O governo estaria disposto a criar uma nova seguradora para atender a demanda das grandes obras que serão realizadas no País nos próximos anos. Usinas hidrelétricas, pré-sal, rodovias, ferrovias, água e saneamento básico, construção e reforma dos estádios para a Copa do Mundo de 2014 e as instalações para as Olimpíadas de 2016.
Em princípio, a ordem de grandeza destes investimentos, que ultrapassa US$ 240 bilhões, para quem não conhece seguros, seria suficiente para justificar a criação de uma seguradora. A ideia da criação de uma seguradora estatal foi inicialmente dar suporte para os seguros de garantia e evoluiu para uma companhia multi-risco. A verdade é que não há a menor razão para o projeto prosperar.
O argumento usado é que a crise de 2008 deixou clara a fragilidade do sistema internacional de seguros e resseguros. Mas ele não se sustenta, nem mesmo quando apelam para o aporte de dinheiro do governo norte-americano para salvar a AIG. Vale lembrar que quem fará os resseguros destas obras são as resseguradoras internacionais, a maioria das quais já está em boa situação financeira, a começar pela sucessora da AIG.
Imaginar que o Tesouro brasileiro tem recursos para substituir as resseguradoras no caso de um grande sinistro é desconsiderar a economia brasileira ou, pior ainda, comprometer a pouca poupança nacional de forma temerária e desnecessária. Estamos falando de investimentos de mais de US$ 240 bilhões. Significa que o potencial de sinistros é grande.
De outro lado, temos US$ 250 bilhões em reservas. Será que tem sentido comprometer parte delas, quando o mercado segurador está aí para assumir estes riscos? Criar uma seguradora, garantindo sua operação através da transferência dos riscos para o Tesouro, é ir contra o princípio básico em que se assenta a atividade seguradora. Seguro é pulverização de risco, a divisão dos prejuízos suportados por um segurado entre todos os integrantes do sistema.
Hoje a capilaridade das seguradoras e resseguradoras é global. Quer dizer, em caso de sinistro, empresas de todas as partes assumiriam um pedaço dos prejuízos. A criação de uma seguradora estatal, com lastro apenas no Tesouro e não na capacidade da atividade seguradora internacional, compromete a capacidade de investimento do País.
As principais seguradoras e resseguradoras internacionais estão instaladas ou operam no País. É sem sentido desprezar a capacidade econômica e a experiência destas empresas que, faz tempo, possuem tecnologia de sobra para fazer frente aos riscos que podem afetar as obras do Brasil.
Onerar o Tesouro baseado na falácia de que o mercado internacional de seguros e resseguros não tem solidez para assumir os riscos das novas obras brasileiras não tem cabimento. O mundo está permanentemente em obras das mesmas dimensões e até maiores e as seguradoras e resseguradoras se saem muito bem, protegendo-as com sua capacidade e tecnologia e ganhando dinheiro com isso.
Além disso, se for para conseguir tecnologia e colocar no mercado os excedentes da capacidade de retenção de uma seguradora estatal, é muito mais barato, e com certeza mais eficiente, contratar diretamente as seguradoras que já estão aqui, operando e com tradição neste tipo de risco.
Estas obras geram diferentes tipos de seguros, como: os seguros de garantia de obrigação contratual, indispensáveis para as licitações e para garantir sua execução; as apólices que garantem as próprias obras; os seguros financeiros para consolidar as operações de financiamento; e os seguros de responsabilidade civil para garantir danos a terceiros em decorrência de cada projeto.
O conjunto das seguradoras em operação no Brasil está apto a aceitar estes riscos. É bom se ter claro que eles vão muito além de um único tipo de garantia e algumas delas só são oferecidas por empresas altamente especializadas. Por isso, criar uma nova seguradora estatal é completamente sem sentido.
Antonio Penteado Mendonça
O Estado de S. Paulo