Ultima atualização 25 de junho

Impacto do quantitative easying do Banco Central Europeu na indústria re/seguradora

Apólice 196 – O ano de 2015 começou agitado para as companhias de seguros e de resseguros da Europa. Preocupado com a estagnação econômica que toma conta da zona do euro já há alguns anos e com o fantasma da deflação que ronda o Velho Continente, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou em janeiro um plano financeiro superambicioso de compra de títulos das dívidas públicas dos países com o objetivo de injetar dinheiro na economia – o chamado quantitative easying. Quanto? 1,1 trilhão de euros até setembro de 2016. A ideia é que essa dinheirama toda, quase metade de todo o PIB brasileiro, estimule a geração de investimentos e empregos e faça o povo europeu consumir mais, aquecendo a economia e mandando o risco de deflação para bem longe. Em resumo, a autoridade monetária vai imprimir euro a se perder de vista com a esperança de que este trilhão gire as rodas da economia com alguma vitalidade.

E o que tudo isso tem a ver com a indústria seguradora e resseguradora europeia? É que boa parte do dinheiro que as empresas recebem dos prêmios de seguros e resseguros vai para investimentos financeiros, formando reservas imensas para garantir que não falte na hora de honrar os sinistros. Muitos desses investimentos são em títulos de governos, os mesmos que o BCE está atrás. O quantitative easying é um dos temas mais falados do momento no setor e continuará sendo por um bom tempo. O que todos estão querendo descobrir é qual o impacto para as empresas, como o movimento do BCE afetará a carteira de investimento delas, já afetadas por retornos baixos nos últimos anos, devido à taxa de juros perto do zero na zona do euro.

Martin Senn, CEO global da Zurich, uma das maiores seguradoras europeias, com lucro operacional de US$ 4,6 bilhões em 2014, adiantou que não venderá nada para o BCE pois prefere esperar que os títulos em posse da companhia “fiquem maduros” antes de colocá-los à disposição do mercado. O problema em simplesmente vender, segundo Senn, é o próximo passo: em que investir depois, já que os títulos de governos são os mais seguros, mas oferecem retorno muito baixo, em muitos casos até retorno negativo. Por isso, ele classifica o atual momento para o setor de seguros na Europa de desafiador.

“Os desdobramentos [das medidas do BCE] são desafiadores para a indústria como um todo. Nós prevemos taxas de juros em queda por algum tempo e isso traz um desafio para a gente, pois boa parte do retorno financeiro das seguradoras está nos títulos públicos”, comenta Senn.

Onde o executivo da Zurich vê um cenário desafiador, o chefe da área financeira da Munich Re, Jörg Schneider, enxerga um quadro de risco. Para ele, a ação do BCE é errada e vai forçar investidores institucionais, como seguradoras e resseguradoras, a outras opções de investimentos, mais arriscadas. “Eu acho que a política do BCE de comprar títulos do governo está errada. Poupadores e investidores institucionais de longo prazo são atingidos em igual medida, sendo conduzidos a formas mais arriscadas de investimento. Além disso, essa política não fornece suficiente certeza de efetividade, colocando o BCE numa situação de esgotamento de sua munição antes de dar oportunidade à economia europeia demonstrar seu potencial de recuperação”, opina Schneider.

Um executivo de uma importante seguradora inglesa, que prefere não se identificar, diz que a nova política do BCE é má notícia para o setor e tornará mais complicado o cumprimento das regras de Solvência 2, que obriga as empresas a terem maior reserva de capital. “A viabilidade de muitas seguradoras do ramo de property & casualty dependem de um bom retorno e elas estão sob pressão maior agora, pois precisarão realocar investimentos para dar conta das demandas exigidas pelas regras de Solvência 2. Será preciso, em primeiro lugar, continuar a construir e gerenciar carteiras diversificadas, incorporar oportunidades fora da Europa e, por último, olhar para cinco premissas de investimento: crédito, liquidez, duração, alavancagem e estrutura. O setor segurador europeu terá muito trabalho do lado financeiro neste ano, sem poder descuidar do essencial, que é a comercialização de produtos e oferta de serviços sempre melhores”, analisou a fonte.

Diversificação de investimentos parece ser a bola da vez num contexto de quantitative easying e taxas de retorno financeiras em baixa. O CEO da Munich Re, Nikolaus von Bomhard, tenta amenizar as críticas do colega. “Depois de vários anos de taxas de juro em baixa, estamos perseguindo a estratégia de obter resultados principalmente com produtos de seguros e resseguros e não através do investimento de capital. Estamos nos esforçando para diversificar ainda mais os nossos investimentos e estamos investindo mais em classes de ativos alternativos, como infraestrutura”, pondera von Bomhard.

De acordo com Stefan Holzberger, director de análises da A.M. Best, agência de classificação de risco especializada no mercado segurador, o setor como um todo está seguindo o exemplo citado pelo CEO da Munich Re e diversificando os portfólios. “O ambiente de baixo rendimento em papeis de governos nos últimos anos levou as empresas a buscarem investimentos alternativos. Os mais conhecidos são empréstimos comerciais diretos, investimentos em projetos de infraestrutura e em energias renováveis. Atualmente, a destinação de capital para essas classes alternativas ainda é pequena no ramo segurador, mas esperamos que a tendência de crescimento continue dadas as atuais dificuldades. Além disso, as empresas serão forçadas a manter maior disciplina nas vendas, passarão a contar mais com os corretores, pois muito pouco ganho virá da carteira de investimentos financeiros”, diz Holzberger.

O analista da A.M. Best atenta para o fato de que as empresas podem também tirar vantagem dos efeitos do quantitative easying do Banco Central Europeu pela perspectiva cambial. Com a enxurrada de recursos chegando de forma artificial, é praticamente certo que o euro perderá valor. A cotação da moeda já vem sofrendo apenas com a expectativa do início das injeções mensais de dinheiro, chegando no menor valor em relação ao dólar em quase dez anos. “A queda do euro significa que grupos seguradores internacionais, com sede na União Europeia, se beneficiarão quando converterem seus ganhos em dólares ou em libras esterlinas, por exemplo, para o euro”, explica Holzberger.

O analista financeiro Michael Heise, da Allianz, acrescenta que as empresas poderão desenhar suas estratégias financeiras com alguma previsibilidade, já que as compras de títulos do BCE têm uma programação mensal e vão fornecer liquidez ao mercado até o final de 2016.

Diante de tanta agitação, um ponto parece ser certo para as seguradoras e resseguradoras da zona do euro: a iniciativa do BCE só confirma que o tempo de rendimentos fáceis ou de dois dígitos no setor financeiro para ser incorporado ao o fluxo de caixa das seguradoras está definitivamente para trás, num passado recente; agora é tempo, mais do que nunca, de focar nos produtos, nos serviços e, como aconselhou o especialista da A.M., nos corretores.

Coluna Direto de Londres, por Luciano Máximo, jornalista, é repórter licenciado do jornal Valor Econômico, cobriu o setor de seguros e resseguros na Gazeta Mercantil

REVISTA APÓLICE – EDIÇÃO 196

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