EXCLUSIVO – Os fortes ventos que atingiram a região do estado de São Paulo provocaram uma sequência de cancelamentos e atrasos de voos ao longo na última semana, impactando centenas de passageiros. O número de cancelamentos ultrapassou a marca de 400, segundo dados divulgados por autoridades aeroportuárias e companhias aéreas. A situação gerou filas, conexões perdidas e gastos inesperados com alimentação e hospedagem entre os clientes.
Diante do cenário, muitos passaram a questionar se o seguro viagem poderia ser acionado para cobrir prejuízos decorrentes dos atrasos e cancelamentos causados pelas condições climáticas adversas. A resposta, no entanto, está condicionada às regras e exclusões previstas nas apólices.
De acordo com Renato Spadafora, fundador da Decole Assessoria de Seguros Viagem, a regra geral do mercado brasileiro é clara: eventos decorrentes de fenômenos da natureza estão excluídos das coberturas do seguro viagem. Essa exclusão aparece de forma expressa nas condições gerais das apólices. “Via de regra, os seguros viagem no Brasil excluem cobertura decorrente de fenômenos da natureza. Isso inclui eventos que afetam muitas pessoas ao mesmo tempo e que, do ponto de vista do resseguro, são tratados como riscos catastróficos”, explica. Embora ventos fortes não se equiparem a terremotos ou vulcões, exemplos clássicos de catástrofes, o fato de provocarem impactos coletivos já é suficiente para enquadrá-los como risco excluído pelas seguradoras.
Na prática, isso significa que despesas geradas por atrasos prolongados ou cancelamentos de voos causados por ventania, tempestades ou outras instabilidades climáticas não costumam ser reembolsadas pelo seguro viagem, mesmo quando há coberturas específicas para atraso de voo. Essas garantias, quando existentes, normalmente se aplicam a situações como falhas mecânicas da aeronave ou problemas operacionais da companhia aérea e não a eventos climáticos.
Segundo Renato, a Decole consultou diversas seguradoras e empresas de assistência viagem com as quais atua, incluindo operadoras especializadas no segmento. E até o momento, apenas uma confirmou cobertura para esse tipo de situação: a Universal Assistance, empresa de assistência do Grupo Zurich Seguros.
Apesar do impacto direto nos aeroportos e da ampla repercussão do caso, a Decole por sua vez, não registrou um aumento significativo de acionamentos ou reclamações relacionadas ao seguro viagem. Isso se explica, em parte, pelo perfil de contratação do produto no Brasil. “A grande maioria das pessoas contrata seguro viagem prioritariamente por causa da cobertura médica. Atraso de voo, bagagem ou cancelamentos acabam sendo vistos como aspectos secundários”, observa o executivo.
Ainda assim, episódios como o ocorrido em São Paulo evidenciam uma lacuna de informação e reforçam a importância do papel consultivo do corretor de seguros. Para Renato, um dos principais problemas do mercado é a percepção, por parte do consumidor, de que o seguro viagem “cobre tudo”, o que não corresponde à realidade. “Não existe seguro que cubra absolutamente tudo. Cabe ao corretor explicar claramente quais são as exclusões e alinhar expectativas”, diz.
Nesse contexto, a atuação da Decole tem sido focada menos na gestão de sinistros, já que não há cobertura, e mais na orientação preventiva. A empresa recomenda que segurados com viagens programadas durante períodos de instabilidade climática acompanhem atentamente as informações das companhias aéreas, mantenham registros de gastos e conheçam seus direitos junto às próprias transportadoras, que continuam responsáveis por assistência material, como alimentação e hospedagem, conforme prevê a regulação da ANAC.
Além disso, ele destaca que o episódio reforça a necessidade de uma venda mais investigativa e personalizada do seguro viagem. Existem coberturas pouco conhecidas, como o seguro de cancelamento de viagem por iniciativa do próprio cliente, que pode ser acionado em casos específicos, como problemas familiares graves, mas que não costuma ser oferecido de forma automática. “O corretor precisa entender o perfil do cliente, o tipo de viagem, as atividades envolvidas e os riscos reais. Só assim é possível minimizar frustrações futuras”, afirma.
Com a maior frequência de eventos climáticos extremos, o tema tende a ganhar espaço nas discussões do setor. Embora Spadafora não identifique, por ora, uma mudança relevante na demanda por seguros viagem motivada diretamente por esse fator, ele reconhece que há um movimento crescente de conscientização. “Esses episódios ajudam a trazer o debate para um nível mais realista. O seguro viagem é essencial, mas precisa ser compreendido como ele é, e não como o consumidor gostaria que fosse”, conclui.




