As mudanças climáticas, que se traduzem em enchentes, vendavais, tufões, desmoronamentos, estão a cada dia vitimando um número maior de brasileiros. Enquanto governantes do mundo inteiro discutem como resolver essa situação com políticas públicas, os cidadãos comuns buscam se proteger de possíveis prejuízos através de seguros tanto no caso de carros, como de residências. O número de segurados no Brasil ainda é pequeno, apenas 30% da frota de automóveis e 10% das moradias. Especialistas, no entanto, observam sinais de uma mudança de comportamento motivada em parte pelas grandes catástrofes que vêm se sucedendo, principalmente, no Sul e no Sudeste do país.
Mas o consumidor deve ter atenção, pois a cobertura dessas intempéries não faz parte do seguro básico.
– Ao firmar o contrato do seguro, o consumidor deve verificar se há esse tipo de cobertura e também ter atenção às cláusulas de exceção, ou seja, aquelas que o farão perder direito à indenização. Tais cláusulas devem vir em destaque no contrato – destaca Maíra Feltrin, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Cobertura contra alagamento pode ficar mais difícil
Na avaliação de Armando Vergílio dos Santos Júnior, superintendente da Superintendência de Seguros Privados (Susep), muitos deixam de fazer seguros e até de contratar essas coberturas especiais por total desconhecimento: – As questões climáticas estão na ordem do dia e tantas intempéries têm feito as pessoas despertarem para a necessidade do seguro. Já notamos um aumento de procura e a tendência é não só de crescimento do setor de forma geral, como dessas coberturas específicas. No fim do ano passado, aliás, incluímos no seguro habitacional, obrigatório para quem faz financiamento habitacional, a cobertura contra vendaval, desmoronamento, destelhamento, inundação e alagamento – diz Vergílio, acrescentando que em 2009 o setor cresceu 12% em relação a 2008, quando já havia registrado alta de 15%, enquanto a economia brasileira se manteve praticamente estagnado.
A desinformação, diz Leoncio de Arruda, presidente do Sindicato dos Corretores de Seguros, de Empresas Corretoras de Seguros no Estado de São Paulo (Sincor-SP), fez muitos proprietários de automóveis se desesperarem sem razão, achando que não teriam cobertura por alagamento, queda de árvore sobre o veículo em caso de vendaval, por exemplo: – Quem tem seguro total tem cobertura contra alagamento, a não ser que tenha sido negligente.
De janeiro de 2009 a janeiro de 2010, continua Arruda, houve um crescimento de 25% no número de sinistros de forma geral. Com respeito, especificamente, a problemas decorrentes de alagamentos, essa alta foi de 80%. Em relação aos seguros de automóveis, o aumento do risco pode vir a ter impacto no valor do prêmio, diz o presidente do Sincor-SP, que não prevê reflexo semelhante nos seguros de residência: – Para casas, poderá ocorrer alguma restrição, mas não acredito num aumento expressivo de valor.
No Rio, informa Neival Rodrigues Freitas, diretor-executivo da Federação Nacional de Seguros Gerais (Fenseg), os alagamentos frequentes já começam a se refletir em aumentos nos valores dos seguros de automóveis: – A questão do alagamento é algo que vem sendo estudado pelas seguradoras e que traz influências no valor do seguro. No Rio, mais especificamente na Baixada Fluminense, houve vários carros cobertos pelas águas que estavam segurados.
José Carlos de Oliveira, da Comissão de Seguros de Automóveis da Fenseg, estima que o aumento de sinistralidade nas ocorrências de alagamentos pode vir a ter um impacto de 5% sobre os preços dos seguros. No caso dos seguros de residências, o aumento de ocorrências pode inviabilizar esse tipo de cobertura: – Ninguém faz seguro onde é certo ocorrer o alagamento anualmente, isso foge do conceito do seguro. Não é risco, é uma certeza – diz ele. – Da mesma forma, ainda não há cobertura contra terremotos, maremotos, pois ainda não tivemos nenhuma incidência e por isso não há como estimar risco.
É esse problema que estão vivendo os moradores de algumas áreas de Santa Catarina, diz Odair Roders, presidente do Sincor-SC: – Poucas empresas estão aceitando fazer contratos com cobertura de desmoronamento e alagamento.
E, quando o fazem, são com valores pequenos, 10% da cobertura total. Muitas empresas recuaram na oferta desses serviços e estão realizando um estudo para a precificação desse produto.
Mudança de hábitos e mais informação podem segurar preço Janaína Alvarenga, advogada da Associação de Proteção e Assistência aos Direitos da Cidadania e do Consumidor (Apadic), diz que as empresas podem se negar a fazer o contrato, mas não podem deixar de indenizar o consumidor caso o seguro já tenha sido firmado. E alerta: – Quem não tem seguro pode recorrer contra o Estado. É que há áreas, como a Praça da Bandeira, que sempre alagam, ou seja, nas quais o governo já poderia ter feito algo para minimizar o prejuízo do cidadão. O caminho na Justiça, nesse caso, é longo, mas o Judiciário vem mudando a sua postura e vem mais frequentemente tomando decisões em benefício do cidadão e conferindo mais responsabilidade ao Estado.
Foi justamente nos arredores da Praça da Bandeira que o carro de Simone Dottori parou: – Estava voltando e acabei entrando com meu carro numa área alagada. O carro foi arrastado por alguns metros, parou num meio fio e o motor morreu. Mesmo depois de a água ter baixado, o carro não voltou a pegar e o mecânico no reboque deu a má notícia: calço hidráulico.
Como tinha seguro, o carro foi consertado em dez dias e, em lugar de desembolsar cerca de R$ 5 mil, orçados na oficina, paguei somente a franquia de R$ 900.
Se o aumento do número de ocorrências pode elevar o valor dos seguros, a maior possibilidade de informação e mudanças de hábitos podem minimizar esses custos, analisa Danilo Sobreira, assessor da diretoria da Federação Nacional dos Corretores de Seguros (Fenacor): – Hoje há serviços de previsão de tempo, por exemplo, bastante confiáveis, que podem ajudar o consumidor a reduzir seus riscos. E a mudança de clima também vai levar a mudanças de hábitos, em horários de saída, rotas. Isso pode anular o impacto nos custos.
Como funciona
AUTOMÓVEIS: Quem tem seguro com cobertura total já está garantido em relação a alagamento, desbarrancamentos, ou seja, problemas externos, o que inclui até a queda de uma árvore sobre o carro durante um vendaval. A seguradora, no entanto, pode questionar o pagamento por conduta negligente do consumidor, por exemplo, entrar numa rua já alagada. O cliente, por sua vez, pode pedir inversão do ônus da prova.
RESIDÊNCIA: A cobertura básica, no caso dos seguros residenciais, prevê roubo, incêndio, explosão e raios, para ter direito a indenização por alagamento, desmoronamento e vendavais é preciso contratar coberturas especiais. O consumidor deve ter atenção aos valores, observando se há montantes diferentes para danos à construção e ao seu conteúdo. Fazer seguro por valor abaixo do estimado em caso de necessidade de reconstrução pode não ser uma boa saída.
CASOS DE EXCLUSÃO: Ao firmar o seguro, o consumidor deve estar atento aos casos de exclusão, ou seja, aqueles em que a seguradora pode negar a sua indenização.
Essas cláusulas devem estar em destaque no contrato. Vale lembrar que as empresas podem se negar a fazer um contrato, mas depois da garantia firmada são obrigadas a cumprir o combinado.
CUSTO: O impacto dessas coberturas especiais é pequeno no caso dos carros, mas em relação a residências depende, obviamente, da localização. Num seguro de R$ 300 mil, o valor iria de R$ 300 para R$ 380, por exemplo. No entanto, em áreas em que o risco é praticamente certo, esse valor pode subir tanto que acaba inviabilizando o seguro. Há casos ainda de coberturas restritas, com percentuais muito abaixo do total segurado.
Luciana Casemiro
O Globo