O crescimento desta carteira nos últimos anos é incontestável, bem como o aumento da demanda de cobertura por conta de novos acontecimentos políticos e econômicos. Desde a publicação do Novo Código Civil, em 2003, foram estabelecidas novas responsabilidades para os executivos que cometem erros, negligência ou dolo. “Em 2004, os prêmios diretos de D&O foram de R$ 76 milhões. Mas em 2015 esse total já tinha aumentado para R$ 266 milhões”, analisa Marcelo Varela, subscritor de D&O da operação de seguros da XL Catlin no Brasil.
Qualquer empresa pode contratar uma apólice de seguro deste tipo. Entretanto, além das multinacionais que possuem programas de seguros globais, empresas que enfrentam um ambiente regulatório mais rígido tendem a contratar com mais frequência (bancos, seguradoras, empresas de capital aberto etc). A lei anticorrupção acabou criando a demanda também entre empresas de pequeno e médio porte.
Dentre os fatores para o crescimento do setor, Varela cita os casos de corrupção de grande visibilidade que expuseram algumas falhas na governança corporativa e na transparência. “Esses processos mostraram que as agências reguladoras e os tribunais não estão relutantes em aplicar sanções severas, quando confrontados com a prevaricação corporativa”.
O executivo da XL acrescenta que a recente aprovação de uma nova lei de responsabilidade corporativa, também conhecida como Lei da Empresa Limpa, impôs algumas novas normas de contabilidade e também colocou diretores e executivos sob fiscalização judicial e regulamentações ainda mais rigorosas. “Além disso, de acordo com essa nova lei, as empresas podem ser multadas em até 20% de sua receita se um funcionário for considerado culpado de corrupção”.
Não é nenhuma surpresa que estas mudanças também tenham causado um aumento significativo nas reivindicações de D&O. De acordo com a SUSEP, em 2015 as indenizações de D&O atingiram R$ 102 milhões, um aumento de mais de 400% em comparação com 2013. É importante notar que, embora o aumento dos processos de sinistros tenha sido fortemente sentido pelas entidades envolvidas em escândalos de corrupção, bem como as empresas listadas, as pequenas e médias empresas não sofreram grandes consequências e as taxas desses setores permanecem inalteradas. Além disso, novos atores ainda estão entrando no mercado, trazendo mais concorrência.
O fato é que tanto as empresas estão mais preocupadas quanto as seguradoras estão mais cautelosas. “Por enquanto, a maioria dos sinistros reclamados referem- se a pagamento de defesa. As grandes multas e penalidades ainda estão por vir, porque os sinistros ainda estão se desenrolando”, prevê o advogado João Marcelo dos Santos, da Santos & Bevilaqua.
A crise econômica que afeta diretamente alguns setores, causando perdas financeiras significativas, aumentando o escrutínio de investidores, assim como os recentes casos de corrupção, estão no centro deste aumento de sinistralidade, conforme explica Celso Soares Junior, da Zurich. “As ações de classe nos EUA atingem diversas empresas brasileiras, de setores distintos, o que por si só causa preocupação no setor. Em razão disso, o processo de subscrição se tornou mais rígido: coberturas amplas concedidas anteriormente passam a ter limitações e há ainda um impacto direto em preço”, completa.
As companhias que atuam neste setor também estudam rever exclusões e cláusulas dos próximos contratos.
Situação atual
Uma cotação de seguro novo ou de renovação para empresas com perfil de risco mais claro é mais difícil, porque o mercado segurador tem analisado mais aspectos. “A subscrição passou a ser mais detalhada. O soft market, de condições abertas e redução de preços, não faz parte da realidade atual. Antes de assumir o risco, as seguradoras analisam o histórico da empresa e seu setor e, de modo geral, têm observado mais os programas anticorrupção e antifraude (compliance), adequando a precificação”, destaca Soares, da Zurich.
O executivo conta que também se tornaram mais comuns as cláusulas excludentes na apólice. As perguntas sobre programas de compliance se tornaram uma constante nas cotações de D&O. “O objetivo é entender se há estrutura de fiscalização e controles, principalmente no que se refere ao relacionamento com o governo e práticas anticoncorrenciais”, explica. Estas respostas impactam diretamente em aceitação/escopo de cobertura ofertado e preço. Os valores podem ser revistos conforme a empresa comprove sua real intenção de agir contra riscos. “Questões relativas à estruturação de programas de compliance, como o estabelecimento de canais de denúncia, investigações independentes, códigos de conduta e treinamentos aos colaboradores são analisadas no momento da subscrição”, acrescenta.
O advogado João Marcelo Santos acredita que as desavenças jurídicas em torno do seguro de D&O ainda trarão grande aprendizado para o setor. “As questões que envolvem os sinistros de D&O não podem ser consideradas do campo do direito penal nem do direito administrativo. Quem trabalha com seguros está mais familiarizado com conceitos de compliance e esta será uma nova área de atuação”. Para ele, na situação atual das regulações, quem está na frente é o Ministério Público, que possui posição privilegiada porque participam da criação dos precedentes.
Então o que o futuro reserva? “Todas as evidências sugerem que a demanda pelo seguro D&O no Brasil vai continuar a aumentar. No entanto, o movimento no Brasil, e na verdade em todo o mundo, por maior accountability sugere que as reivindicações também irão aumentar”, assinala Varela, da XL Catlin. Neste cenário, os clientes provavelmente solicitarão limites maiores, o que significa que as seguradoras terão de encontrar capacidade adicional, bem como subscrever os riscos de D&O com mais cuidado.
Para as seguradoras que oferecem cobertura para D&O no Brasil, os próximos anos devem ser um desafio. “No entanto, com maior clareza da SUSEP e fortes práticas de subscrição, o mercado deverá estar preparado para oferecer a executivos e diretores alguma proteção para quando tomarem decisões informadas com base na crença sincera de que tais decisões são no melhor interesse da empresa”, conclui Varela.
Kelly Lubiato
Revista Apólice
*matéria originalmente publicada na edição 210 (maio/2016)