EXCLUSIVO – A COP30, que será realizada em novembro, em Belém, está mobilizando diversos setores da economia para discutir a transição climática. O mercado de seguros não ficou de fora e trouxe o tema para o centro das discussões no 3º Workshop de Seguros para Jornalistas, promovido pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) na última sexta-feira (22).
Abrindo o evento, Dyogo Oliveira, presidente da CNseg, lembrou que o mercado segurador foi um dos primeiros a perceber os impactos das mudanças climáticas, ainda na década de 1970. Ele destacou que a entidade atua de forma ativa nesse debate, tanto no Brasil quanto no cenário internacional. Dyogo relembrou que o setor já desembolsou cerca de US$ 145 bilhões em perdas seguradas em 2024 por conta das crises climáticas e que, no Brasil, 94% dos municípios emitiram alertas de emergência nos últimos dez anos. Apenas em 2024, foram registrados 1.690 eventos climáticos extremos, que causaram um impacto econômico de R$ 368 bilhões, dos quais somente R$ 6 bilhões foram absorvidos pelo mercado segurador.
Durante as discussões, ficou evidente que o maior desafio está na modelagem de riscos diante de mudanças tão rápidas. Dyogo defendeu a ampliação da base segurada como estratégia para melhorar a precificação, citando o exemplo do seguro rural, e antecipou que novidades devem ser apresentadas na COP30, como seguros voltados para florestas e emissões de carbono. Ele ressaltou que essas soluções têm impacto direto na vida das pessoas e que é fundamental incluir também o setor público no planejamento, já que grande parte das estruturas governamentais ainda está desassistida.
Outro ponto relevante foi apresentado pelo especialista da USP, Paulo Artaxo, que alertou para a importância de aumentar a confiança no setor de seguros, um dos mais impactados pelas mudanças climáticas. Apesar do Acordo de Paris e dos 50 anos da Conferência de Estocolmo, as emissões globais de gases de efeito estufa continuam crescendo entre 2% e 3% ao ano. Ele lembrou que 2023 e 2024 foram anos fora da curva, com extremos climáticos mais intensos e mudanças nos padrões, como frio intenso em regiões onde isso não era comum. Nos próximos dez anos, mais da metade dos riscos apontados pelo Fórum Econômico Mundial estarão relacionados às mudanças climáticas. Além do impacto econômico, os efeitos sobre a saúde também serão significativos, tornando essa uma das maiores ameaças do século. Apesar do cenário preocupante, ele se mostrou otimista: “Vamos sair dessa? Vamos sair sim! Desde que sigamos caminhos mais sustentáveis. É mais uma etapa da evolução humana”, afirmou.
O papel da comunicação e da conscientização pública também foi amplamente discutido. Para Lincoln Muniz Alves, Coordenador-Geral do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), os dados climáticos não são apenas números, mas representam vidas, economia e futuros. “O jornalismo é o principal porta-voz para mostrar isso à sociedade”, disse. Ele ressaltou que o governo ainda enfrenta dificuldades para conscientizar gestores públicos. O exemplo mais emblemático foi o do Rio Grande do Sul, que sofreu em 2024 uma das maiores tragédias climáticas do país: “Foi preciso acontecer uma catástrofe para abrir espaço para essa discussão”, destacou.
A tecnologia apareceu como ferramenta fundamental para reduzir riscos. Fernando Teixeira, professor da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ), apresentou projetos como a criação do hub de dados socioambientais e climáticos “Mapas das Cidades” e o desenvolvimento de APIs para que seguradoras e a CNseg possam integrar essas informações em suas análises, permitindo maior transparência e acesso para a população. Na mesma linha, Maria Netto, Diretora Executiva do Instituto Clima e Sociedade (ICS), destacou que investimentos em resiliência reduzem significativamente os impactos econômicos das crises climáticas e defendeu a integração entre setor público e privado para conscientizar principalmente os municípios mais vulneráveis.
As discussões também abordaram os desafios regulatórios e legislativos. O diretor técnico e de estudos da CNseg, Alexandre Leal, mediou um debate sobre o papel das políticas públicas e do arcabouço regulatório para tornar o setor mais adaptado e resiliente. O deputado federal pelo Republicanos/PE Fernando Monteiro trouxe para a pauta a criação de um seguro catástrofe e reforçou a necessidade de planejamento urbano, afirmando que “devemos conviver com as mudanças climáticas, mas, para isso, é preciso se preparar”. Ele criticou o histórico de falta de preparo estrutural nas cidades brasileiras e lembrou que o setor de seguros, mesmo sem subsídios governamentais, é um dos poucos que contribui de forma consistente para a economia.
A diretora da Secretaria Executiva do Ministério de Portos e Aeroportos, Helena Venceslau, citou o caso do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, para exemplificar como a ausência de planejamento pode gerar prejuízos bilionários. Helena chamou atenção para o desconhecimento sobre seguros dentro do governo: “Mais da metade dos ministérios não sabe como funciona uma cláusula de seguro”, afirmou.
Vinicius Ratton Brandi, subsecretário de Reformas Microeconômicas do Ministério da Fazenda, reforçou que a sustentabilidade precisa deixar de ser vista como um tema isolado e se tornar central nas políticas públicas. Ele explicou que a regulação deve ser um indutor de boas práticas e citou avanços da SUSEP, como a introdução do seguro paramétrico em 2020, que apoiou o governo em planos emergenciais; o desenvolvimento dos títulos de risco de seguros (ILS), alternativa ao resseguro tradicional; e a publicação da Circular 666, em 2022, que criou um marco regulatório sobre sustentabilidade para o setor de seguros no Brasil, estabelecendo diretrizes para integração dos riscos climáticos nas práticas do mercado.
O setor produtivo também trouxe sua visão para a discussão. Alex dos Santos, coordenador de Meio Ambiente da OCB, apresentou iniciativas para incluir a pauta climática nas comunidades cooperativistas. Já Davi Bomtempo, superintendente de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, abordou a agenda de economia circular, envolvendo catadores e descarte ecológico, além da conservação florestal. Ele questionou se o Brasil está preparado para uma nova economia baseada em inovação e ressaltou a importância de transformar as vantagens energéticas do país em competitividade industrial. Por fim, Augusto Braum, da Confederação Nacional de Municípios (CNM), destacou as dificuldades estruturais e fiscais das cidades diante de eventos extremos cada vez mais frequentes. Segundo levantamento da CNM, nos últimos dez anos foram emitidos 59 mil decretos de emergência por eventos climáticos, uma média de mais de um decreto por município ao ano. Desse total, 41% foram motivados por secas e 16 mil por chuvas extremas. “Isso já não é mais emergência, é o novo normal”, alertou.
“A COP30 acontece em um contexto de fragmentação política e de diferentes nuances do negacionismo climático”, afirmou Aloisio Melo, Secretário Nacional de Mudança do Clima do MMA durante uma breve perspectiva e objetivo nessa COP30. Ele destacou que a conferência será “um espaço de soluções, ação e implementação”, com foco em seis eixos estratégicos, como indústria, energia, transportes e resiliência urbana. Segundo Melo, será também um momento para reafirmar compromissos globais, como zerar o desmatamento até 2030, triplicar as fontes renováveis e a eficiência energética e avançar na redução da dependência dos combustíveis fósseis.
Entre as propostas brasileiras, ele citou o mecanismo “Florestas Tropicais para Sempre”, que vai “remunerar diretamente agentes que preservam e recuperam florestas, transformando a conservação em um ativo econômico”. O secretário também ressaltou a agenda de adaptação climática e financiamento, com ações para governos locais e desenvolvimento de seguros para populações vulneráveis. “O Brasil chega à COP30 com capacidade de mobilizar investimentos para descarbonização, recuperação de áreas degradadas e soluções inovadoras, como o uso de algas para captura de carbono e geração de novos produtos sustentáveis”, completou.







Nicholas Godoy, do Rio de Janeiro