EXCLUSIVO – Passa a vigorar hoje (11) a Lei 15.040/2024, ou novo Marco Legal dos Seguros, legislação que substitui dispositivos do Código Civil e cria regras próprias para a contratação, execução e regulação dos contratos de seguro no Brasil. O texto estabelece novos padrões de transparência, prazos obrigatórios para aceitação de risco e pagamento de sinistros, maior clareza contratual e novas responsabilidades para seguradoras e intermediários. Após um ano de período de adaptação, o setor chega ao início da vigência com desafios práticos que envolvem revisão de clausulados, atualização de sistemas e reorganização de fluxos operacionais.
A lei surge para detalhar pontos que historicamente geravam divergências interpretativas no mercado. Entre eles, o silêncio da seguradora diante de uma proposta de seguro, que agora se converte em aceitação tácita após 25 dias e a regulação de sinistros, que deve ser concluída em até 30 dias, após apresentação dos documentos necessários. Também ganham nova configuração as regras sobre exclusões contratuais, comunicação entre seguradora e segurado, dever de informação, limites de negativa e a própria redação das apólices.
A Superintendência de Seguros Privados (Susep) vem adequando sua regulamentação às novas diretrizes para garantir alinhamento entre normas infralegais e o texto da lei. No entanto, a responsabilidade primária de implementação recai sobre as seguradoras, corretores e distribuidores, que precisam ajustar estruturas internas e jornada do cliente para operar dentro dos novos parâmetros legais.
A Lei 15.040/2024 consolida em um único documento regras antes espalhadas por decretos, normas e artigos do Código Civil. A criação desse microssistema jurídico próprio dá ao setor um padrão mais claro de atuação, estabelecendo critérios objetivos para aceitação, vigência, comunicação, documentos, limites de cobertura, exclusões e tratamento de sinistros.
Um dos pontos centrais é a determinação de que qualquer exclusão, limitação ou risco não coberto deve ser apresentado de forma clara, destacada e inequívoca. O objetivo é evitar ambiguidades que historicamente resultaram em litígios e interpretações divergentes. Em caso de conflito entre documentos contratuais, prevalece o que for mais favorável ao segurado.
Os prazos também passam a ser instrumentos legais de disciplina operacional. Se a seguradora solicitar documentos adicionais, deve fazê-lo apenas uma vez, interrompendo o prazo de 30 dias e reiniciando a contagem após a entrega completa. Essas medidas afetam diretamente as rotinas internas das companhias, exigindo padronização e rastreabilidade de todas as etapas da jornada.
Pressão operacional e revisão de produtos nas seguradoras
A entrada em vigor da lei exige das seguradoras uma revisão integral dos contratos. A adequação das condições gerais e particulares demanda coordenação entre equipes jurídicas, atuariais e de produtos, além de integração com áreas de tecnologia e atendimento. A nova regra de clareza e destaque para exclusões, por exemplo, obriga empresas a reescrever trechos inteiros de apólices para evitar risco jurídico.
Lourenço Bandeira, integrante do corpo jurídico do Grupo Caburé Seguros, explica que a companhia iniciou o processo de revisão contratual ainda em 2024. Ele afirma que o maior desafio está em “reorganizar cláusulas para garantir coerência com o novo padrão legal, especialmente no que diz respeito à definição de riscos, exclusões e regras de cancelamento”. Para Bandeira, a adaptação envolve análise técnica minuciosa e integração entre áreas que normalmente trabalham de forma segmentada. “A exigência de transparência e padronização altera a forma de estruturar produtos.”
Além disso, a lei impõe novos critérios para despesas de salvamento, contenção e comunicação com o segurado. Esses ajustes obrigam seguradoras a revisar limites de cobertura e procedimentos operacionais. Em grandes grupos, o impacto é distribuído entre equipes de sinistro, subscrição, compliance e tecnologia; em seguradoras menores, o desafio é adaptar estruturas enxutas a prazos e exigências legais rígidas.
A nova legislação afeta diretamente corretores e distribuidores, que passam a atuar em um ambiente mais formalizado. Boris Ber, presidente do Sincor-SP, avalia que a lei reduz brechas de interpretação e fortalece a atuação técnica do corretor. “As novas regras deixam mais claros os critérios de aceitação, comunicação e padronização de produtos, o que exige do corretor um domínio maior sobre o conteúdo das apólices e sobre as condições contratuais”, afirma Ber.
Segundo o presidente do Sincor-SP, um dos pontos críticos é a necessidade de documentação das orientações prestadas ao segurado. Registros em CRM, e-mails ou plataformas digitais serão essenciais para comprovar que o cliente recebeu explicações completas sobre riscos, coberturas e exclusões. “A clareza exigida pela lei coloca o corretor em posição de maior responsabilidade, mas também aumenta o valor da consultoria técnica”, avalia.
Boris observa ainda que os prazos definidos para seguradoras exigem do corretor acompanhamento mais próximo das jornadas de contratação e sinistro. “O profissional precisa monitorar fluxos e antecipar gargalos, garantindo que o cliente receba respostas dentro dos prazos legais. Isso muda a rotina de trabalho”, diz.
A estratégia de grandes corretoras na Nova Lei
Entre os grandes distribuidores, a Wiz Co foi uma das empresas que estruturaram um programa de transição antes da entrada em vigor da lei. Stephanie Zalcman, Diretora Técnica de Operações da Wiz Corporate, unidade de negócios do Grupo Wiz Co, explica que a companhia tratou o Marco Legal como uma agenda prioritária ainda em 2024. “A nova lei exige revisão de processos, integração com seguradoras e adequação de fluxos. Criamos grupos multidisciplinares envolvendo jurídico, técnico, operações, comercial, tecnologia e compliance”. Stephanie destaca três pontos centrais da adaptação:
- Cumprimento de prazos — A operação precisa garantir acompanhamento de propostas, registros de comunicação e trilhas de follow-up.
- Qualidade da informação de entrada — Documentação incompleta ou erros cadastrais afetam diretamente a capacidade de cumprir a lei.
- Acompanhamento de sinistros — O prazo de 30 dias e a obrigação de transparência na negativa demandam processos de controle, organização de documentos e orientação permanente ao segurado.
Para a executiva, a combinação entre tecnologia e governança é determinante. A Wiz revisou comunicações padronizadas, materiais técnicos e propostas comerciais, além de implementar treinamentos internos e para parceiros. “O cliente precisa entender claramente o que está contratando. Uma comunicação objetiva reduz conflitos e melhora a experiência”.
A área de sinistros é uma das mais afetadas pela lei. A reformulação dos procedimentos envolve tanto a comunicação com o segurado quanto a própria estrutura de análise de risco. A seguradora precisa apresentar todos os fundamentos da negativa de sinistro já na primeira manifestação oficial ao cliente. Após isso, não é possível introduzir justificativas novas em eventual disputa judicial.
As regras de prazos peremptórios impõem controles rigorosos sobre etapas internas e interações com o segurado. Caso a seguradora exceda o prazo de 30 dias, corre risco de perder o direito de negar o sinistro, dependendo da situação contratual. Por isso, empresas estão investindo em automação, padronização e sistemas de registro para evitar falhas que possam resultar em responsabilização administrativa ou judicial.
Entre especialistas jurídicos, a expectativa é de que, no curto prazo, haja aumento de disputas enquanto seguradoras e consumidores se ajustam à nova dinâmica. Thomaz Kastrup, sócio da área de Bancário, Seguros e Financeiro do Machado Meyer, avalia que esse período é natural em processos de mudança normativa. Ele afirma que a necessidade de revisão de clausulados e adequação dos processos de regulação é “uma etapa crítica para reduzir riscos de litígios e garantir segurança jurídica no longo prazo”.
Tecnologia, dados e revisão das jornadas
O Marco Legal entra em vigor em um momento de transformação digital no setor. A combinação entre exigências legais e demanda por eficiência operacional acelera investimentos em sistemas que permitam rastreabilidade de decisões, controle de prazos, versionamento de documentos e comunicação estruturada com segurados. Plataformas digitais devem incorporar mecanismos automáticos de registro de etapas críticas da jornada, desde a proposta até a conclusão do sinistro.
Para seguradoras e distribuidores, o desafio é construir jornadas compliance by design, ou seja, produtos e processos estruturados desde o início com aderência à lei. Isso inclui revisão de formulários, adequação de questionários, clareza em manuais e simplificação de etapas que antes geravam retrabalho. A tecnologia passa a ser condição operacional, não apenas diferencial competitivo.
A entrada em vigor do Marco Legal marca, para quem atua diretamente no setor, o início de um período de ajustes acompanhado de um movimento de consolidação institucional. “A lei não encerra debates; ela reorganiza as bases a partir das quais eles serão feitos. O mercado terá de amadurecer seus procedimentos para colher os efeitos dessa padronização”, avalia Kastrup que a nova legislação inaugura um processo contínuo.
A percepção é compartilhada por Boris Ber, que destaca a mudança na dinâmica de atuação do corretor. Para ele, “as regras estão mais claras, e isso coloca o profissional no centro da orientação técnica. A adaptação não é apenas normativa, é cultural.”
Com essas leituras, a vigência da lei aponta para uma etapa em que seguradoras, distribuidores e corretores precisarão transformar diretrizes legais em rotinas consistentes. Embora cada segmento enfrente desafios específicos, o movimento é convergente: o setor passa a operar em um ambiente mais previsível, ainda em processo de amadurecimento, mas agora sustentado por regras explícitas que redefinem a relação entre empresas e consumidores.
Nicholas Godoy, de São Paulo.




