Os riscos declináveis não são novidade. Eles sempre existiram, mas ganharam evidência com a quebra do monopólio do mercado de resseguros brasileiro. Isso porque os riscos gravosos, que até então conseguiam cobertura pelo colchão do IRB-Brasil Re, passaram a ser recusados na renovação das apólices. Em alguns casos, segmentos inteiros integraram a lista negra de riscos para as seguradoras. Na tentativa de obter uma “conciliação” sobre o tema, o Sincor-SP realizou ontem (16 de fevereiro), um fórum em São Paulo.
Para a surpresa de alguns palestrantes, a plateia estava lotada. Apesar da maioria do público ser composta por corretores de seguros, haviam seguradores, resseguradores, advogados, representantes dos consumidores e até alguns da Susep, enviados a pedido do superintendente Paulo dos Santos, que não pode comparecer. Chefes de Sincors de outros estados também prestigiaram o primeiro evento do ano do Sindicato.
Na visão de Humberto Marques, diretor executivo da Bradesco Seguros, o grande impasse para que as seguradoras aceitem mais riscos, dentre eles os declináveis, é a falta de massa crítica. “Precisamos avaliar nossas carteiras e os riscos de cada negócio. Ainda há muitas empresas que não transferem seus riscos para o seguro”, justificou.
Uma das soluções citadas por eles para uma maior aceitação dos riscos declináveis é o ingresso de novos players. De acordo com o executivo, novos entrantes no setor contribuiriam para a redução dos riscos declináveis.
Wady Cury, diretor técnico da Mapfre Seguros, lembrou que muita coisa que mudou com a abertura do resseguro contribui para a análise do tema. “A quebra do monopólio gerou interesses seguráveis e resseguráveis. Há uma grande tarefa de aprendizado pela frente”, raciocinou.
Para ele, seguradores, resseguradores e corretores têm de conhecer as necessidades locais. Além disso, a subscrição de risco não pode ser padronizada. É preciso ter qualidade, pois só assim os riscos poderão ser aceitos. Também aproveitou para cobrar a participação da Associação Brasileira de Gerência de Riscos. “A ABGR tem papel fundamental no debate deste tema”.
Perdas expressivas
O ponto principal desta discussão é a cobertura para riscos ruins que antes da quebra do monopólio estavam colocados no IRB. Muitos segurados na renovação não adotavam nenhuma medida para melhorá-los. Com a abertura do mercado, essa realidade mudou.
Começaram a aparecer as dificuldades e o mercado passou a sofrer perdas violentíssimas em alguns segmentos com valores expressivos. “Passamos a buscar caminhos para ter uma melhora do risco, mas a vontade de fazer não acompanha o ritmo da demanda”, comentou José Farias, diretor comercial do IRB-Brasil Re. “Temos de discutir como cada um pode assumir uma parcela de responsabilidade. O IRB hoje é parte da solução e não a solução final, pois não temos massa de negócios para assumir riscos mais gravosos. Do contrário, vamos quebrar o IRB”.
Entre os setores mais afetados por conta da recusa dos riscos declináveis, estão têxtil, algodão, químico, supermercados etc. Bruno Freire, diretor executivo de negócios da Austral Re, classificou o cenário como “preocupante”. No entanto, segundo ele, há possibilidade de reconstruir os ricos declináveis. Para isso, é necessário que todo o mercado trabalhe os riscos, investindo em medidas de gerenciamento e prevenção. “Precisamos de estatísticas para que possamos entender de fato a sinistralidade desses riscos para vermos se não estamos sendo preconceituosos. Temos de entender o preço certo e a franquia adequada. Ninguém sabe, por isso não aceita”, rebateu.
Com a palavra, os corretores
A recusa por parte das seguradoras está ocorrendo para diferentes riscos e não apenas os mais gravosos. Boris Ber, da Asteca Seguros, informou que até segurados há mais de 30 anos na carteira estão tendo dificuldade em colocar seus riscos. E essa postura das seguradoras já começa a fazer com que os corretores percam negócios para a concorrência por não conseguir negociar determinados contratos. “Não tivemos capacidade de conduzir as mudanças que ocorreram pós-abertura do resseguro. Também não encontramos soluções para o período de transição”, lembrou.
O cenário pode piorar, segundo ele, com a entrada em vigor das resoluções 224 e 225, que mudam as regras de contratação do resseguro. Como solução imediata, o corretor propôs a criação de uma comissão para encontrar um caminho e “sair da teoria com data e hora marcada”.
Nelson Fontana, da MDS Seguros, mencionou a necessidade de atender o segurado. Segundo ele, o setor teve tempo suficiente – um total de 15 anos – para se preparar para a abertura do mercado de resseguros. Por isso, é responsabilidade do mercado dar soluções aos riscos gravosos. “Precisamos dizer aos segurados o que eles têm de fazer para transformar riscos inaceitáveis em aceitáveis. As seguradoras precisam nos dizer o que deve ser feito e quais medidas devem ser implantadas para que sejam obtidas as coberturas necessárias”, criticou.
Também destacou que a sociedade carece de soluções individuais e não de recusa a determinados segmentos, que podem ter riscos bons. “Temos o monopólio do mercado de seguros. Somos a única solução legal para os segurados. Se não conseguirmos soluções para os riscos declináveis, temos de assinar um atestado de incompetentes e permitir que a sociedade procure alternativas”, alertou Fontana.
Segurados
Os riscos declináveis já estão saindo do âmbito das discussões do setor de seguros e passando a ser conhecimento também dos segurados. Por isso, a advogada Rosana Chiavasa alertou a necessidade da comissão proposta ser colocada em prática o mais rápido possível. Do contrário, o mercado de seguros poderá passar pelas mesmas dificuldades enfrentadas pelo setor de saúde suplementar. “Em 95% dos casos julgados, seguradoras e operadoras foram obrigadas a cobrir quase tudo. Os consumidores ganharam e vão continuar ganhando quando o assunto chegar à Justiça”, informou.
Segundo a especialista, se a indústria do seguro deixar para o Judiciário firmar jurisprudências, acontecerá tal como com o seguro saúde. “Processos vão levar 10 anos para terminar. A hora que abrir dominó jurisprudencial, o risco maior será de vocês (mercado de seguros)”, avisou Rosana.
Esse cenário preocupante foi resumido como um “momento único” para o corretor de seguros na opinião do advogado Antonio Penteado Mendonça. Para ele, é necessário identificar critérios que permitam fazer o seguro dentro do razoável. “Não estamos falando de grandes contratos, mas dos segurados médios e pequenos. Parte da culpa é dos corretores porque eles não estão apresentando nada de diferente”, destacou.
Os profissionais que desejarem atender bem o seu segurado terão de se esforçar e encontrar soluções para ajudá-los a mitigar o risco seja por meio do aumento de franquia, da separação de taxas ou de outras medidas. “Vamos ser inteligentes e deixar o Judiciário fora desta discussão. Se a Justiça intermediar, o resultado será ruim para o segurado, que ficará sem seguro ou terá de pagar um prêmio muito elevado”, alertou. “Precisamos achar o caminho para equilibrar o lucro. É um momento fascinante para ser corretor de seguros. É necessário juntar os ponteiros – seguradoras, resseguradoras e corretores – e ganhar muito dinheiro”.
Nesta quinta-feira, os riscos declináveis continuam em pauta. Segundo Neival Rodrigues, que representou a Fenseg no evento do Sincor-SP, Jayme Garfinkel, presidente da Federação, levará o tema a debate na reunião da CNSeg, que acontece hoje, 17 de fevereiro.
Aline Bronzati
Revista Apólice