A Doença de Alzheimer (DA) já foi descrita há mais de um século, no entanto, devido a sua complexidade e heterogeneidade, ainda há dificuldades em seu diagnóstico precoce e tratamento, assim como incertezas com relação a sua patogênese. Serão abordados, no presente artigo, a visão da doença propiciada pelas pesquisas – em particular a interação entre as proteínas β-amiloide, tau fosforilada e a doença dos pequenos vasos cerebrais –; biomarcadores, técnicas de imagem que auxiliam no diagnóstico de demência; a definição de CCL; e os fatores de risco da DA. Também se discutirão áreas para a eventual modificação da doença por meio de medicamentos.
Segundo os epidemiologistas, a DA, o tipo mais comum de demência, deverá ser a “epidemia do século XXI”. No caso dos indivíduos assintomáticos, o risco de desenvolvê-la aos 65 anos é de 10.5%. Em todo o planeta, o crescimento populacional dá-se de tal maneira que a coorte com maior propensão para o desenvolvimento da doença também será, nos próximos 30 anos, o segmento em expansão mais acelerada. De acordo com as previsões do U.S. Census Bureau [Agência do Censo dos EUA], 88 milhões de americanos terão mais de 65 anos em 2050. Em nível mundial, essa faixa etária deverá atingir 1,6 bilhão de pessoas no mesmo ano. Além disso, prevê-se que, na Ásia e na América do Sul, o grupo acima dos 80 anos quadruplicará no mesmo período.
Em 1906, o Dr. Alois Alzheimer descreveu os sintomas clínicos de uma mulher com demência pré-senil, assim como, por meio de uma autópsia, as alterações histológicas cerebrais da paciente, que ainda são os critérios clínicos definidores da DA e o foco da pesquisa sobre a enfermidade: placas amiloides e emaranhados neurofibrilares.
Há 30 anos, identificou-se a proteína específica formadora daquelas estruturas, a qual resulta da clivagem da proteína precursora amiloide (PPA), que se liga à membrana celular por razões ainda não totalmente esclarecidas. Após a quebra da PPA em fragmentos independentes por secretases, a molécula da proteína β-amiloide é cortada em ambas as extremidades e, uma vez liberada para fora do neurônio, começa a agregar-se a outras partículas semelhantes, constituindo assim oligômeros, que se crê sejam os principais componentes das referidas placas. A eles e aos conglomerados mal-enovelados, vão-se adicionando, de maneira gradual, outras proteínas que formam placas insolúveis. Cabe ressaltar que o acúmulo de placas amiloides pode preceder os sintomas clínicos em até 20 anos.
Os emaranhados neurofibrilares compostos de proteína tau, a segunda característica histológica da DA, fazem parte da rede microtubular dos neurônios. A garantia da estabilidade estrutural dos axônios e o transporte, do corpo celular neuronal a eles, de nutrientes e vesículas de neurotransmissores são as funções dessa proteína. O distúrbio dessa rede microtubular dá início a um processo destrutivo caracterizado pelo acúmulo de tau hiperfosforilada e pela agregação de fibrilas de tau, que acabarão por formar, dentro da célula, emaranhados que levarão à disfunção das sinapses, a qual, juntamente com a perda delas, é o resultado mais associado ao declínio cognitivo dos portadores de demência. De fato, esse decaimento progressivo é o principal sintoma desse estágio da doença, estando intimamente relacionado a um diagnóstico clínico da evolução de CCL para demência.
Em 2011, o National Institute on Aging (Instituto Nacional do Envelhecimento) e a Alzheimer’s Association (Associação de Alzheimer), ambos dos EUA, criaram um grupo de trabalho com a finalidade de revisar os parâmetros diagnósticos do CCL resultante da DA. Para tanto, examinaram-se os critérios clínicos, cognitivos e funcionais com vista a conferir maior precisão ao processo, assim como a avaliar o risco do eventual desenvolvimento da enfermidade. A identificação dos pontos de transição entre as fases assintomática e sintomática foi facilitada pelo emprego, em combinação com os critérios clínicos do CCL, de ferramentas de triagem cognitiva, biomarcadores e estudos de imagem.
A detecção precoce do estado de pré-demência é importante tanto para a intervenção terapêutica quanto para o estabelecimento de referências para a progressão da doença8. Caracterizado por alterações da cognição observadas seja pelo paciente, seja por outras fontes confiáveis, o CCL é diagnosticado com base em um declínio mensurável dessa função em um ou mais domínios a ela relacionados, o mais importante sendo a perda de memória uma vez que a debilitação da episódica está associada ao risco de progressão para DA8.
A avaliação cognitiva é fundamental para o diagnóstico do CCL. Os testes de aprendizado de listas de palavras, de Memória Lógica I, II; a Escala de Memória de Wechsler; os subtestes Reprodução Visual da Escala de Memória de Wechsler I e II são alguns dos meios empregados na detecção de déficits da capacidade de aquisição e retenção de novas informações, assim como de redução da memória episódica. Também é importante fazer avaliações adicionais de todos os domínios cognitivos já que nem todos os portadores de CCL apresentam redução da memória episódica. Em geral, o desvio-padrão da pontuação desses pacientes é de 1 a 1,5 abaixo da de pessoas da mesma faixa etária e nível de escolaridade. Para completar o diagnóstico de CCL, também é fundamental a investigação de outras causas do problema (inclusive eventuais fatores vasculares, traumáticos e toxicológicos), as quais devem ser avaliadas para definir a probabilidade de alguma doença neurodegenerativa com características compatíveis com a DA.
Para ler o restante do artigo, acesse o link.
Sobre a autora
Lisa Duckett é vice-presidente e diretora-médica da RGA