Ultima atualização 09 de setembro

Catástrofe gaúcha e o seguro agrícola

Os reflexos das enchentes no mercado segurador e lições para o futuro.
Maria Eduarda Guimarães Rossi Arnaldi,  advogada do núcleo de seguros do escritório Poletto & Possamai
Maria Eduarda Guimarães Rossi Arnaldi, advogada do núcleo de seguros do escritório Poletto & Possamai

*Maria Eduarda Guimarães Rossi Arnaldi

Só no agronegócio, o estado do Rio Grande do Sul estima prejuízos de mais de R$ 3,4 bilhões com as catástrofes climáticas de 2024[1]. Por sua vez, o setor de seguros reconheceu R$ 47,2 milhões a serem pagos em indenizações decorrentes de sinistros agrícolas, com a perspectiva de atingir a casa de R$ 181 milhões[2], consoante levantamento publicado pelo CNseg[3]. Isso a despeito do estado gaúcho ser o segundo colocado em número de contratações de seguro rural, com mais de 22 mil apólices (que abrangem uma área segurada de 900 mil hectares) e valor segurado superior a 6,76 bilhões de reais[4].

O seguro agrícola é uma modalidade de seguro rural que conta com coberturas específicas para diferentes eventos. Para proteger as atividades contra prejuízos resultantes de condições climáticas adversas, como incêndio, ventos fortes, variações de temperatura etc., a modalidade multirrisco é a mais recomendada.

Apesar disso, é necessário cautela quando da contratação do produto, afinal, diversas seguradoras diferenciam chuvas excessivas, risco normalmente coberto pela cobertura básica, de inundações – circunstância muitas vezes comercializada sob a guarida de cobertura adicional.

A título de exemplo, o evento “chuvas excessivas” pode ser definido como “precipitação atmosférica de água em estado líquido, que por sua intensidade e persistência ocasiona elevação dos níveis de umidade do solo, sem que necessariamente se acumule uma camada de água superficial visível”, enquanto a ocorrência inundação pode ser entendida como “transbordamento de cursos de água ou águas armazenadas de seus leitos ou limites naturais como consequência de chuvas intensas, invadindo a cultura segurada, provocando arrasto, cobertura e tombamento irreversível de plantas[5].”

Como se não bastasse, pode-se encontrar nos clausulados das apólices outras distinções de incidentes cobertos, como tromba d’água, alagamentos e enchentes.

Como o evento ocorrido no Rio Grande do Sul se enquadra na cobertura das apólices? O risco está abrangido pelas coberturas contratadas ou as seguradoras poderão se isentar de indenizações com base nas definições do clausulado? As discussões a esse respeito potencialmente excederão a seara administrativa.

Além disso, para receber o pagamento de prejuízos decorrentes de avarias a benfeitorias, maquinários e equipamentos utilizados nas propriedades rurais, o produtor gaúcho deverá ter contratado outra modalidade de seguro rural, o seguro de benfeitorias e produtos agropecuários[6].

Ainda que os pedidos de indenização englobem os bens situados nas propriedades alagadas, se o agricultor não estiver protegido por duas modalidades de seguro – seguro agrícola e seguro benfeitorias e produtos agropecuários – não terá direito ao ressarcimento da totalidade dos prejuízos.

Não obstante as discussões sobre a existência ou não de cobertura securitária sob as apólices contratadas, avalia-se que a maior parte das propriedades afetadas sequer contava com qualquer seguro rural. Embora ainda não seja possível estimar com precisão o impacto das chuvas no mercado de seguros – muitos sinistros sequer foram acionados perante as seguradoras em razão da dificuldade de acesso às propriedades alagadas – o presidente do CNseg calcula que o valor a ser indenizado se situará abaixo de 10% das perdas totais: “no caso do Rio Grande do Sul menos de 10% da perda estava segurada e provavelmente vamos ter um número [final] abaixo de 10% com as estimativas atuais[7].

Portanto, verifica-se que uma parcela relativamente pequena dos prejuízos do agronegócio com a tragédia do Rio Grande do Sul será absorvida pelo mercado segurador. Uma das medidas para remediar essa falta de proteção é a criação do Programa Emergencial de Reconstrução do Agronegócio no estado do Rio Grande do Sul (PERSul) pelo ministério da Agricultura e Pecuária, que dentre seus eixos de atuação trará o incentivo à adesão ao seguro rural. Contudo, apenas isso não é o suficiente; é necessário também um maior cuidado na contratação das apólices, com a adequada orientação ao produtor a respeito das diferentes coberturas oferecidas e sua extensão.

*Maria Eduarda Guimarães Rossi Arnaldi é advogada do núcleo de seguros do escritório Poletto & Possamai

Bibliografia consultada:

Gabinete Itinerante do Mapa realiza trabalho para apoiar agro gaúcho. Disponível em: <https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/gabinete-itinerante-do-mapa-realiza-trabalho-para-apoiar-agro-gaucho>. Acesso em: 14 jul. 2024.

SILAMI, D. Seguro rural: o que é, quais são os tipos e os seus benefícios. Disponível em: < https://rehagro.com.br/blog/seguro-rural/?utm_term=&utm_campaign=%5BEduca%C3%A7%C3%A3o%5D%5BSearch%5D%5BDSA%5D&utm_source=adwords&utm_medium=ppc&hsa_acc=1937416878&hsa_cam=21172544371&hsa_grp=162414669322&hsa_ad=696020321932&hsa_src=g&hsa_tgt=dsa-2293130854206&hsa_kw=&hsa_mt=&hsa_net=adwords&hsa_ver=3&gad_source=1&gclid=EAIaIQobChMIt5y-nvachwMVrM_CBB2TRQMKEAMYAyAAEgKR2PD_BwE  >. Acesso em: 9 jul. 2024.

Ministério vai pedir R$ 500 milhões extras para seguro rural no Rio Grande do Sul. Disponível em: <https://globorural.globo.com/politica/noticia/2024/05/ministerio-vai-pedir-r-500-milhoes-extras-para-seguro-rural-no-rio-grande-do-sul.ghtml>. Acesso em: 09 jul. 2024.

AUGUSTO, P. Plano Safra 24/25: Para Farsul, Proagro, seguro rural e parcelamento de dívidas devem ser prioridades do Governo no RS. Disponível em: <https://www.moneytimes.com.br/plano-safra-proagro-seguro-rural-e-parcelamento-de-dividas-devem-ser-prioridades-do-governo-no-rs/>. Acesso em: 12 jul. 2024.

POVO, C. DO. Recursos do seguro rural têm aumento de 174% no Rio Grande do Sul. Disponível em: <https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/rural/recursos-do-seguro-rural-t%C3%AAm-aumento-de-174-no-rio-grande-do-sul-1.1509458>. Acesso em: 12 jul. 2024.

Seguro agrícola garante proteção para safra de trigo: porque e como contratar | 3tentos. Disponível em: <https://www.3tentos.com.br/triblog/post/123>. Acesso em: 12 jul. 2024.

EDIÇÃO. Tipos de coberturas – Rural. Disponível em: <https://www.genebraseguros.com.br/tipos-de-coberturas-rural/>. Acesso em: 14 jul. 2024.

Indenizações de seguros chegam a R$ 1,6 bilhão após cheias no RS; 8 mil veículos sofreram danos. Disponível em: <https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2024/05/24/indenizacoes-seguros-cheias-rs.ghtml>. Acesso em: 14 jul. 2024.


[1] SOBE para R$ 11 bilhões prejuízo com as chuvas no RS. Disponível em: https://cnm.org.br/comunicacao/noticias/sobe-para-r-11-bilhoes-prejuizo-com-as-chuvas-no-rs. Acesso em: 11 jul. 2024.

[2] PEDIDOS de indenizações por perdas no Sul já somam R$ 3,88 bilhões, segundo CNseg | SindsegSP. Disponível em: https://www.sindsegsp.org.br/site/noticia-texto.aspx?id=36196. Acesso em: 12 jul. 2024.

[3] Confederação Nacional das Seguradoras.

[4] Relatório de 2023 – Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/riscos-seguro/seguro-rural/dados/relatorios/RelatorioGeralPSR2023.pdf.

[5] Consoante definição das Condições Contratuais do seguro Sompo Seguro Agrícola Custeio, disponível em: https://sompo.com.br/produto/sompo-agro/

[6] Conforme modalidades do Seguro Rural elencadas no art. 2º da Resolução CNSP nº 404, de 26 de março de 2021.

[7] Pedidos de indenizações por perdas no Sul já somam R$ 3,88 bilhões, segundo CNseg | SindsegSP. Disponível em: https://www.sindsegsp.org.br/site/noticia-texto.aspx?id=36196. Acesso em: 14 jul. 2024.

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