Ultima atualização 22 de novembro

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Um leão por dia

Enquanto os grandes bancos de varejo reforçam suas operações de seguros, plataformas digitais se propagam e novos players desembarcam no mercado de distribuição

Uma diferença de R$ 640,00 – ou duas cestas básicas – no preço do seguro de automóvel parcelado em dez vezes em relação ao valor cobrado pela Youse, seguradora digital da Caixa Econômica Federal, não impediu o corretor André G. Vieira, da AGV Corretora de Seguros, de renovar a apólice de um cliente de longa data. A disputa, assim como em qualquer outra concorrência, lhe rendeu um ganho menor, mas, de quebra, conseguiu manter o seu segurado. Ainda assim, surpreende no cenário atual, principalmente no segmento de automóvel, no qual os segurados priorizam o preço.

Em alguns casos, conforme Renato Bidin, sócio da Boschi Corretora, o cliente troca de corretor por uma diferença de singelos R$ 30,00 no custo anual da apólice. Esse cenário de concorrência acirrada, e muitas vezes baseada em preço, se repete todos os dias e cada vez com mais frequência para quem vende seguro no Brasil. “Meu cliente priorizou a segurança, a confiança e o atendimento. Há ainda uma geração que privilegia essas questões, mas cada vez mais é preciso ser mais rápido no atendimento. Por isso, estou sempre conectado no whatsApp – que já responde por 80% dos meus negócios fechados. Tenho de estar sempre pronto”, diz Vieira, da AGV, em entrevista à Apólice.

Tradicionalmente aquecida seja pela pulverização nos canais de venda com mais de 90 mil corretoras de seguros, de acordo com balanço da Federação Nacional dos Corretores de Seguros (Fenacor), ou pelos pesos pesados que disputam o segmento, a competitividade na distribuição de apólices tem se intensificado no País. Na mira, o mesmo alvo: um mercado subpenetrado e que apesar de ter dobrado na última década, segue estacionado ao redor dos 6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Atraídos pelo potencial do segmento e a enxurrada de novas tecnologias que vêm acompanhadas da chamada “economia de acesso”, na qual a experiência de uma sociedade dita as regras do jogo e a necessidade da posse fica em segundo plano, novos players e outros já bastante consolidados se voltam para o segmento de seguros. Tem competidor de tudo que é tamanho e focado nos diversos ramos deste mercado. Esse acirramento da concorrência ocorre, em uma frente, com a maior atuação dos grandes bancos de varejo neste segmento. Depois de se desfazerem das suas carteiras de grandes riscos, esses players estão debruçados em expandir a maior operação do segmento: o bancassurance, ou seja, o seguro vendido nos canais bancários.

No primeiro semestre deste ano, os grandes bancos responderam por 70% do mercado de seguros no País versus 30% da fatia nas mãos de seguradoras independentes, segundo dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep). Essa divisão vem se mantendo no segmento, mas pode ficar ainda mais desproporcional com o reforço das instituições financeiras em suas operações de seguros. Com a retomada ainda lenta da oferta de crédito, principal atuação de um banco em qualquer lugar do mundo, os grandes do setor estão vendo no seguro uma opção de elevarem suas receitas de serviços com um segmento que consome menos capital, no caso das apólices de varejo como seguro de automóvel e residência. Além disso, os bancos têm o seu próprio braço de distribuição de seguros, ou seja, além de ganharem com a subscrição do risco também lucram com a comissão da venda.

Do lado dos públicos, enquanto o Banco do Brasil avança na renegociação com a seguradora espanhola Mapfre, que ainda depende de aval dos reguladores, a Caixa Econômica Federal segue com o leilão do seu braço de seguros que visa a replicar os moldes de atuação da BB Seguridade, holding que concentra a operação de seguros do BB – fora a atuação da Youse, que vem ganhando espaço na venda digital.

Em ambos os casos, cada um com seu estágio de avanço, o foco é reforçar a operação de bancassurance e elevar as receitas. Na arena privada, a ofensiva vem por parte do Itaú Unibanco, que recentemente abriu a sua plataforma de seguros para comercializar produtos de terceiros assim como fez em investimentos. O banco já fechou com a MetLife para ofertar seguro dental no cartão de crédito, com a Chubb, para oferecer apólices para celulares nos canais massificados e ainda com a Prudential, para vender seguro de vida para clientes Personnalité, com renda mínima de R$ 10 mil. Também estabeleceu parcerias com a Icatu Seguros em capitalização e, mais recentemente, passou a vender planos de saúde com a operadora Amil, da UnitedHealth.

“Alguns produtos são como locomotivas como seguro saúde, auto, residência. Era importante que tivéssemos toda essa quantidade de ofertas uma vez que isso facilitaria a comercialização de outros produtos”, admitiu o diretor geral de Varejo do Itaú Unibanco, Márcio Schettini, durante conversa recente com investidores e analistas.

A fala do executivo reforça a ambição do banco de crescer neste setor. Além das parcerias já fechadas, o Itaú também avança em conversas para ampliar o portfólio de produtos da Porto Seguro em seus canais de distribuição. Alguns nichos já foram acertados, conforme fontes ouvidas por Apólice, como fiança locatícia, segmento no qual a Porto tem 90% de market share, seguro condomínio e saúde para pequenas e médias empresas nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

As conversas prosseguem, sinalizando que a parceria entre a seguradora e o banco podem crescer ainda mais, além do casamento selado há quase uma década no âmbito dos produtos de automóvel e residência. Já o Santander Brasil, que possui uma joint venture global para venda de seguros com a suíça Zurich, está próximo de concluir a criação de uma seguradora de automóveis digital em parceria com a HDI, pertencente ao grupo alemão Talanx.

Relacionamento

Não bastasse a ofensiva das grandes instituições financeiras no setor de seguros, em outra via, plataformas de investimentos como a XP, bancos digitais e novas corretoras de seguros com foco na venda online e, consequentemente, mais amigável e cobrando preços menores, têm se propagado no mercado, contribuindo para ampliar ainda mais a concorrência na venda de seguros no Brasil.

Esse movimento, contudo, é irreversível, na visão de especialistas ouvidos por Apólice. Portanto, não adianta lutar contra ele. O especialista em vendas Marcelo Ortega ressalta que o primeiro passo é aceitar as evoluções que batem à porta dos corretores todos os dias. Além disso, o corretor precisa, de uma vez por todas, ser mais relacional que comercial.

Aquela velha história de procurar o segurado mais vezes no ano e não apenas na renovação de suas apólices faz ainda mais sentido seja para vender mais ou para fortalecer o relacionamento existente. “Ninguém acorda querendo um seguro. Cabe ao corretor ser altivo e presente para convencer as pessoas da importância de cuidarem de suas vidas e de seus patrimônios”, atenta Ortega.

Apesar de os corretores de seguros, em geral, serem donos de pequenas e médias empresas e, consequentemente, com estruturas bastante enxutas, esses empresários têm em mãos ativos valiosos para fazer frente à concorrência com os grandes do mercado: flexibilidade e proximidade. É o “sempre estar pronto para atender” do corretor André Vieira. Essa postura, conforme o professor de marketing do Insper, Silvio Abrahão Laban Neto, faz com que o corretor de seguros se diferencie de seus concorrentes. Até mesmo porque, lembra ele, as grandes empresas ainda que tenham mais funcionários para tocar a operação de venda de seguros – no caso dos grandes bancos, os gerentes de agências não conseguem ter o mesmo nível de proximidade e humanização de um corretor de seguros.

O grande competidor tem várias vantagens e mais recursos para investir. Por outro lado, tem de seguir mais regras, fora a dificuldade de implementar determinadas ações de aproximação com o cliente. “É um engano pensar que porque é pequeno não é possível se diferenciar e fazer frente à concorrência. O pequeno tem de se posicionar e buscar diferenciação, focando no público que deseja atender”, diz Neto, do Insper.

Atendimento tem sido a palavra de ordem para Bidin e seu sócio na Boschi Corretora. Segundo ele, não cabe ao cliente saber o que ou como o corretor desempenha a sua função, mas porque a faz e a importância desse papel, que é intermediar todas as relações do segurado com a seguradora, defendendo seus interesses. Uma saída para driblar a concorrência e fugir do verdadeiro leilão que os consumidores fazem para contratar seguro é apostar em nichos que são menos olhados pela maioria.

Bidin admite que cerca de 80% de sua produção vêm do seguro de automóvel, mas que como não se sabe o rumo do mercado nos próximos anos, devido à multiplicação de plataformas digitais, tem diversificado sua carteira a partir de ramos como risco de engenharia, de obras, educacional junto a escolas da região do ABC, em São Paulo, e ainda vida resgatável. “Temos ainda o cenário do País, no qual muitos brasileiros passam por dificuldades, tendo de matar um leão por dia para manter sua empresa aberta, pagar contas e impostos. Quando você chega para tratar de uma renovação de seguros tudo o que o cliente vai fazer é buscar no mercado uma condição melhor”, acrescenta Bidin.

Esse atendimento consultivo por parte dos corretores de seguros sustenta a visão de seguradoras independentes de que esses profissionais são não apenas fundamentais bem como devem se perpetuar nos próximos anos como o principal canal para a venda de apólices no Brasil. O presidente da Porto Seguro, Roberto Santos, que assumiu o comando da companhia há seis meses, destaca que embora os consumidores recorram à internet para pesquisas na hora de renovarem seus seguros, ainda não se utilizam somente dos aparatos tecnológicos para fecharem negócios. Até mesmo nas corretoras de seguros digitais, o contato humano ainda se faz presente.

“No máximo 10% das vendas fechadas de uma aponta a outra são feitas sem interseção de um contato humano. Até mesmo nas operações de bancassurance, a venda de seguros passa por uma pessoa, um especialista. Não vejo como uma ameaça. O corretor é fundamental”, diz Santos.

Na Porto Seguro, o canal corretor – formado por um exército de cerca de 30 mil profissionais de diferentes tamanhos, representa 95% das vendas da seguradora. Santos afirma, inclusive, que não vê essa proporção se reduzindo a despeito da parceria com o Itaú, da qual ele não tece comentários sobre os novos produtos, e também o avanço das vendas digitais no mercado de seguros. Tanto é que, conforme ele, a seguradora tem elevado o investimento no canal corretor. Sem revelar números, o presidente da Porto Seguro garante que a companhia busca de maneira incessante mais eficiência para melhorar e facilitar o dia a dia do corretor de seguros.

O presidente da Sompo Seguros, Francisco Caiuby Vidigal Filho, lembra que o índice de participação do mercado de Seguros no PIB brasileiro dobrou em dez anos, passando de cerca de 3% em 2008 para uma faixa entre 6% e 6,5% com ajuda, sobretudo, do corretor de seguros. “É lógico que houve a contribuição dos demais agentes do mercado, como seguradoras etc, mas esse feito foi alcançado, em grande parte, pela atuação dos corretores de seguros”, enfatiza o executivo.

Embora a evolução tecnológica tenha facilitado muito a busca e troca de informações, ele acredita que ainda se faz necessária uma orientação adequada de um especialista para se contratar um seguro. Além disso, é esse especialista que vai identificar a necessidade de um segurado contratar outras modalidades ou adequar as coberturas e limites de indenização no endosso de sua apólice. Com cerca de 23 mil corretores distribuídos por todo o País, a Sompo prega a política de “Portas Abertas”, tendo neste profissional o seu principal canal de venda de seguros no País. Assim como a Porto, não abre os investimentos aportados. Mas, Vidigal garante que a companhia japonesa, que no Brasil comprou a Marítima Seguros, segue destinando recursos substanciais para que esse “campo continue fértil”.

Experiência versus venda

Mudanças vistas no perfil do consumidor que podem impactar determinados mercados, no caso da venda de seguros, caso bem desempenhada, têm chances até mesmo de ter efeito positivo. Isso porque, conforme o especialista em empreendedorismo do Sebrae Nacional, Enio Pinto, a exemplo de serviços como o do aplicativo de mobilidade Uber e o de reserva de hospedagem Airbnb, as pessoas buscam na atualidade experiências com benefícios agregados.

Procuram jornadas, conforme ele, que sejam fluídas, isto é, sem atrito, e o corretor, no caso da venda de seguros, é quem pode desempenhar esta função desde o momento inicial do relacionamento com o cliente até o pós-venda. E não para por aí. “O sucesso não é mais medido pelo volume de vendas. Se um corretor vender seguro para o cliente e na hora que ele acionar sua apólice não tiver sucesso, o fato de já ter vendido e embolsado o lucro não significa que ele teve sucesso”, explica o especialista do Sebrae, acrescentando que o que vale nos dias de hoje é o conceito “customer success”, que prega que o sucesso é o sucesso do cliente.

Do lado de quem vende, conforme Marcelo Ortega, também mudou o pensamento estratégico. O gestor e o vendedor têm de andar juntos para que sejam os principais fomentadores de lucro e não de desconto. “No passado, bastava ser comunicativo e bonachão, hoje, tem de ser um estrategista empreendedor, um estudioso incessante e com enfoque absoluto em mitigar riscos e criar oportunidades onde não existem”, conclui Ortega.

Nada de agente

Embora o agente de seguros, replicando o modelo visto em mercados mais maduros ao redor do mundo, tenha estado mais em voga, as seguradoras que têm como principal canal de distribuição o corretor não veem essa figura ganhando corpo no Brasil, ao menos, por ora. O assunto ganhou mais abertura nas últimas gestões da Superintendência de Seguros Privados (Susep) e tem simpatia junto ao órgão regulador do mercado, conforme fontes ouvidas por Apólice.

Para Santos, da Porto Seguro, um profissional exclusivo de uma seguradora nos dias de hoje não faz sentido, principalmente, considerando a visão cliente uma vez que o corretor trabalha para atender às suas necessidades conforme todo o portfólio de produtos do mercado e não de apenas uma companhia. Já Vidigal, da Sompo, afirma que a despeito de a figura do agente de seguros já ser observada em diversos mercados pelo mundo, não vê esse profissional se propagando no mercado de seguros doméstico num futuro próximo.

Manuela Almeida
Revista Apólice

* matéria originalmente publicada na edição 237 (outubro de 2018)

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