A indústria de seguros brasileira vive um momento de transformação profunda e multifacetada. Mais do que acompanhar a grande inovação nos produtos, nos canais de distribuição, nas parcerias estratégicas e na forma de se relacionar com o consumidor, o setor está imerso em um novo ciclo jurídico e regulatório que promete redefinir suas bases. Essa foi a tônica da fala de Dyogo Oliveira, presidente da CNseg, na abertura da XVII edição do Congresso da AIDA Brasil (Associação Internacional de Direito de Seguro), realizado nos dias 8 e 9 de abril, em São Paulo.
Ao destacar a importância da recém-sancionada Lei 15.040 — o chamado Novo Marco Legal dos Seguros —, Dyogo frisou que o setor encara grandes oportunidades, mas também desafios à altura da magnitude dessa mudança, afirmando que, ainda que haja certas objeções, ela é a lei possível, construída com respeito aos interesses de todos os envolvidos.
Sancionada em 9 de dezembro de 2024, a nova norma tem como pilares a modernização das regras de contratação de seguros, o reforço da proteção ao consumidor e o aumento da segurança jurídica nas relações contratuais. Mas Dyogo foi além: lembrou que o seguro é diferente de qualquer outro produto ou serviço — ele é uma promessa de proteção futura. “E quem entende de promessas e contratos são os advogados. Por isso, este Congresso tem um papel tão essencial”, concluiu.
O presidente da CNseg também chamou a atenção para outra novidade legal: a Lei Complementar 213/2025, que cria uma porta de entrada para cooperativas de seguros e operadoras de proteção patrimonial mutualista que antes operavam à margem da legislação. “Mas essa adesão à regulação será voluntária, voltada àquelas que desejam estar sob supervisão formal”, destacou.
A maior reforma em seis décadas
O superintendente da Susep, Alessandro Octaviani, deu ainda mais peso à relevância da nova legislação: “A Lei 15.040 é a maior reforma do setor nos últimos 60 anos. Foram mais de duas décadas de debates e maturação, com mais de 200 emendas ao texto original.” Para ele, sem uma base regulatória sólida, não há mercado que prospere. E revelou que a Susep já está trabalhando para concluir o processo regulatório envolvendo tanto a nova lei quanto a LC 213 ainda em 2025. As primeiras minutas para Consulta Pública devem ser divulgadas até o final do primeiro semestre.
A densidade jurídica da nova lei
Coube à diretora jurídica da CNseg, Glauce Carvalhal, o mergulho mais técnico nos fundamentos da nova legislação e no posicionamento institucional da Confederação. Ela ressaltou que a norma, com seus 134 artigos, alinha o Brasil aos padrões internacionais — como os praticados em países como Itália, França, Portugal, Espanha, Argentina e Chile —, além de trazer mais clareza e robustez aos conceitos que estruturam o contrato de seguro.
Ao tratar do questionário de avaliação de riscos, mencionado nos artigos 13, 44, 45 e 46, Glauce Carvalhal explicou que as seguradoras agora têm o dever de alertar os consumidores sobre quais informações são relevantes. No entanto, isso não exime os segurados da obrigação de prestar dados que impactem o valor do seguro, mesmo que não tenham sido explicitamente solicitados — em respeito ao princípio da boa-fé que rege o setor.
Entre limites e responsabilidades
Outro ponto sensível abordado foi o artigo 51, que trata da vedação à discriminação social. A diretora da CNseg foi enfática ao esclarecer que a nova lei proíbe práticas comerciais ou técnicas que resultem em exclusões sociais. Mas alertou que isso não deve ser confundido com a seleção de riscos baseada em critérios técnicos e comerciais legítimos — essência da atuação das seguradoras. “Discriminar é adotar critérios com finalidades ilícitas e abusivas. Selecionar riscos, não”, pontuou.
No que diz respeito ao compartilhamento de documentos relacionados à regulação de sinistros — tratados nos artigos 80, 82 e 83 —, a norma estabelece que as seguradoras devem fornecer aos interessados todo o conteúdo de suas apurações, desde que não haja sigilo legal ou risco de danos a terceiros. Mas a diretora fez um alerta importante: a própria definição de “interessado” ainda carece de maior clareza, e será necessário demonstrar legitimidade para ter acesso aos documentos, o que também visa reduzir possibilidades de fraude.
A polêmica sobre a vigência da nova lei
Entre os artigos que mais suscitaram discussões no Congresso da AIDA está o 134, que trata da vigência da nova legislação. Enquanto algumas interpretações defendem que a norma alcança inclusive contratos firmados antes de sua promulgação, a posição da CNseg é de que a lei não deve retroagir — entendimento que ainda deve ser debatido com profundidade nos próximos meses.
Apesar das divergências interpretativas, um ponto reuniu consenso: a transição para o novo marco exigirá um esforço coletivo, intenso e contínuo de adaptação. Será preciso estudo, diálogo e cooperação entre todos os atores do mercado — reguladores, seguradoras, consumidores, advogados e especialistas — para que a nova lei cumpra seu papel transformador sem abrir espaço para inseguranças ou retrocessos.
Reconhecimento e emoção marcam o primeiro dia do Congresso
O primeiro dia do Congresso da AIDA Brasil também foi marcado por um momento de grande emoção e merecido reconhecimento. A diretora Jurídica da CNseg, Glauce Carvalhal, foi homenageada com o título de Personalidade do Ano da AIDA, em reconhecimento à sua trajetória exemplar, marcada por uma dedicação incansável à comunidade jurídica especializada em direito do seguro.
A honraria destacou não apenas sua atuação firme e consistente na defesa dos pilares do setor, mas também suas valiosas contribuições ao fortalecimento institucional da AIDA Brasil e ao desenvolvimento do mercado segurador como um todo. Glauce, visivelmente emocionada, agradeceu a distinção, sendo recebida com aplausos calorosos da plateia, composta por colegas, especialistas e representantes de diferentes segmentos do setor.