EXCLUSIVO – O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julga recursos que podem restringir a cobertura de planos de saúde. O ministro do STJ Luis Felipe Salomão, relator do caso, em julgamento da 4.ª turma em 2019, votou a favor do rol taxativo, argumentando que considerá-lo exemplificativo restringiria a livre concorrência das operadoras de planos de saúde e dificultaria “o acesso à saúde suplementar às camadas mais necessitadas e vulneráveis da população”. Esta visão, entretanto, preocupa grupos de pacientes e familiares de crianças com deficiência, que temem a interrupção de tratamentos concedidos por via judicial.
De acordo com informações da Estadão Conteúdo, somente em 2019 ocorreram 112.253 demandas judiciais de direito do consumidor envolvendo planos de saúde. O Brasil possui atualmente cerca de 49 milhões de beneficiários em planos de assistência médica e odontológica.
Opinião da especialista
A advogada e professora Angélica Carlini é especialista em Direito do Seguro, do Consumidor e na área de Saúde. Ela classificou o impacto desta decisão como “catastrófico”, porque “se o julgamento entender que o rol é exemplificativo, como serão feitos os cálculos atuariais para formação dos fundos mutuais que sustentam os contratos?, questiona. A sustentabilidade do sistema fica em risco.
Por outro lado, o rol taxativo tem a vantagem de sustentar o sistema. “Se ele for exemplificativo a única a alternativa para as operadoras será construir planos pós-pagos para cada grupo, o que pode se transformar em uma pequena tragédia, porque não há fundo mutual que dê conta de sustentá-lo”, avalia a advogada.
A função da ANS é construir este rol dentro das melhores evidências científicas para que, de fato, se tenha segurança, para que não passe nada que possa ser prejudicial para o contratante. A ciência ficou muito complexa e as informações são disseminadas, mas nem sempre significam conhecimento.
Angélica Carlini
O julgamento deve definir se a lista de procedimentos e remédios coberta pelos planos, estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar é exemplificativo ou taxativo. As operadoras de saúde afirmam que precisam da segurança jurídica para viabilizar financeiramente a manutenção do serviço. O adiamento ocorreu após pedido de vista (mais tempo para analisar o tema). Apenas dois dos nove ministros apresentaram seus votos: o relator Luis Felipe Salomão, a favor da taxativa, e Nancy Andrighi, a favor da exemplificativa. Uma nova sessão deve ocorrer em até 90 dias.
Segundo nota divulgada pela Unimed do Brasil, a legislação dos planos de saúde já estabelece o poder da ANS para editar e atualizar o rol, em ciclos contínuos que permitem a incorporação de novas tecnologias em até 180 dias. Atualmente, os planos de saúde já garantem a cobertura de quase 3,4 mil procedimentos e eventos em saúde, incluindo terapias especializadas de alto custo e medicamentos orais para tratamento do câncer. O julgamento não significará a restrição de coberturas nem retirará a obrigação das operadoras de cobrir todo o rol e suas futuras atualizações.
A definição clara das coberturas obrigatórias garante segurança jurídica aos contratos e evidencia direitos e obrigações na relação entre os beneficiários e as operadoras. Além disso, a previsão das coberturas é um dos requisitos do cálculo atuarial, que avalia o risco e determina o preço dos planos de saúde. Sem essa previsibilidade, caso o rol seja tornado exemplificativo, não haverá como calcular adequadamente os recursos necessários para garantir todas as coberturas a que os planos terão de fazer frente, o que tende ao desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos já vigentes e ao aumento dos preços para novos contratos. Tais situações penalizam tanto os beneficiários e a população que deseja ter acesso ao plano de saúde, quanto as próprias operadoras, além de trazer sobrecarga ao sistema público.
Unimed do Brasil
Em nota, a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar reforça o que diz a advogada sobre a viabilidade financeira dos planos em caso de rol exemplificativo: “além da falta de padronização das coberturas, o caráter exemplificativo do rol – por não conferir previsibilidade quanto aos procedimentos e eventos que podem vir a ser utilizados – tenderia a elevar os valores cobrados pelas operadoras aos seus beneficiários, como forma de manter a sustentabilidade de suas carteiras”.
O caráter taxativo do rol confere a prerrogativa da ANS de estabelecer as coberturas obrigatórias a serem ofertadas pelos planos de saúde, sem que os consumidores precisem arcar com custos de coberturas adicionais. Assumir que o rol seja meramente exemplificativo significa, no limite, atribuir a cada um dos juízes do Brasil a prerrogativa de determinar a inclusão de cobertura não prevista em contrato ou no rol de cobertura mínima, o que traria o aumento da judicialização no setor de saúde e enorme insegurança ao setor de saúde suplementar, na medida em que seria impossível mensurar adequadamente quais os riscos estariam efetivamente cobertos. O que impacta na definição do preço dos produtos.