradora”, completa.

A recusa ao pagamento depende da comprovação de que o segurado alterou o risco originalmente contratado. No caso de depósitos clandestinos, esse enquadramento tende a ser direto. “A seguradora negará a indenização sempre que houver agravamento intencional do risco ou quando o segurado deixa de comunicar mudanças relevantes no uso do imóvel”, explica Bandeira. O armazenamento de explosivos, além de ilegal, descaracteriza a destinação residencial apresentada no contrato.

Segundo ele, também há respaldo no Artigo 769 do Código Civil, que exige que o segurado informe qualquer alteração que torne o risco mais grave. “Ao transformar a casa em um depósito de alto risco, o segurado rompe com o princípio da boa-fé, base da relação securitária”, acrescenta.

Como ocorre a perda de direito à indenização

Entre os cenários mais comuns de perda de direito, Bandeira destaca três frentes:

  • Omissão ou declaração inexata no momento da contratação, quando o segurado já exercia atividade de risco e não comunicou;
  • Agravamento intencional posterior, quando a mudança ocorre após a emissão da apólice e não é informada à seguradora;
  • Prática de ato ilícito ou doloso, como armazenamento ilegal ou tentativa de fraude.

Esses casos, segundo ele, são mais frequentes do que parece, especialmente em regiões onde imóveis residenciais vêm sendo usados para armazenar produtos inflamáveis, mercadorias de revenda ou equipamentos industriais.

Para quem não tinha relação com o depósito clandestino, o cenário é diferente. Os danos provocados pela explosão estão dentro das coberturas usuais do seguro residencial contratado pelos vizinhos. “Do ponto de vista deles, trata-se de um sinistro externo coberto pela apólice”, explica.

Após pagar a indenização, a seguradora tem direito à sub-rogação, podendo acionar judicialmente o responsável pelo acidente. Paralelamente, os moradores afetados também têm respaldo legal direto contra o proprietário do imóvel onde estavam os fogos, com base no Artigo 1.277 do Código Civil, que trata do Direito de Vizinhança e estabelece responsabilidade objetiva pelo uso anormal da propriedade.

Embora a legislação securitária seja clara quanto aos deveres das partes, a compreensão dessas regras pelo consumidor ainda é limitada. Para Bandeira, a questão não está na falta de normas, mas na forma como as informações chegam ao segurado.

“O mercado falha ao não dar o devido destaque às cláusulas restritivas. O consumidor recebe documentos extensos, com linguagem jurídica e tem dificuldade para identificar exclusões essenciais como o agravamento de risco”, afirma. Ele defende que seguradoras e corretores adotem resumos claros das principais restrições logo na primeira página da apólice, reforçando o dever de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor.

O episódio do Tatuapé abre novas discussões sobre fiscalização urbana, uso irregular de residências e necessidade de ampliar a conscientização sobre riscos. A baixa contratação de seguros residenciais coloca famílias em situação vulnerável, sobretudo em áreas onde práticas clandestinas se misturam ao ambiente doméstico.

Nicholas Godoy, de São Paulo.

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