Ultima atualização 15 de outubro

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Mudanças na emissão da CNH podem mudar precificação do seguro

EXCLUSIVO – O governo federal anunciou mudanças significativas nas regras para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) sem a necessidade de autoescola. O projeto, que está em consulta pública até 2 de novembro, já recebeu mais de 16 mil contribuições na plataforma Participa + Brasil desde sua abertura, em 2 de outubro. Entre as principais propostas estão a possibilidade de realizar o exame prático em veículos automáticos e a flexibilização das aulas práticas obrigatórias em autoescolas. As medidas abrem espaço para modelos de aprendizado mais autônomos e digitais, além de poder reduzir em até 80% o custo total da habilitação, segundo estimativas do governo federal.

A medida, apresentada como modernização e desburocratização para novos condutores, gera um debate a respeito da segurança no trânsito e sobre como analisar a real capacidade de um condutor. Para Frederico Almeida, sócio na BMEX Consultoria, advogado e e professor da Escola de Negócios e Seguros (ENS), o ponto central não é a obrigatoriedade das aulas, mas a qualidade de como vai ser aplicado o exame. “O que garante segurança não é o caminho até a prova, mas a seriedade com que se define quem está pronto para estar ao volante. Uma avaliação robusta e multidimensional, que considere habilidades operacionais, reflexos, comportamento e aspectos psicológicos, é mais relevante do que simplesmente cumprir horas de aula”, explica Almeida.

Tradicionalmente, motoristas de primeira viagem apresentam perfil de risco mais elevado, refletido em prêmios mais altos para o seguro auto. Com a flexibilização das exigências das autoescolas, surge a necessidade de revisar modelos de precificação, considerando condutores formados pelos novos métodos alternativos de aprendizado.

“Se o exame for sério, criterioso e capaz de aferir habilidades reais de condução, não há motivo para que o preço do seguro seja impactado de forma negativa. Mas se a avaliação for simplificada demais, a percepção de risco aumenta e o custo do seguro também pode subir”, pondera Almeida. Em comparação, ele traça um paralelo com sistemas acadêmicos. “Não importa se o aluno passou por um currículo tradicional ou estudou de forma autônoma. O que importa é a prova final e sua capacidade de mensurar de forma justa e completa o conhecimento ou habilidade do candidato”, analisa.

Ou seja, a entrada em massa de novos motoristas tende a gerar inicialmente um aumento de incerteza estatística para as seguradoras. E até que haja dados consolidados sobre o comportamento dessa nova base, o caminho natural é adotar cautela e ajustar prêmios para refletir o risco percebido, principalmente nos primeiros anos de habilitação.

Como funciona lá fora?

É válido olhar para experiências internacionais que mostram diferentes caminhos para formar motoristas mais preparados. No Reino Unido, por exemplo, os candidatos podem aprender a dirigir por conta própria, mas enfrentam exames extremamente rigorosos. O resultado disso aparece nas estatísticas, em que o país registra cerca de 2,4 mortes no trânsito por 100 mil habitantes, contra mais de 15 no Brasil.

Já na Alemanha, o modelo combina aulas obrigatórias e provas padronizadas, alcançando um índice de 3,3 mortes por 100 mil habitantes.”A lição é clara: não é a aula obrigatória que salva vidas, mas sim o conjunto, com provas exigentes, fiscalização e uma cultura de responsabilidade no volante”, destaca. Em países como Suécia, Alemanha e Holanda, estudos indicam que priorizar avaliações completas e detalhadas dos condutores, em vez de focar apenas na carga horária de aulas, pode reduzir em até 30% as fatalidades entre jovens motoristas.

Outro grande exemplo é o Japão, uma referência global em segurança viária, que registra 2,7 mortes por 100 mil habitantes, reforçando que comportamento, treinamento e fiscalização são fatores mais determinantes para a segurança do que o tempo gasto em aulas práticas.

A prova prática em carros automáticos

Uma das mudanças mais comentadas é a possibilidade de realizar o exame prático em veículos automáticos. Para Almeida, faz sentido acompanhar a realidade da frota urbana, predominantemente automática, mas existem riscos. “Se a pessoa fizer o teste em automático e a CNH sair sem restrição, permitindo dirigir veículos manuais, há um descompasso entre habilitação legal e experiência real. Lá fora, se você faz exame em carro automático, a licença sai restrita a esse tipo de veículo; para dirigir manual, é necessário nova prova. Isso é coerente e reduz o risco”, opina.

No Brasil, caso a regra seja mais aberta, permitindo dirigir qualquer veículo, o mercado de seguros poderá precificar o risco com cautela, não por preconceito, mas por prudência estatística. Para se adaptar, as seguradoras tendem a sofisticar a análise de risco, incorporando novas variáveis:

  • Histórico de formação do condutor (curso completo, aulas práticas com instrutor credenciado, tipo de exame realizado);
  • Comportamento real ao volante, medido por telemetria e aplicativos de condução segura;
  • Capacidade de resposta a situações de risco, aferida por exames efetivos.

“É o ‘dirija e prove’: quanto mais defensiva a condução, menor o prêmio. Esse tipo de ferramenta já é usado em mercados maduros, e é provável que chegue ao Brasil se a flexibilização avançar”, observa Almeida.

O desafio será calibrar os modelos de pricing com dados consistentes, transformando o seguro auto em um produto mais alinhado ao comportamento do motorista do que à quantidade de aulas concluídas.

Além do risco operacional, surgem questões legais. Caso a CNH seja obtida sem o acompanhamento tradicional da autoescola, a comprovação de treinamento poderá influenciar processos de apuração de culpa ou indenizações em acidentes. “O seguro não deixa de cobrir, mas histórico e comprovação de treinamento podem ser considerados. A segurança jurídica do contrato continuará baseada na honestidade do exame e na comprovação da aptidão do condutor”, alerta Almeida.

A tendência é adotar um modelo híbrido: digitalização, desburocratização e múltiplos caminhos de aprendizagem, mas mantendo provas práticas sérias e auditadas. “O Brasil precisa equilibrar liberdade e rigor. Países que conseguiram esse equilíbrio, como os exemplificados, colhem resultados excelentes. O futuro ideal é mais acessível, mas sem abrir mão da segurança”, conclui Almeida.

Para o mercado de seguros, o impacto dependerá da implementação e do rigor do exame final, abrindo espaço para um modelo de precificação mais justo e baseado em dados concretos, e não apenas na percepção histórica de risco de motoristas de primeira viagem.

Nicholas Godoy, de São Paulo

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