Ultima atualização 22 de setembro

Genoma, prevenção de doenças e suas questões éticas

Evento promovido pela ANSP e apoiado pelo CVG-RJ abordou os benefícios e pontos conflituosos da adoção do genoma pelo mercado de seguros

genoma

Sob os pontos de vista médico, jurídico e técnico, um ponto é unanimidade quando o assunto é genoma: ele deve ser utilizado para melhorar a qualidade da vida humana, nunca para criar limitações. O tema foi abordado pela médica Marisa Gazel, pelo advogado Paulo André Minhoto e pelo atuário e consultor Sergio Rangel no Café com Seguro, da ANSP. O evento aconteceu nesta quarta-feira, 21 de setembro, e contou com mediação do presidente do CVG-RJ, Marcello Hollanda. “Em 2007, quando o projeto genoma ainda estava em desenvolvimento e muito ainda havia a ser descoberto, o clube publicou em sua revista uma reportagem especial sobre os seus impactos no seguro de pessoas”, lembrou o executivo.

Nove anos depois, os desafios ainda são grandes. Marisa explicou que, hoje, o exame de DNA é utilizado, principalmente, para diagnosticar doenças em pacientes que apresentam determinados sintomas. “Ele também é realizado para identificar cadáveres, em suspeitos de crimes sexuais, testes de paternidade e durante o pré-Natal”, listou. O caso mais polêmico, entretanto, é o de pacientes assintomáticos, mas com doenças em seu histórico familiar. “O exame indica se o paciente tem ou não a mutação genética, mas nem sempre o resultado positivo significa que ele desenvolverá a doença”, explica a médica.

Para tratamentos, ela informa que, “mesmo ainda sendo caro, o procedimento elimina a necessidade de diversos outros, pois garante diagnósticos precisos, além de permitir que ações sejam tomadas antes que doenças se manifestem”, aponta Marisa. Foi esse o caso da atriz Angelina Jolie, que, após perder familiares para o câncer de mama, retirou mama, ovários e trompas. “Ela tinha 90% de chance de desenvolver a doença”, diz a doutora.

Por outro lado, emergem questões relacionadas à discriminação que pode ocorrer por conta do código genético, como em casos de HIV. Marisa diz que, em 1998, a Unesco proibiu esse tipo de prática. Mas, para ela, “considerando os formulários usados para aceitação de segurados, que já têm o objetivo de classificar as pessoas em classes de risco, a utilização do genoma não mudaria tanto a situação”. Ela exemplifica citando perguntas sobre a data de falecimento dos pais, doenças de familiares etc.

Já na visão de Paulo André Minhoto, é preciso tomar cuidado com os impactos de um procedimento médico sendo utilizado em atividades comerciais. “Apenas 10% das doenças detectáveis pelo exame não têm cura. Ou seja, a maioria não serve para cálculo de riscos, pois depende de fatores externos ao indivíduo”, argumenta. Segundo ele, o assunto envolve questões como autonomia, consentimento e dignidade. “A identificação de um risco pode interferir na vida não só do paciente, como na de seus parentes. E usá-lo como fator de precificação de seguro seria alienar o direito universal à dignidade, pois criaria grupos humanos distintos”, opina.

A doutora Marisa lembrou também, em sua palestra, que a confidencialidade é garantida no país, e em países do G8 e da Europa existe uma lei que protege o cidadão, desobrigando-o da declaração de doenças. No Brasil, a norma não vigora. “Mesmo assim, é preciso frisar que o seguro depende do mutualismo. Se o paciente tem acesso ao exame e a seguradora não, acontece o que se chama de seleção adversa, em que uma parte tem informação privilegiada”, explica. Minhoto concorda, mas aponta que o contrato de seguro tem como base o princípio da boa fé.

Em termos técnicos, fatores como o limite da longevidade podem ser aperfeiçoados com o advento do projeto genoma. “A genética pode ser responsável por até 25% de nossa esperança de vida”, diz o atuário Sergio Rangel. A análise do DNA permite a definição da idade biológica de um indivíduo, que, segundo o especialista, substituindo a cronológica, seria mais adequada à precificação de prêmios. “O cálculo atuarial da Previdência Privada, por exemplo, se baseia nessa variável, que é aleatória”, explica Rangel.

Além disso, o segmento vem experimentando a melhora da mortalidade, que requer mais recursos. “Como financiar os segurados em uma situação de desequilíbrio do mutualismo, no qual os que vivem mais são financiados pelos que vivem menos, pois todos passam a viver mais?”, questiona. Para ele, a genética pode ajudar a prever o que está por vir.

“O exame permite ainda atenuar, atrasar e até evitar doenças”, acrescenta. Voltando ao caso de Angelina Jolie, ele lembra que as despesas com exames ou procedimentos que seriam feitos por ela no futuro foram antecipados, e com isso o custo foi menor. Essas e outras mudanças afetarão, na opinião do consultor, a forma de atuação dos atuários. “Modelos preditivos já utilizados levam em consideração fatores que vão muito além de idade e sexo, como hábitos, saúde familiar, IMC e educação, que, como a genética, definem melhor a mortalidade”, alega Rangel.

Dilema do genoma

O grande dilema fica por conta de que modelo adotar. Há o de risco coletivo, em que se usa a solidariedade para calcular uma média de preço, ou o individual, ajustado aos riscos pessoais, que em muitos casos poderia ser comparado à discriminação. De qualquer forma, ele frisa que todos têm o direito de saber se possuem doenças, mas também o de não saber. “Essa é uma questão ética e legal”, conclui.

Participaram do encontro os diretores da ANSP José Américo Peón de Sá e Edmur de Almeida, o vice presidente do CVG-RJ, Carlos Ivo Gonçalves, o diretor executivo do Sindseg-RJ/ES, Ronaldo Vilela, e a diretora de ensino técnico da Escola Nacional de Seguros, Maria Helena Monteiro, entre outros.

A.C.
Revista Apólice

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