Em 2015, pela primeira vez desde o início da série histórica, o número de beneficiários de planos médico-hospitalares decresceu 1,5% conforme número divulgado recentemente pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Esse resultado indica um novo momento e impõe diferentes desafios para o setor de saúde suplementar no país, que mesmo em 2009, quando a economia brasileira recuou 0,1%, registrou crescimento de 2,6%.
Essa nova realidade se dá, sobretudo, pelo aumento nos índices de desemprego no país em 2015, quando mais de 1,5 milhão de pessoas perderam seus empregos e, forçosamente, tiveram que abrir mão de seus planos de saúde. Com o consequente aumento na contenção de despesas das famílias é de se esperar que o indivíduo que possui boas condições de saúde tenha maior probabilidade de cancelar o contrato de plano de saúde em relação àquele beneficiário que necessita de mais cuidados e que, portanto, tende a optar por fazer esforço financeiro e permanecer com o convênio. Essa situação obviamente gera desequilíbrio financeiro e inviabiliza a comercialização do plano de saúde.
Há diversas variáveis que influenciam no preço dos produtos das operadoras, como a judicialização, fenômeno que tem crescido a cada ano favorecendo uns em detrimento de outros, principalmente na saúde pública. Além disso, há fraudes, desperdícios, introdução massiva de tecnologia e o envelhecimento da população pressionando os custos. Em momentos de crise econômica, pesa muito a defasagem nos preços causada por distorções financeiras, sob o risco de comprometer a sustentabilidade do setor de saúde.
É importante observarmos que o ticket médio ou a mensalidade média do plano de saúde avançou em termos nominais 89% desde 2008, passando de R$ 124 para R$ 235. No mesmo período, a inflação médico-hospitalar, medida pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), foi de 148%.
Estes números retratam situação amplamente difundida no setor – a mensalidade dos planos de saúde avançam mais do que o índice geral de preços, mas bem menos do que o aumento dos custos médico-hospitalares, criando o desequilíbrio econômico-financeiro.
Se a mensalidade dos planos tivesse acompanhado o aumento de custos, medido pela Variação dos Custos Médico-Hospitalares – VCMH/IESS, o valor em 2015 seria de R$ 301 ao invés de R$ 235. Ou seja, há uma defasagem de pelo menos 28%, que somente poderia ser corrigida via reajuste. Para evitar onerar excessivamente os beneficiários, além de diluir este “gap”, as operadoras procuram trabalhar também na redução de desperdícios e aumento de eficiência de modo a controlar o aumento futuro de custos.
Sob essa perspectiva, inclusive, as ações das operadoras para contenção do custo administrativo tem surtido efeito positivo e contínuo nos últimos anos. As despesas administrativas e operacionais, que já foram responsáveis por quase 30% do valor arrecadado em 2007, foram reduzidas para algo em torno de 20% em 2015.
Se as operadoras foram capazes de enxugar a operação e reduzir em 33% a fatia destinada às despesas administrativas, o próximo passo, já bastante discutido no setor, é a busca por redução de desperdício também na prestação de serviços de saúde, com adoção de boas práticas, segunda opinião médica, compartilhamento de risco com prestadores e análise prévia de custo-efetividade para a incorporação de tecnologia. A diferença é que esta última tarefa não depende apenas das operadoras, mas também principalmente do envolvimento dos demaisplayers deste mercado.
Além disso, é preciso rever o modelo de remuneração do setor. Atualmente, as operadoras trabalham com o sistema fee for service, onde hospitais, laboratórios e clínicas são remunerados por procedimentos executados. Com a VCMH batendo índices que estão acima da inflação, está claro que este sistema prejudica a sustentabilidade dos planos de saúde.
Há como alternativa o DRG (Diagnosis Related Group ou Grupo de Diagnósticos Relacionados), uma metodologia de elaboração de pacotes onde os principais ganhos são a comparação entre a assistência realizada por diferentes prestadores, facilitando as medições de desempenho e a gestão, e a padronização do tratamento, o que aumentaria a qualidade assistencial e reduziria as intercorrências hospitalares.
Os países desenvolvidos da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) já adotam o DRG ou outro modelo similar há mais de três décadas, o que possibilitou a redução de 25% do orçamento hospitalar da Alemanha no período de 2005 a 2009. Nos Estados Unidos, pesquisadores verificaram que, em um período de três anos, a remuneração baseada no sistema reduziu o custo médio das internações em até 50%, assim como, o custo médio de internações agudas de longa duração em 24%.
Trata-se, portanto de uma agenda positiva que interessa a todo o setor de saúde público e privado e, principalmente, à população, necessitada de melhor atendimento médico-hospitalar.
* Pedro Ramos, diretor da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge)