O desafio é grande. Segundo informa o relatório “Estado dos Serviços Climáticos de 2020”, produzido pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência especializada da ONU para o tema, o número de desastres naturais em todo o mundo cresceu cinco vezes nos últimos 50 anos e as perdas econômicas provocadas por tais tragédias aumentaram sete vezes. Para isso, o mercado de seguros tem oferecido algumas soluções.
Somente nas últimas duas décadas, desastres causaram US$ 2,97 trilhões em perdas para a economia global. Os números são impressionantes. Foram 7.348 desastres em todo o mundo, que afetaram mais de 4 bilhões de pessoas, levando a aproximadamente 1,23 milhão de óbitos.
O Global Risks Report 2020, publicado pelo Fórum Econômico Mundial com o apoio da Marsh & McLennan aponta que, ao lado da instabilidade geopolítica, aumentam as preocupações econômicas decorrentes de confrontos comerciais entre grandes potências e da deficiente resposta dos governos às questões climáticas, como redução das emissões e investimentos em adaptações dos modelos
de negócios visando a redução de emissões. Os impactos da perda de biodiversidade em muitos ecossistemas são vistos no relatório como capazes de produzir consequências para as sociedades, economias e saúde.
“Além dos potenciais impactos, cada vez maiores, decorrentes das catástrofes naturais, as companhias precisam considerar todos riscos em que estão expostas, desde exposições operacionais, reputacionais e até os efeitos regulatórios”, destaca Patricia Marzullo, diretora de Subscrição de Engenharia da Allianz Global Corporate & Specialty (AGCS). “Combater as mudanças climáticas requer ações corretivas e investimentos com foco em gerenciamento de risco além do horizonte usual, se antecipando e se preparando para futuros cenários. As mudanças climáticas impactam toda a cadeia. Da escassez de insumos agrícolas e recursos como água, passando por interrupções em cadeias de produção
e abastecimento, propagação de doenças, aumento de desigualdades sociais e redução do PIB”.
A AGCS publica anualmente o Allianz Risk Barometer, uma pesquisa realizada entre os principais executivos ao redor do mundo (CEOs, risk managers, executivos de seguros) na qual eles declaram suas maiores preocupações e ex-posições de riscos a que estão sujeitos. Os resultados são utilizados internamente no desenvolvimento e aprimoramento dos produtos que oferecemos, e também externamente, como conteúdo na tomada de decisão dos clientes ao redor do mundo.
No último Risk Barometer de 2020, as mudanças climáticas e o aumento da volatilidade do clima aumentaram para sua maior posição dos últimos anos (em 2018, as mudanças climáticas estavam na 10ª posição de preocupação dos principais executivos e agora em 2020, essa preocupação saltou para a 7ª posição).
Além das grandes questões com o aquecimento global, com o impacto ambiental ou com a pegada de carbono, o mercado segurador contribui para a adaptação às mudanças climáticas no cotidiano das populações, desenvolvendo novos mecanismos de compensação de perdas e transferência de riscos.
“Atualmente cerca de 75% dos riscos seguráveis, incluindo catástrofes naturais e mudança climática, envelhecimento da população por exemplo, seguem sem cobertura do seguro. Consideramos parte de nossa missão ajudar o mundo a reduzir esse gap de cobertura e tornar o mundo mais resiliente”, comenta Guilherme Perondi, diretor executivo Swiss Re Corporate Solutions, unidade de seguros do Grupo Swiss Re.
O executivo informa que a Swiss Re tem uma iniciativa chamada “2030 Sustainability Ambitions” baseada em três grandes frentes: mitigar riscos climáticos e avançar na transição da matriz energética, construir resiliência social e utilizar soluções digitais para oferecer soluções de seguro mais acessíveis.
Thiago Lang, diretor de Specialties da Aon Brasil, avalia que o desenvolvimento de produtos que incluem aspectos ASG deve se intensificar nos próximos anos, beneficiando aquelas empresas e negócios que são sustentáveis a longo prazo. “Atualmente, o movimento mais visível no mercado de seguros é a limitação de capacidade para empresas consideradas não sustentáveis, como aquelas que
possuem mais de 30% a 50% do faturamento ligado à produção de carvão. As principais resseguradoras globais não dão mais capacidade para esse tipo de negócio”, informa Lang.
“As pessoas e empresas têm buscado outras soluções. Produtos financeiros e fundos de investimentos ‘verdes’ são cada vez mais frequentes”, comenta Alfredo Chaia, diretor gerente da International Risk Veritas. “Neste cenário, as seguradoras também estão impulsionadas a reconhecer a necessidade de desenvolver produtos e serviços que atendam às novas demandas deste mundo em acelerada mudança. Diante do compromisso de prover indenizações e da necessidade de manutenção do equilíbrio financeiro, as seguradoras têm atuado de forma preventiva no gerenciamento de seus riscos e
de seus clientes, vislumbrando não só os aspectos ambientais, mas também a perenidade dos negócios e a mitigação dos riscos que se propõe indenizar; além de inserir práticas voltadas à sustentabilidade de seus negócios.”
Chaia ressalta que o mercado expandiu a oferta de soluções de seguro para mitigação dos danos ambientais em instalações, construção e transporte de mercadorias, por exemplo, e que a gestão dos riscos além de apresentar soluções de monitoramento e prevenção de danos ambientais, também trouxe propostas de valor para controlar tecnicamente e financeiramente os atendimentos de remediação das consequências decorrentes dos acidentes e danos ambientais.
“É tudo uma questão de sustentabilidade e resiliência”, afirma Stéphane Godier, Regional Head Americas da AXA Climate, unidade do grupo AXA específica para o tema, protegendo empresas e comunidades contra os riscos climáticos e ajudando-os a se adaptarem às mudanças e a reduzir seu impacto no clima e no meio ambiente.
Entre as soluções oferecidas pela AXA Climate está o serviço de adaptação de negócios, utilizado tanto para avaliar o impacto do cliente no clima quanto o reflexo das mudanças climáticas em seus negócios. A empresa desenvolveu também uma plataforma de monitoramento de catástrofes naturais (Nat Cat) que, em tempo real, avisa sobre a iminência de um determinado fenômeno natural potencialmente catastrófico, “Também atuamos no plano de contingência e os ajudamos a se recuperarem mais rapidamente por meio de soluções de seguro paramétrico. Essas soluções são ferramentas poderosas de mitigação de riscos. Desde que sejam acionados pela medida direta do clima ou índice Nat Cat, são extremamente rápidas, transparentes e totalmente ajustáveis às necessidades do cliente”, afirma Godier.
Seguros paramétricos
Com a tecnologia, os seguros paramétricos – cobertura personalizada que utiliza um parâmetro independente, geralmente um índice meteorológico, para correlacionar fenômenos ambientais
com o fluxo de receitas ou a estrutura de custos – passaram a ser uma alternativa interessante para diversas indústrias como a de produção de energia, o agronegócio, o turismo e da moda, entre outras.
“O produto paramétrico oferecido pela Swiss Re Corporate Solutions para os segmentos agrícola e de energia tem um conceito simples”, explica Perondi. “A seguradora, o cliente e o seu corretor acordam um parâmetro que vai disparar o gatilho de cobertura da apólice. Esse parâmetro normalmente é ligado a variáveis climáticas, como por exemplo excesso ou falta de chuva ou vento ou ainda variações não esperadas em níveis de vazão de rios ou temperatura. O contrato de seguro define o período em que o parâmetro precisa ser atingido, a localização de cobertura e a empresa especializada que determinará um parâmetro externo, o que assegura independência no critério de apuração. Se, durante o período de vigência da apólice, o parâmetro for atingido no período e localização contratados, a indenização é feita conforme o contratado.”
O seguro paramétrico não indeniza a perda pura, mas antecipadamente concorda em efetuar um pagamento na ocorrência de um evento desencadeante. O “gatilho” é a expectativa de prejuízo,
e não o dano material direto. “O seguro paramétrico é uma solução de gestão de risco que pode ser customizada para atender setores como de energia, seja hidráulica ou eólica, setor agro, ou qualquer outro setor que possa ser impactado por variações inesperadas”, informa Eduardo Lucena, CEO da THB Brasil.
A THB Brasil possui um divisão específica para oferecer seguros em agro e entre as soluções alternativas de transferência de riscos oferecidas, a empresa inclui o seguro paramétrico. “Atualmente as taxas praticadas pelo mercado tem sido uma barreira para as vendas”, explica Lucena.
Perondi, da Swiss Re, lembra que o seguro paramétrico foi originalmente concebido para o segmento de empresas médias e grandes que, em geral, tem um nível do conhecimento técnico mais amplo das soluções de transferência de risco que o segmento de seguros oferece. “Porém existem esforços concretos para ampliar a adoção do produto e vale a pena destacar a iniciativa brasileira de permitir que os recursos do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) do governo federal sejam destinados também ao seguro paramétrico”, informa.
Desde setembro, após autorização da Superintendência de Seguros Privados (Susep), o Comitê Gestor Interministerial do Seguro Rural aprovou a Resolução no 79, que estabeleceu o percentual de subvenção ao prêmio de 20% para o seguro paramétrico, para qualquer atividade. “Trata-se de uma decisão inovadora e muito pertinente e que deve impulsionar o produto em novos segmentos de empresas”, comemora.
Com dezenas de programas de seguros paramétricos no Brasil e na América Latina, a AON acredita que este tipo de cobertura é viável para várias atividades, como Energias Renováveis, Agricultura, Infraestrutura & Construção, Turismo e Hotelaria, Transportes, entre outras. “Tudo que tenha um parâmetro com histórico confiável, mensurável por entidades independentes, e que tenha uma boa correlação entre as perdas ocorridas no passado com os interesses seguráveis, é viável para seguro. Exemplos de parâmetros possíveis e que podem gerar perdas aos clientes são os extremos de alta ou baixa temperatura, a falta ou excesso de chuvas, a velocidade dos ventos e falta de irradiação solar”, comenta Lang. “Caso o índice alcance um gatilho predeterminado, o segurado recebe o pagamento acordado, de forma rápida e praticamente automática, uma vez que os parâmetros envolvem medições objetivas e independentes, sem necessidade de vistoria de regulação em campo. Isso ajuda o segurado a ter um melhor fluxo financeiro, ajudando-o a restabelecer suas operações mais rapidamente e evitando um impacto negativo a seus colaboradores e à comunidade”.
Solange Guimarães
* Esta matéria foi veiculada na edição 260 da Revista Apólice