O mercado de seguros brasileiro cresce de forma impressionante, somente em 2011, as seguradoras brasileiras faturaram cerca de 105 bilhões de reais, volume 16,6% superior a 2010.
Entretanto, uma área que cresce paralelamente está sendo objeto de deslealdade e injustiça há anos – a corretagem de seguros.
O Código Civil regulamenta a corretagem e a lei nº 4.594/64 conceitua a profissão do corretor de seguros, mas é no artigo 725 daquele código que se encontra o critério para sua remuneração:
“A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes.”
No entanto, o que se verifica é que muitas vezes, por mais que o corretor tenha praticado todos os atos de mediação, a comissão lhe é tolhida pela companhia seguradora. Isto ocorre, principalmente, quando o segurado deixa de pagar alguma parcela do prêmio estipulado pela seguradora.
Para facilitar a transação, as seguradoras recebem o prêmio com o acréscimo da comissão e a repassa para o corretor quando o contrato é finalizado, isto é, quando ocorre a emissão da apólice.
Ocorre que, na prática, mesmo tendo sido prestado o serviço de corretagem e a apólice emitida pela seguradora, caso o segurado deixe de pagar uma das parcelas do prêmio, o corretor é obrigado a devolver à seguradora a comissão que recebeu, de forma proporcional.
Nada mais desleal se apresenta, pois o serviço de corretagem foi feito e o contrato foi celebrado. Não há o que se confundir, a função da seguradora é garantir o segurado, mediante pagamento de prêmio e a função do corretor é intermediar a contratação do seguro, e uma vez emitida a apólice, encerra a função do corretor. Caso o segurado não pague o prêmio, é o segurador quem deve agir de forma a recebê-lo ou suspender a garantia oferecida até que o segurado pague o restante devido.
O corretor não pode ser obrigado a cobrar cada segurado que estiver em atraso com as parcelas do prêmio, pois esta função é da seguradora. Por outro lado, se ninguém cobrar o segurado e ele não pagar a parcela do prêmio, o corretor não receberá sua comissão, o que os forçam a cobrar os segurados em nome da seguradora.
Ora, é cediço que a pessoa jurídica responsável pelo recebimento e cobrança de prêmio é a seguradora e não a corretora de seguros. Se assim não fosse, o corretor poderia ser confundido como um empregado da seguradora, infringindo a lei 4.594/64. Portanto, no que tange ao corretor, sua função é atingida pela assinatura da proposta e emissão da apólice ou certificado do seguro.
Não se pode esquecer que a comissão é a remuneração dos serviços prestados pelos corretores, é a fonte de renda de seu trabalho e não pode ser devolvida em caso de inadimplência de qualquer das partes que ele aproximou.
É de conhecimento geral que a remuneração pelos serviços prestados pelo corretor é constituída por uma porcentagem do valor do prêmio pago pelo segurado. Mas também sabe-se que a garantia securitária lhe será suspensa ou até cancelada caso atrase ou não efetue o pagamento do prêmio à seguradora, deste modo, é a própria seguradora quem deve buscar o recebimento do prêmio ou então suspender e/ou cancelar a apólice. Jamais o corretor poderá responder pelo descumprimento da obrigação do segurado.
A restituição da comissão fere a dignidade do corretor de seguros, mas as companhias de seguro assim o fazem até hoje, sem o menor pudor. Tal restituição tinha respaldo legal – Art. 19 da Circular Susep nº 429/2012[2]. Mas, diante do absurdo que este artigo trazia, tanto com relação ao seu conteúdo, quanto pela desconformidade legal, uma vez que afrontava o Código Civil, foi revogado pela própria Susep na circular nº 436, de 31 de maio de 2012:
Circular SUSEP 436 de maio de 2012: RESOLVE:
“Art. 1º Revogar o artigo 19 da Circular Susep nº 429, de 15 de fevereiro de 2012.”
Nada mais justo com relação à profissão do corretor, que contribui imensamente para o crescimento deste mercado tão promissor.
Ainda, sob o aspecto legal, imperioso se faz analisar a questão das circulares que foram emanadas pela Susep, confrontando-as com a lei 4.594/64.
As Circulares da Susep não são leis ordinárias ou complementares, aliás, nem lei são. Deste modo, não podem restringir direitos, que somente podem ser dispostos por lei. A circular Susep sequer pode aumentar o texto de uma lei, pois elas só prestam para regular e fiscalizar o mercado. Vale ressaltar que regular é diferente de legislar.
Com a revogação do artigo que permitia a restituição da comissão em caso de cancelamento da apólice, volta-se ao texto legal que disciplina a matéria a respeito da restituição de comissão de corretagem, sendo este o parágrafo 1º, do artigo 13 da lei 4.594/64, que tem a seguinte redação: “Nos casos de alterações de prêmios por êrro de cálculo na proposta ou por ajustamentos negativos, deverá o corretor restituir a diferença da corretagem.” (grifamos)
Com base nesta redação, não há dúvidas com relação ao termo “erro de cálculo na proposta”, mas o mesmo não ocorre com a segunda hipótese “ajustamentos negativos”, que dá margens a diversas interpretações.
Em que pese o respeito ao conhecimento jurídico de pareceristas que escrevem sobre o assunto, como o ministro aposentado Eros Grau, que emanou opinião em um parecer à CNseg entendendo ser possível a restituição de comissão de corretagem em caso de não pagamento de prêmio por parte do segurado, entendemos que, data vênia, o ex ministro não proferiu o melhor entendimento ao assunto.
Sobre a interpretação do termo “ajustamentos negativos”, temos que se trata de uma redução do prêmio em virtude de uma modificação ocorrida na apólice. É o que ocorre quando o prêmio fixado na apólice é reajustado para um valor menor do que foi inicialmente pactuado, por mudanças nas condições do contrato que gerem esta diminuição.
O endosso é sabidamente o meio de modificação da apólice em vigência. Assim, somente se admite a restituição de comissão de corretagem em caso de endossos que modifiquem a apólice, gerado, por exemplo, pela diminuição da importância segurada que, consequentemente, reduzirá o prêmio e assim reduzirá a comissão devida ao corretor.
É simples a questão de interpretação, o que pretendeu a Susep, órgão que tem a função de regular e fiscalizar o sistema de seguros, é garantir ao corretor a justa remuneração pelos serviços prestados ao segurado. Ou seja, se por algum motivo ocorrer a diminuição do prêmio, por exemplo a troca de um automóvel que custava R$ 100 mil por um que custa R$ 60 mil, o prêmio diminuirá e a comissão também. Logo, neste caso, haverá o reajuste negativo de prêmio, consequentemente a comissão poderá ser restituída ou abatida de um próximo contrato intermediado pelo corretor.
Aliás, imperioso se faz informar, ainda, que as Circulares da Susep (revogadas) que admitiam a restituição da comissão mencionavam que somente ocorreria em caso de “cancelamento” ou “devolução de prêmio”, hipóteses bem diferentes de “erro de cálculo na proposta” e “ajustamentos negativos” – únicas hipóteses que constam da lei de 4.594/64.
Percebe-se que se o próprio legislador não se referiu a cancelamento ou devolução de prêmio, não há que se aumentar o alcance das palavras da lei. Assim, a restituição somente é possível em caso de erro de cálculo na proposta e por ajustamento negativo de prêmio (obtido através de endosso), jamais em caso de cancelamento da apólice ou devolução de prêmio.
Diante do exposto, percebe-se que a restituição da comissão é um ato abusivo, desleal e imoral, quando originado pela simples inadimplência do segurado, que deixa de pagar uma das parcelas do prêmio. Sendo certo que o adimplemento do contrato de seguro não é função do corretor de seguro.
Por fim, uma sugestão que se mostra viável ao mercado de seguros, no intuito de aclarar a situação dos corretores é que o segurador estipule na primeira parcela do prêmio o acréscimo da comissão integral do corretor, pois se não houver pagamento das demais parcelas, a comissão pelos serviços prestados está garantida a quem de direito.
Felipe Galesco é advogado, sócio do escritório Galesco Advogados Associados, membro da AIDA e professor de direito securitário na FMU.