O que distingue a evolução e o que chamamos de tempos modernos? A resposta, abordada de forma brilhante por Peter L. Bernstein no livro “Desafio dos Deuses: A fantástica história do risco” (1997), traz a capacidade de administração e adaptação ao risco e sua história, como um dos grandes fatores de evolução da humanidade.
A evolução, na visão do autor, transcende o progresso da tecnologia, da inovação e da democracia. O que diferencia o passado do mundo moderno contemporâneo, de alguma forma, se relaciona com o comportamento e a administração do risco pelas pessoas e, posteriormente, na figura de personalidades coletivas, pelas empresas, governos e instituições.
A habilidade de conviver com o risco e minimizar os seus danos está diretamente relacionada à evolução das espécies. Os humanos aprenderam a criar mecanismos que diminuíam os efeitos das adversidades e a partir, principalmente, da capacidade de compartilhar recursos, prosperidades e infortúnios, aprenderam o grande benefício de compartilhar riscos, minimizando seus efeitos individualmente.
Para maior assertividade na maximização dos resultados, as pessoas em suas vidas cotidianas ou em seus negócios podem e devem utilizar de estratégias para reduzir o risco de não atingimento dos resultados esperados no tempo, e/ou limitar perdas potenciais. As estratégias são variadas, tais como diversificação, informações adicionais, menor assimetria, utilização de boas práticas e transferências das consequências do risco a terceiros mediante contratos.
Na agricultura brasileira não foi diferente e a evolução que nos alçou ao posto de maior produtor potencial de alimentos do mundo invariavelmente passa pelo sucesso de homens e mulheres em se adaptar aos desafios de cada período histórico, acumular e aplicar conhecimento, minimizar perdas e potencializar seus rendimentos.
Com isso o setor passou por transformações profundas que tiveram no conhecimento, na restruturação das cadeias de produção, no crédito rural e na incorporação de tecnologia adaptada à agricultura tropical, seus principais pilares de desenvolvimento. Esse processo ocorreu aliado às políticas macroeconômicas e setoriais que potencializaram esses fatores determinantes, com seus marcos em cada década, principalmente a partir dos anos 60.
Vive-se hoje um novo ciclo potencializador do agronegócio brasileiro, em especial, no setor agropecuário, dentro das propriedades rurais. Esse ciclo de desenvolvimento traz como novo fator determinante a potencial disseminação do conhecimento em larga escala. Cada vez mais multidisciplinar, digital e preciso, baseado em dados e em gestão de alto nível dos recursos financeiros, naturais e sociais. Destaca-se ainda o impulso da gestão técnica e tecnológica; e, cada vez mais, gestão de riscos, que precisa atingir os diversos níveis de produção, democratizando o conhecimento, as tecnologias e riquezas.
Na agricultura do conhecimento, essa última dimensão da gestão, focada na administração do risco, pode ter, entre os diversos instrumentos disponíveis, o seguro rural como sua ferramenta mais democrática e universal, a exemplo de políticas instituídas em diversos países onde a agricultura desempenha importante papel econômico e se prioriza maior estabilidade nos fluxos de caixa e nas margens, viabilizando o ciclo virtuoso de capitalização e aplicação continua de investimento tecnológico. Com isso, a principal produtividade, caracterizada como a produtividade máxima econômica do produtor, aquela que realmente importa, é preservada no longo prazo e há efetiva contribuição nas políticas de segurança alimentar dos países, como fator social fundamental para essa e próximas gerações.
No Brasil, o seguro rural vem se estruturando nos últimos 16 anos em um modelo público-privado e parece ter, principalmente nos dois últimos anos, fincado algumas de suas bases estruturantes principais para prosperar: orçamento mais robusto de apoio aos produtores; convergência tática e estratégica entre governo, produtores rurais e agentes privados para tornar o seguro uma política de estado; transparência nas informações; formação de pessoas e disseminação dos conceitos fundamentais.
No período de 2014 a 2020, segundo a Susep (Superintendência de Seguros Privados), foram indenizados R$ 10,25 bilhões de reais pelas seguradoras aos produtores rurais. Esse valor é 3 vezes maior do que o desembolso do governo com subvenção ao prêmio do seguro rural, no período. Essas indenizações possibilitaram redução de endividamentos que se empilhariam nos passivos das famílias e no orçamento público, o que sustenta a acertada tese de que políticas preventivas são muito mais eficientes à sociedade. Entretanto, mesmo após mais de 15 anos de programa, a área plantada de grãos com seguro no Brasil não passa de 20%. Sem considerar outras cadeias com baixíssima utilização do mitigador, como agroflorestais, aquícolas e pecuária.
O primeiro semestre de 2021, apesar da favorável condição climática, de forma geral, para produção das principais culturas de verão, foi marcado, em diversas regiões, por veranicos, excesso de chuvas, granizos e mortes de animais, que levaram a estimativa de pagamento de R$ 1,68 bilhões de reais por parte das seguradoras do programa aos produtores, de acordo com dados da Susep atualizados de Jan – Jun / 2021. Nesse início de 3º trimestre do ano, período de fechamento do ciclo das culturas de inverno no Brasil, as geadas assolaram lavoras da 2ª safra de milho, que já haviam atrasado o período de semeadura e sofrido com a seca. Lavouras de café também foram castigadas com as baixas temperaturas, interrompendo as perspectivas positivas para próxima safra. Esses prejuízos consomem um longo histórico de rendimentos do produtor rural e afetam todo o orçamento do Estado, sendo um problema de todos, dentro ou fora das porteiras.
Esse fato recente coloca luz sobre dois fatores determinantes para a gestão de risco de produção no Brasil: 1. A ampliação urgente do Seguro Rural, já que apenas 16% da área plantada com milho e menos de 5% da área de café possuem seguro; 2. A importância estratégica do ZARC (Zoneamento Agrícola de Risco Climático), para o produtor rural. É a ferramenta que indica as melhores épocas de plantio, e foi publicada pela primeira vez em 1996, com metodologia validada pela Embrapa e de altíssimo conhecimento técnico, sendo um exemplo de modelo genuinamente brasileiro.
Com todo o conhecimento e tecnologia presentes no agronegócio nas últimas décadas, tornou-se mais comum falar em quebras de recordes do que em quebras de safras no âmbito global da produção. Esse fato não se reflete regionalmente, onde eventos climáticos têm causado severos prejuízos. O seguro rural, que tem ampliado modalidades e coberturas nos últimos anos, aliadas a boas práticas agroambientais, se candidata a ser um dos pilares mais importantes para um novo ciclo de desenvolvimento da agricultura brasileira.
Que nossa agricultura não seja passiva frente aos inúmeros riscos que afetam a atividade e, em última instância, o futuro das sociedades. Que o maior domínio das variáveis de risco e mitigação de suas consequências seja um dos fatores principais para definir a fronteira entre um passado não tão distante e um futuro de constante progresso, com uma verdadeira agricultura do conhecimento, que seja para todos, previsível, segura e sustentável.
* Por Paulo Hora, superintendente de seguros rurais da Brasilseg