Ultima atualização 29 de outubro

De olho no sintoma, e não na causa

O imbróglio do programa Mais Médicos do governo federal vem causando, juntamente com outros tópicos quentes na política nacional, certa comoção pública. Trata-se de mais uma tentativa para resolver alguns dos mais persistentes problemas da saúde pública nacional: a falta de profissionais da saúde em locais mais pobres e nos rincões deste grande país, onde as condições de trabalho são, invariavelmente, inóspitas. Entretanto, a falta de médicos é um sintoma – o foco mais visível de um problema estrutural – e não uma causa, o que indica que o programa terá muitas barreiras para cumprir o objetivo – garantir saúde.
A situação nesses polos negativos da saúde pública, em geral, advém de três fatores. Dois deles são obviedades ululantes, enquanto o outro é um problema de proporções globais e pode ser verificado apenas com um olhar mais estratégico. Infelizmente, a escassez de recursos – fato básico da vida humana, diriam os economistas – atinge de maneira mais virulenta as localidades distantes dos grandes centros urbanos, o que inviabiliza investimentos em instalações decentes e nos materiais mais básicos.
Em condições verdadeiramente improvisadas, é praticamente impossível para qualquer médico, formado onde quer que seja, conseguir desempenhar o mínimo necessário para suas funções, colocando, assim, a vida de uma comunidade inteira em risco. O mesmo ocorre nas periferias de metrópoles, tão ou quase drasticamente atingidas pelo descaso público com a falta dos aportes necessários.
Outro entrave é que, em boa parte das vezes, essas localidades são palco do estado de natureza hobbesiano redivivo: ali, a voz mais forte comanda e a insegurança impera. É necessária uma dose de coragem muito grande para que os médicos formados nas grandes universidades deixem seus postos, onde atuam de maneira bem mais efetiva, para correr riscos e aceitar o fato de que sua atuação, sem as condições mínimas de segurança e práticas médicas ideais, pode vir a arriscar a vida de seus pacientes. Esses dois tópicos, conjugados, materializam um paradoxo imponente: os salários oferecidos em situações como essa já eram, antes do Mais Médicos, de alguma forma atraentes, mas que nem assim ajudou a ocupar devidamente os postos vagos.
O último ponto, quiçá o que mais consome recursos – que estariam mais bem investidos nos tópicos apresentados anteriormente –, são os resultados de estilos de vida que levam milhões de vidas ao caminho das doenças crônicas, de tratamento caríssimo e que diminuem a produtividade da economia nacional. São prognósticos que poderiam ser evitados com a devida prática de Gestão de Saúde Populacional (GSP), jargão que diz respeito à promoção de comportamentos saudáveis com o devido acompanhamento especializado.
O conceito de GSP é simples e intuitivo. Ele propõe a troca dos cuidados reativos (quando a doença já se instalou) pelos preventivos; ele altera o padrão de visitas aos consultórios apenas em situação extrema por um acompanhamento sazonal, rotineiro; e, por fim, tem como propósito mudar os comportamentos dos colaboradores com vistas a estilos de vida mais saudáveis. O desafio é convencer a sociedade que se trata de um investimento para a comunidade e não de um gasto. É um investimento na modificação de comportamentos dos cidadãos, para que estes passem, por exemplo, de sedentários com sobrepeso e como conseqüência, cronicamente doentes, para indivíduos com estilos de vida mais saudáveis.
Pela camada mais superficial e aparente, o benefício mais óbvio dessas práticas é a redução, no médio prazo, dos gastos com tratamentos, já que será menor a utilização dos serviços médicos, o que costumamos chamar de sinistralidade.  Já com o olhar mais atento ao custo indireto, o absenteísmo e o presenteísmo podem ser reduzidos drasticamente. Atualmente, chega-se a gastar 2,3 vezes a mais com a improdutividade do que com o tratamento direto.
Enquanto melhoramos a qualidade do dia a dia dos brasileiros, tornando o local de trabalho mais produtivo, atuamos positivamente, e não apenas negativamente, como costuma ocorrer com investimentos em saúde. Resultados ótimos seriam atingidos apenas com a atenção a todo esse cenário. Mas o fato é que essas soluções são de longuíssimo prazo e, nas atuais condições, dependeriam de uma cooperação entre o governo e as entidades privadas, assunto que, por si só, pode gerar muita discussão.

 

*Paulo Marcos é medico CRM 20351 RJ – formado em 1974 na UFRJ – com residência no hospital do INAMPS e concursado INAMPS / SUS 1997 em clinica medica e terapia intensiva e atual  presidente da Aliança para a Saúde Populacional (Asap)

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