Ultima atualização 23 de março

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A contribuição do mercado segurador no combate às mudanças climáticas

Muitas empresas do setor já investiram ou estão investindo em algo relacionado às questões climáticas, como a digitalização de documentos, ações de plantio de florestas e etc

Você conhece o conceito do mutualismo? Provavelmente deve ter aprendido nas aulas de biologia que é uma das formas de associação de diferentes espécies em que ambas se beneficiam. Todavia, há um conceito um pouco mais sutil que define a palavra como um sistema de contribuição de todos para o benefício individual. Podemos elevar este conceito para o nosso dia a dia também, uma vez que está coligado a atitudes solidárias, de boa convivência e em prol do bem comum; permeando situações do cotidiano e temas atualmente muito discutidos. Um destes temas que cada vez mais sustentam e influenciam as empresas, a política e especialmente nossas vidas, e que suas soluções apontadas até hoje estão enraizadas no mutualismo, é a questão das mudanças climáticas.

Temos aquele papel bem básico neste combate como cidadãos: separar lixo comum do reciclável, não desperdiçar água e alimentos, favorecer quando possível os meios de transporte menos poluentes, evitar o uso de plástico etc. Pensando agora no nosso mercado segurador, vemos que muitas empresas já investiram ou estão investindo em algo relacionado às mudanças climáticas: lixos coloridos nos escritórios ou documentos (finalmente!) digitalizados, ações de plantio de florestas, ou até mesmo algumas já integram a Iniciativa de Seguros Sustentáveis, programa vinculado à Organização das Nações Unidas que trata do tema.

Mathias Gerhard

Todavia, precisamos discutir no mercado de seguros atitudes que tenham resultado prático ainda maior no combate às mudanças climáticas, de forma a influenciar clientes e parceiros. E uma possível ação seria estender este combate para o coração das seguradoras: a subscrição de riscos. E, desta maneira, propor na função de cada subscritor um papel específico para gerir e filtrar riscos não só com base na boa técnica, mas agora também com base na boa gestão ambiental.

Pensando na análise de produtos patrimoniais, seria possível por exemplo montar um score ambiental para cada risco, contendo pontos de atenção como a política ambiental; descarte e destino de resíduos; histórico de contaminação ou poluição; se há, quando aplicável, licença ambiental em vigor; relação entre a estrutura e a natureza local, entre outros. A subscrição poderia incluir recomendações e exigir ações por parte dos segurados e, em casos extremos, mesmo após um processo educativo, recusar o risco por não possuir uma política ambiental adequada. Com o poder que temos com o trabalho dos inspetores de riscos, há um meio de entrarmos nas empresas e efetivamente influenciar a gestão ambiental de cada.

Já no ramo agrícola, riscos em áreas recém desflorestadas ou com tendência para tal deveriam passar por algum crivo na subscrição. Calcular se o espaçamento entre córregos e rios e lavouras está sendo respeitado; analisar se aquele risco afeta negativamente de alguma forma a biodiversidade local; entender o uso e descarte de herbicidas e pesticidas, observar se a rotação é corretamente respeitada para evitar desgaste excessivo do solo, entre outros, também são possíveis medidas a serem implementadas.

E continuamos pelos mais diversos ramos de seguros. No automotivo, os critérios de subscrição poderiam filtrar os veículos mais poluentes. O mesmo para o ramo de aeronáuticos. O gerenciamento de riscos nos ramos de Marítimos, Transportes e de Petróleo está caracterizando a gestão ambiental, e suas práticas adotadas, ainda mais que alguns riscos são passíveis de perdas ambientais de altíssimo impacto? Novamente passamos pela análise e técnica da subscrição.

Até mesmo as Linhas Financeiras e de Garantias poderiam solicitar um score ambiental de seus segurados ou tomadores, ainda mais considerando as práticas cada vez mais adotadas de ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa, na tradução livre). É inegável também a importância do seguro de Responsabilidade Civil Ambiental, o qual deve ser cada vez mais incentivado e destacado pelas seguradoras.

Em suma, o mercado segurador possui meios para atuar de forma muito efetiva nas mudanças climáticas, não só pelo poder de subscrição e seleção, mas também por influenciar a gestão de riscos de nossos clientes. Ainda são vários os desafios pela frente, começando pela conscientização plena do mercado e as aplicações do tema em diversas esferas do cotidiano da subscrição, adaptando alguns dos exemplos aqui comentados para cada análise e produto específico, ou mesmo criando um padrão global que possa gerir, por exemplo, alguns requisitos mínimos de aceitação ou um processo educativo para cada segurado. Vale destacar o papel do ressegurador, o qual, na medida em que dá suporte para várias seguradoras e corretores, operando no mercado de forma ampla, poderia ser um grande aliado na confecção de guias de subscrição, matrizes e clausulados específicos para ajudar as seguradoras a lidarem com a questão ambiental na subscrição.

Lembra do conceito de mutualismo que comentei no início? “Um sistema de contribuição de todos para o benefício individual”. Este não é só um modo de combatermos as mudanças climáticas, em que todos nos unimos para contribuir com o próximo, mas é um dos princípios básicos do seguro, produto que tanto diariamente operamos. Temos responsabilidade em dobro, não?

A propósito, a Susep disponibilizou no Diário Oficial da União a consulta pública Nº44/2021, até o fim de março, que dispõe sobre requisitos de sustentabilidade a serem observados pelas sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar (EAPCs), sociedades de capitalização e resseguradores locais.

* Por Mathias Gerhard, analista de Subscrição Sênior da Austral Resseguradora

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