Na contratação de um seguro, seja ele auto, residencial ou de vida, é natural que as seguradoras peçam muitas informações sobre o segurado. Afinal, o modelo de negócio dessas instituições demanda uma avaliação acurada dos riscos de cada contrato, o que contribui também para determinar outros elementos-chave dos ramos em que as seguradoras atuam, como preço e condições de cobertura. Portanto, dados precisos são ferramentas essenciais na modelagem atuarial das seguradoras, determinando a margem de lucro, o crescimento e o apetite ao risco da operação como um todo.
Fazer ajustes no mix de produtos conforme as avaliações de risco e margem, ou por mudanças estratégicas, não é novo para as seguradoras. Entretanto, existem outros fatores que impactam as companhias como as tragédias causadas pelas mudanças climáticas que vivemos em 2023.
Eventos extremos de calamidade pública, como alagamentos e deslizamentos em áreas urbanas, aumentam o volume de sinistros acionados, mas a velocidade com que essas variáveis estão mudando faz com que elas ainda são sejam capturadas completamente na análise de risco, causando prejuízos maiores que os estimados a todos: segurados e companhias, que eventualmente cobrirão os danos.
Para se ter uma ideia dos prejuízos, o estudo “Weather, Climate and Catastrophe Insight”, realizado pela Aon, aponta que, em 2022, as perdas financeiras causadas apenas por enchentes somaram aproximadamente US$ 1,3 bilhão no Brasil, sendo Pernambuco e Alagoas os estados mais afetados. Em fevereiro deste ano, o Litoral Norte de São Paulo viveu uma grande tragédia, quando chuvas de 700mm causaram a morte de mais de 60 pessoas, além da destruição de muitas construções e veículos.
Nos Estados Unidos, os danos provocados por elementos de ordem climática somaram US$ 165 bilhões no ano passado, segundo relatório do governo federal americano. Nesse cálculo, estão inclusas a destruição de áreas urbanas e redução na margem de lucro das empresas impactadas. Um caso emblemático ocorreu em Miami, na Flórida, estado que tem alta incidência de furacões, em que as tempestades causaram tantos danos que muitas seguradoras faliram por não conseguirem cobrir seus segurados.
Mas como o mercado brasileiro de seguros pode se adaptar a esse cenário climático complexo em meio a outros problemas, como os macroeconômicos? O primeiro passo é entender que o jogo de dados mudou, e as novas informações relacionadas ao clima precisam ser incorporadas aos modelos atuariais para os cálculos de preço dos seguros e exposição ao risco.
Depois, o desafio passa a ser como estabelecer um novo modelo atuarial e de precificação baseado em novas variáveis com poucos dados históricos, que muitas vezes não existiam, e com toda a imprevisibilidade relacionada a esses eventos severos. Isso faz com que a instituição tenha que mudar também a forma de avaliar e incorporar aos modelos preditivos esses novos dados não tradicionais e, eventualmente, nunca utilizados antes.
A primeira tarefa seria acompanhar situações semelhantes que ocorrem em outros países/regiões e replicá-las, incluindo os dados obtidos na nova modelagem analítica, para chegar o mais próximo possível dos cenários encontrados por aqui. E é preciso avaliar o quanto essa proxy de dados de outros lugares tem peso em cada tipo de risco que vai ser estudado. Além disso, pensando na solvência da instituição, também é importante fazer uso de simulações e análises de cenários do tipo what-if de como situações extremas afetariam a carteira e o resultado da seguradora.
Por exemplo, se uma instituição tem seguros residenciais concentrados em uma determinada área litorânea, a simulação deveria ser capaz de mostrar qual o tamanho da catástrofe climática que seria capaz de impactar significativamente a seguradora.
Se ao cruzar a informação acima dessa simulação de impacto com a probabilidade do evento extremo acontecer, baseada nos novos modelos preditivos, e a resposta resultar em um alto prejuízo provável para a seguradora, o ajuste do mix de produtos da carteira para diminuir a exposição ao risco poderá ser uma possibilidade dentro no exercício de simulação de carteira versus rentabilidade.
Inteligência Artificial (IA) e Machine Learning (ML) como facilitadores
Apesar das soluções apresentadas, mudar as técnicas de modelagem e mesmo o ciclo analítico de uma operação inteira para avaliar e incorporar essas novas variáveis nos modelos tem suas complexidades. Para aquelas seguradoras que já possuem uma cultura data-driven, a ideia é coletar esses novos dados qualificados e alimentar as ferramentas de analytics apoiadas por Inteligência Artificial e Machine Learning, para que a plataforma transforme o alto volume de informações em inteligência e uma melhor tomada de decisão sobre a exposição de risco e precificação dos diversos produtos da carteira.
Já para as instituições que ainda estão em vias de adotar uma cultura organizacional baseada em dados, o caminho a ser percorrido é um pouco mais longo, uma vez que a contratação de tecnologia por si só não resolverá o problema. Será necessário também o investimento na implementação de uma governança de dados com profissionais capacitados em modelagem analítica usando soluções de IA e ML, além da habilidade de estarem atentos às regras de negócios do mercado para transformarem informações em insights na solução de problemas complexos.
O jogo de dados nunca foi tão difícil de ser vencido pelas seguradoras expostas aos riscos imprevisíveis. Porém, antecipar as mudanças do cenário pode trazer mais resiliência a longo prazo e vantagem competitiva frente aos concorrentes. Com o mercado de seguros e os provedores de soluções caminhando juntos, essa jornada de transformação é possível.
* Por Thiago Escrivão, gerente de Soluções do SAS para LatAm