Ultima atualização 13 de outubro

Há mesmo riscos e ‘riscos’?

O risco declinável, que antes era associado aos cenários mais complexos de seguros, hoje abarca os ditos “riscos especiais”, estes considerados mais simples, porém cercados de inúmeras polêmicas

EXCLUSIVO – Aceitar ou não o risco? Esse dilema vem fomentando um intenso debate no setor de seguros nos últimos anos, principalmente durante e após a pandemia de Covid-19, mas também na esteira do conflito entre ucranianos e russos e da intensificação da crise climática, responsável direta e inclemente pelo aumento dos indicadores de sinistralidade ano após ano. Todo esse complexo contexto global vem provocando a redefinição de contratos com segurados e um aumento da precificação de seguros e de resseguros mundo afora. Em meio a esse cenário, os ditos riscos declináveis tornaram-se um incômodo calo para atores do mercado, sobretudo os corretores, que lidam com uma dificuldade cada vez mais frequente para que seguradoras e resseguradoras comprem, como popularmente se diz, o “barulho” dos segurados. Embora não exista uma estatística oficial de que há crescimento de riscos declináveis, empiricamente ele é notado.

Quando abordamos o tema, afirma-se, em tese, que todo risco pode ser segurado, o que varia é, no entanto, o valor do prêmio. Porém nem sempre isso acontece, desde os limites por idade nos seguros de vida e saúde até algumas atividades, como indústria farmacêutica, de colchões, dentre outras. Por que, afinal, nem sempre todo o risco pode ser segurado? O advogado Antonio Penteado Mendonça é enfático: “Conceitualmente, o único risco que não pode ser segurado é o fim do mundo, não porque não seja quantificável, mas porque não teria para quem pagar a indenização. Só que entre o conceitual e o mundo prático as coisas são diferentes.”

Ele explica que o mercado segurador tem limite de capacidade e que por essa razão parou de aceitar, por exemplo, furacão em toda a Flórida e não mais apenas em Miami. “As seguradoras têm políticas comerciais que priorizam determinados ramos. Seguros de vida, veículos, celulares, responsabilidade etc. Os riscos declináveis são um erro. Não é lógico você dizer que não aceita um risco industrial apenas porque a empresa atua neste ou naquele ramo. Tem risco de ramo ruim, bom, e vice-versa. O problema é que as seguradoras, com os pacotes de cobertura, deixaram de fazer a análise dos riscos e taxar com base nela. Enquanto isso não for retomado, é difícil resolver a questão dos riscos declináveis”, resume Penteado Mendonça.

Realmente, a rigor, todo risco pode ser precificado. No entanto cada seguradora possui a sua política de aceitação, em que são definidos os riscos aceitos com base na experiência de cada player do mercado, como pondera a superintendente técnica e atuarial da Seguros Unimed, Lara Facchini: “Normalmente, quando o risco não é segurado é porque o prêmio calculado para o risco é muito próximo do risco em si, tornando-o inviável.”

Presidente do Sindicato dos Corretores de Seguros de Pernambuco (Sincor-PE), Carlos Valle assinala que, com relação a bens materiais visando a  possibilidade de proteção através de uma apólice de seguros, deve-se considerar a sua licitude, uma vez que nada ilícito pode ser segurável, ou seja, se tem valor determinado, se o risco é provável — e nunca certo ou improvável —, e se consistem em um produto fora de linha e para o qual não haja peças e condições de reparos. 

“Para os bens imateriais, como os bens econômicos, há de se analisar sua vinculação a um contrato mensurando valores, prazo de duração, regras incluídas e excluídas, como franquias, quebra de contrato por greves, interrupção de fornecedores, clima etc”, diz Valle, acrescentando que para ambos os casos a seguradora ainda terá de verificar seus limites, contratos de resseguros, condições para avaliar sua aceitação e condições de coberturas, franquias e prêmios.

O que se percebe sobre os riscos recusáveis, avalia a corretora Juciane Weirich, de Florianópolis (SC), é que não há uma forma de mensurar ou elevar o prêmio para que seja dada a oportunidade aos segurados de terem a garantia de uma apólice ativa e até mesmo que as seguradoras e o ressegurador (quando for o caso) obtenham um prêmio maior para certos riscos que se pressupõem um maior índice de sinistralidade.

“Quando acontece um sinistro em um supermercado, por exemplo, as companhias fecham o cerco e não mais aceitam a atividade por conta desse sinistro ocorrido. Para que serve nosso papel como seguradores, resseguradores e corretores? Não seria o de minimizar as perdas financeiras obtidas por nossos segurados em possíveis eventos de sinistros? Se as seguradoras restringirem a aceitação mediante o elevado número de sinistralidade em certas atividades, para qual finalidade teremos serventia?”, indaga Juciane, que completa: “O recado que recebemos das companhias seguradoras é que, se tivermos sinistros, vamos ter dificuldades para aceitação do risco, ou no caso de benefícios de vida, se a pessoa tiver uma idade mais avançada ou alguma doença pré-existente, não há aceitação do seguro. Nos seguros para residência em locais perigosos ou casas de madeira, não tem aceitação em algumas companhias. As empresas com atividades com manuseio de inflamáveis são risco excluído. Nesses locais tem pessoas trabalhando e famílias que dependem dessa empresa para sobreviver. As empresas geram oportunidades de trabalho e sempre estarão dispostas a ajustar o local para minimizar os acidentes.”

É visível: a resposta para o risco declinável não é simples e uniforme. Os pontos de vista são muitos e desdobram-se em uma complexa teia de concepções de mercado, direitos legais (de empresas do setor e de segurados) e, de certa forma, de brechas jurídicas e de regulamentação e, por fim, de desconhecimento das peculiaridades do setor de seguros no país, como frisa o corretor Ricardo Gomes, de Cuiabá (MT): “Não é uma resposta simples porque ela envolve muitos fatores. Os principais são: poucas informações sobre o tamanho do mercado; falta de conhecimento técnico das seguradoras em relação a determinadas atividades, que impacta diretamente na adequada subscrição, além de não gerar segurança para os resseguradores, e a dificuldade na estruturação de resseguro para atividades de maior risco ou com histórico de alta sinistralidade, entre outras.”

Cada macaco no seu galho

Prevaleceria, portanto, aquela premissa de “cada macaco no seu galho”, ou seja, de que uma seguradora deve permanecer em sua área de atuação sem adentrar nas de seus pares no mercado.

Lara Facchini não observa uma segmentação de riscos por seguradora, apenas maior ou menor experiência e ou apetite para determinados riscos, muito baseado na experiência de cada uma. “Estas regras de aceitação costumam ser divulgadas aos corretores e são especificadas nas ferramentas de cálculo, de forma que, no momento de cotação, já é possível saber da cobertura ou não”, afirma a executiva da Seguros Unimed.

Para Antonio Penteado Mendonça, cada seguradora tem sua política comercial e escolhe os ramos que pretende atuar. “Ela entrar em novos ramos é consequência disso e a mim não parece que tenha um impedimento ético porque antes ela não operava nele. Quanto a informar ao cliente, é importante lembrar que essa é a função do corretor, cabe a ele explicar as coberturas e apontar as melhores seguradoras para um determinado risco”, admite o consultor.

Quais são, entretanto, os argumentos (sobretudo legais) que garantem à seguradora recusar um risco? O corretor Ricardo Gomes cita a circular Susep de número 642, de 2021, que dispõe sobre as regras de funcionamento e os critérios para operação das coberturas dos seguros de danos. Segundo Gomes, a circular estabelece que a seguradora tem, portanto, autonomia para decidir sobre a aceitação ou a recusa de um risco, independentemente dos motivos que o norteia. “Estipula (a circular) apenas regras de prazo e forma de proceder com a recusa. Inclusive, na maioria dos casos, ela simplesmente declara em suas manifestações expressões como ‘recusado por razões técnicas’”, diz o corretor.

Mendonça é, por sua vez, enfático: “Ninguém é obrigado a contratar o que não quer”. Ele observa que, se uma seguradora não quer operar numa carteira ou aceitar um determinado risco ou não aceitar um segurado específico, é direito dela. “Mas ela tem prazo para fazer isso”, alerta.

E esse prazo legal é de 15 dias, com a seguradora justificando o motivo da recusa, porém, passado este prazo, a apólice terá de ser emitida. “Mas devemos lembrar que a operação de seguro é uma transferência de risco, e nada mais justo que quem esteja assumindo/comprando o risco possa avaliá-lo e decidir por sua aceitação, sempre tendo em vista o mutualismo, que é outro princípio básico do seguro”, pondera Lara Facchini

A corretora Juciane Weirich procura, por sua vez, aprofundar-se no didatismo para explicar a questão, classificando que as seguradoras podem não aceitar um risco se ele estiver fora das normas de aceitação. Ela exemplifica a falta de manutenção de extintores de incêndio para os quais há uma exigência obrigatória em toda contratação de seguros empresariais e condominiais. Já nos seguros de automóveis, ela cita como exemplo veículos oriundos de leilões, com vistorias ou pareceres recusáveis, ou com chassis remarcados, que podem apontar fraudes no veículo a ser segurado. “Nos seguros de vida, um exemplo que temos de recusas é quando o segurado possui uma doença pré-existente, tais como diabetes, ou problemas cardíacos, o que pode fazer a seguradora recusar o risco”, aponta Juciane.

Carlos Valle lembra que antes mesmo de se discutir a questão do risco declinável é preciso destacar que o mercado tem regras e é livre para que segurados, corretores e seguradores façam suas escolhas, com causas diversas para uma variedade imensa de seguros. “Podemos exemplificar através do seguro auto, que geralmente é recusado por numeração do chassi adulterado, veículos fora de linha, veículos fabricados em fibras dentre outros”, enumera o presidente do Sincor-PE.

Em resumo, os seguros se tornam obrigatórios quando a solicitação é feita para a área em que a seguradora opera desde que o risco oferecido se enquadre nas condições padrões pertinentes a ele. “No caso da contratação de um seguro de automóvel e se o segurado estiver com restrições cadastrais, essa situação vai agravar o risco, porém, isso não dá o direito de a seguradora recusar a aceitação do risco, ainda mais se o pagamento do prêmio for a vista”, explica a corretora Juciane Weirich.

O também corretor Ricardo Gomes reconhece que qualquer risco pode ser recusado dentro do prazo estipulado na proposta ou sob condições gerais, com exceção de seguros obrigatórios e de contratação automática com emissão de certificados, dentre os quais seguros de acidentes pessoais, residencial através de certificados, DPVAT e DPEM. “Poucas seguradoras disponibilizam produtos através de certificados, justamente pela impossibilidade de filtrar através da subscrição”, esclarece Gomes.

Como destaca Carlos Valle, há, entretanto, um fenômeno recente que, segundo ele, deverá mudar o padrão de recusa por idade do veículo, uma vez que já existe um bom número de veículos com mais de 10 anos, muito bem conservados, diferentemente dos veículos mais antigos que se deterioravam em cerca de cinco anos. “Antes, conhecíamos pessoas que trocavam de carro a cada ano, e no máximo, a cada dois anos, e hoje chegam a usar o veículo por cinco ou mais anos”, comenta Valle, lembrando, contudo, que já há seguradoras com aceitação de até 15 anos.

Estatísticas incipientes

Embora não exista uma estatística de riscos declináveis no mercado brasileiro de seguros, o que se nota, dependendo da atividade da empresa, é um alto percentual de recusa. “O transporte de carga, que já foi considerado um dos melhores riscos do país, enfrenta resistência de várias seguradoras há décadas, desde que os furtos e roubos tomaram vulto, não há nada de novo nisso. Já os riscos declináveis são, por exemplo, mais visíveis nos seguros patrimoniais, roubo e embarcações”, recupera Mendonça.

Juciane Weirich recorre a um exercício de equivalência. Segundo a corretora de Florianópolis, a comercialização de seguro (sobretudo em vida e saúde) cresce em média 20% ao ano desde 2019, paralelamente cresce também número de propostas que chegam às seguradoras e acabam sendo recusadas, sendo que na maioria dos casos por alguma sequela pós-covid-19. “A carteira com o maior índice de riscos recusáveis pós-pandemia é a carteira de seguros de vida pela crescente demanda de contratações, porém, em virtude da situação de saúde dos segurados, acabam não passando pela análise da seguradora”, entende a corretora.

Os corretores

Como os corretores encaram o tema “riscos declináveis”? Quais pontos sensíveis podem ser identificados neles no dia a dia para os corretores? Como ressalta Antonio Penteado Mendonça, eles encaram com preocupação. “Afinal, são segurados a quem eles têm dificuldades de atender e, pior, em explicar por que não conseguem atender. É verdade, existem segurados que querem transferir seus problemas para o seguro, mas a maioria dos segurados é correta, honesta, cuida de seus riscos e, apesar disso, não consegue os seguros de que precisa ou se consegue, são muito caros”, avalia.

Carlos Valle pontua que, inicialmente, deve-se entender que os riscos declináveis são “riscos especiais” e que é possível verificar o ingresso no mercado de diversas seguradoras focadas em “riscos especiais”. Segundo o presidente do Sincor-PE, são seguradoras varejistas que não possuem contratos de resseguros e, geralmente, se afastam mais desses riscos. “Temos que ter em mente que os riscos declináveis são oportunidades extraordinárias para o corretor de seguros, que terá uma missão graduada, que, além de fidelizar o cliente, terá o seu conceito elevado por atender a uma demanda especial”, justifica.

Na avaliação de Lara Facchini , o tema é sensível aos corretores, pois precisam equilibrar as necessidades de clientes e seguradoras: “Normalmente, os corretores possuem um leque grande de seguradoras para que possam administrar a colocação de riscos de acordo com a política de cada uma delas, logo, um risco não aceito na seguradora ‘A’, pode ser aceito pela seguradora ‘B’, e ainda vemos constantemente em redes sociais os corretores se utilizando destas ferramentas para buscar informação de quais seguradoras estão aceitando determinados riscos.”

Para o corretor Ricardo Gomes, o legislador foi assertivo quando não obrigou o mercado segurador a aceitar todos os riscos propostos, pois, acrescenta Gomes, “certamente reduziria” o número de companhias que operam no Brasil: “Acredito que isso acaba por exigir mais conhecimento e especialidade dos corretores sobre determinados riscos, pois, quando se tem conhecimento, podemos elaborar defesas bem fundamentadas e mudar a sensibilidade da seguradora em relação a um determinado risco, que, no primeiro momento, ela declinaria.”

Na avaliação de Juciane Weirich, é muito difícil ter um risco declinado na carteira de seguros, principalmente se esses segurados possuem outros seguros contratados na carteira e estão vigentes. Segundo a corretora, é importante que tanto seguradoras quanto resseguradores tenham um olhar mais sensível sobre esse tema. 

“Existem ferramentas que podem ser apresentadas às empresas de adequações e melhorias onde as mesmas tenham a oportunidade de realizar os investimentos necessários e assim deixarem o risco mais perto do que as seguradoras esperam em termos de segurança e assim minimizarem os riscos de futuros sinistros. Falo de empresas onde famílias trabalham a vida toda e que em muitos anos construíram o seu patrimônio, essas famílias geram empregos e incentivam sonhos de outras famílias, essa é a verdadeira razão de existirmos, é ajudar a minimizar os impactos sofridos com as perdas de vidas, perdas financeiras e assim contribuir para o bem-estar socioeconômico da região onde vivemos”, conclui Juciane.

André Felipe de Lima
Revista Apólice

* Esta reportagem foi publicada originalmente na Edição 291 da Revista Apólice

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