O empresário Dae Yol Kim enfrenta há quatro meses um périplo para regular o sinistro ocorrido em sua residência. Através de uma mesma corretora, ele adquiriu o seguro do seu carro e da sua casa. Depois de vários meses falando com a corretora, ele descobriu que não tinha a cobertura contra terceiros. Entretanto, questiona a demora da corretora e da seguradora em responder a sua demanda.
Quando uma reclamação chega à ouvidoria, é porque ela já passou por outros âmbitos da companhia. Esta instância foi regulamentada pela Susep em 2013, mas algumas seguradoras já dispõem deste departamento há mais tempo.
Apesar de ser um setor reconhecido e regulamentado, a ouvidoria ainda não é vista pelo cliente como um canal pró-consumidor. Esta é a sua grande diferença para o SAC (Setor de Atendimento ao Cliente), além de ter um fluxo da reclamação que varia de acordo com cada empresa.
Segundo o relatório das Ouvidorias elaborado pela CNseg, com dados de 33 seguradoras e operadoras de saúde, em 2015 chegaram 110.681 demandas de consumidores. É importante destacar, conforme o relatório, “que o exercício da função do Ouvidor pressupõe um significativo grau de entendimento das operações de seguros, capitalização, previdência complementar aberta, saúde suplementar e experiência de vida suficiente para identificar o custo social de um pleito juridicamente amparado que não seja atendido”.
A CNseg estima que atualmente 100% das seguradoras tenham uma ouvidoria para atender os segurados. Além da obrigatoriedade, o aumento das demandas acontece por dois fatores: o primeiro é a maior conscientização do consumidor em relação aos seus direitos; a segunda é a maior divulgação da existência destes canais. Silas Rivelle, presidente da Comissão de Ouvidores da CNseg, explica que a Ouvidoria é uma via de mão dupla. “O cliente fala o que pensa sobre a empresa e recebe de volta este material tratado”. Hoje, o consumidor encontra no site da maioria das seguradoras e operadoras de saúde o caminho para chegar até a ouvidoria. É um avanço significativo para o Brasil, que possui uma legislação favorável ao consumidor desde 1991, quando foi promulgado o Código de Defesa do Consumidor.
Na Icatu Seguros, a ouvidoria funciona desde 1998 e recebe as demandas que passam pelo atendimento ao cliente e que não são resolvidas. A advogada Gabriela Assmar é a responsável pelo setor e afirma que muitas das demandas não são de ordem técnica, mas porque este é um produto bastante sofisticado e muita gente compra sem ler o contrato. “É uma questão de educação do cliente”. Entretanto, Gabriela acrescenta que o DNA da Ouvidoria é ser aquela instância a qual o cliente chega quando os canais anteriores não resolveram. “No momento que chega até nós, deixa de ser a mesma lógica”, ressalta.
“O ouvidor precisa ter um conhecimento técnico profundo, mas precisa ter equipe que conheça tudo e deve, principalmente, gostar de pessoas. O conhecimento técnico se pode aprender, mas atitude e comportamento vem de dentro para fora. Para trabalhar com Ouvidoria feliz é preciso estar disposto a lidar com o pior momento do público. É preciso ter prazer em ajudar para o trabalho não ficar pesado” Gabriela Assmar, Ombusdman do Grupo Icatu
A ouvidoria, por definição, deve ter autonomia, independência, alçada decisória e não pode ter medo de desagradar a diretoria e o conselho da empresa. O objetivo mais nobre deste setor é, além de resolver o problema do consumidor, gerar recomendações e melhorias que evitem que problemas semelhantes voltem a acontecer.
O trabalho da ouvidoria é sempre movido pela ação do segurado. “A demanda do cliente reclama depois de passar pelos setores de atendimento da companhia ou por meio de canais ‘agravados’ (Susep, Procon’s e mídia – Consumidor.gov; ReclameAqui; Facebook)”, explica Gabriela. Nos casos que vêm direto das mídias sociais, nem sempre se trata de reclamações. Podem ser simples solicitações de documentos ou dúvidas sobre o contrato.
De acordo com a regulamentação da Susep, a Ouvidoria tem prazo de 15 dias para responder ao segurado.
O retorno
Um dos papéis da Ouvidoria é diminuir a quantidade de demandas judiciais. Este departamento não é um centro de custo, mas um gerador de resultados, esclarece Rivelle. “O cliente busca uma atuação imparcial, justa (baseada na legislação), que atue não como representante da corporação, mas como defensor do consumidor”, acrescenta.
Os números crescem rapidamente. Na Unimed Seguradora, Rivelle conta que em 2016 houve um incremento de 58% na quantidade de reclamações que chegaram à Ouvidoria, em relação a 2015. Isto aconteceu porque a empresa fez uma grande divulgação sobre o trabalho deste canal. “Com isso, houve queda de 27% nas ações judiciais e 41% nos processos junto à ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). “Ou seja, a boa atuação da Ouvidoria evita que as empresas sofram ações judiciais e/ou recebam multas do órgão regulador. Isso protege a imagem da companhia”.
É possível ter um número maior de reclamações no órgão público, mas o crescimento de carteira demonstra que houve queda na proporção.
Os gestores das companhias seguradoras encontraram na Ouvidoria um grande aliado para a melhoria dos processos das empresas, além da fidelização dos clientes. “Quando o cliente sente-se respeitado ele se torna um grande divulgador da marca da companhia”, avalia Rivelle, argumentando que um dos pilares da Ouvidoria é justamente ser uma ferramenta estratégica para melhoria de processos.
O grande engano sobre o trabalho das Ouvidorias acontece porque as pessoas acreditam que elas são apenas um canal de reclamação. Na verdade, esque cem que ela possui representatividade dentro das corporações, pois reportam-se diretamente à presidência e ao conselho das empresas.
“Em 2016, o perfil dos consumidores que chegaram à Ouvidoria da Tokio Marine foi: 86% segurados; 8% terceiros; 5% corretores e 1% outros. Do total de registros, 48% foram efetuados diretamente na seguradora e 52% por meio da Susep” Masaaki Itakura, diretor executivo de Estratégia Corporativa da Tokio Marine
Na Tokio Marine, por exemplo, há um intercâmbio constante entre a área de Atendimento do Cliente e os diversos departamentos, empenhados não só em prover as necessidades, mas em exceder as expectativas do cliente. “O contato entre as áreas é fundamental para que todos estejam alinhados quanto a importância de ter uma atitude proativa para prestar um atendimento claro e entender eventuais melhorias que podem ser feitas nos processos e serviços”, explica Masaaki Itakura, diretor executivo de Estratégia Corporativa.
Para corretores
Os corretores de seguros também possuem um canal direto com o seu sindicato para dar andamento às suas reclamações. Em São Paulo, a Ouvidoria do Sincor recebeu em 2016 ligações, com demandas de diversas categorias como dúvidas em relação às comissões, vistorias realizadas sem agendamento e, principalmente, descredenciamento em seguradoras etc.
O titular desta Ouvidoria, o corretor Otavio Milliet, conta que toda reclamação é analisada em parceria com outros integrantes da diretoria, para dar o devido encaminhamento à demanda.
Nos últimos 12 meses, foram abertos 135 processos na Ouvidoria do Sindicato dos Corretores de Seguros de São Paulo, sendo 101 encerrados com reversão (solucionados) e 27 encerrados sem reversão. Há sete processos em tramitação.
“Se você considerar que os processos que chegam à Ouvidoria já passaram por tentativa de solução por parte de algum departamento do Sincor-SP, como Disque Sincor, Assessoria Técnica ou Comissão de Ética, o sucesso em 78,91% dos casos encerrados é bem expressivo”, comenta Milliet.
A esfera anterior à Ouvidoria, neste caso, é o Disque Sicor, que realiza 1600 atendimentos por anos, de acordo com informações de Simone Favaro Martins, vice-presidente do Sindicato. “Neste ponto, as reclamações são das mais diversas naturezas possíveis, mas o índice de reversão é de 74,8%”, comemora Simone.
Kelly Lubiato
Revista Apólice