Ultima atualização 19 de February

Modelagem de catástrofes: tecnologia para mais proteção no Brasil

As graves inundações que aconteceram no Rio Grande do Sul em 2024 evidenciaram falhas significativas nas abordagens de transferência de riscos de eventos climáticos extremos no Brasil. De acordo com dados preliminares da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) e perdas econômicas estimadas por agentes governamentais, as perdas seguradas foram estimadas abaixo de 10% das perdas totais do incidente. Os custos compartilhados entre a população, o governo e empresas revelam lacunas de proteção que precisam ser fechadas com urgência, considerando a crescente frequência e severidade de catástrofes climáticas.

A título de comparação, a estimativa de perdas seguradas pelo Furacão Milton pode chegar a 60%, segundo a agência de classificação de risco Morningstar DBRS. Essa cobertura mais robusta é resultado da experiência histórica com desastres climáticos na região e do desenvolvimento de modelos de risco mais sofisticados.

No Brasil, a conscientização sobre os riscos naturais nunca foi parte da cultura dos segurados ou do mercado. Não havia demanda por modelos que avaliassem riscos como inundações ou vendavais. No entanto, essa realidade está mudando e exigirá que seguradoras e resseguradoras adaptem suas estratégias.

Nesse contexto, as tecnologias avançadas de modelagem de catástrofes podem fazer toda a diferença. Reduzir as incertezas ajudará a precificar melhor os riscos, permitindo a ampliação da oferta e cobertura e promovendo maior resiliência econômica tanto para o setor público quanto para o privado.

O papel dos sistemas de modelagem de catástrofes

Esses sistemas ajudam seguradoras e resseguradoras a entenderem e quantificarem sua exposição ao risco, permitindo uma tomada de decisão mais informada sobre os níveis de cobertura que desejam oferecer. Além disso, auxiliam a calibração das ofertas, proporcionando mais opções de seguro para esses eventos. O aumento da oferta cria um ambiente de maior competitividade entre as seguradoras, o que tende a reduzir os custos das apólices para consumidores, empresas e governos.

Os sistemas de modelagem também permitem que os governos simulem os impactos de catástrofes, ajudando-os a criar estratégias de proteção financeira que não dependam exclusivamente do orçamento público, como fundos de catástrofe ou a contratação de seguros para mitigar riscos orçamentários. Essa abordagem já é adotada em países como Chile e México.

Para empresas e pequenos comércios, essas ferramentas suportam a avaliação do risco geográfico, facilitando decisões sobre investimentos e localizações estratégicas com base na probabilidade de eventos como inundações.

A experiência da modelagem estatística no Brasil

Como apoio às seguradoras e resseguradoras, na Guy Carpenter, desenvolvemos a plataforma GC AdvantagePoint® para análise avançada de catástrofes. Construída em uma base geoespacial ultraescalável, ela cria visualizações de mapas, analisa camadas de eventos e interage diretamente com dados de portfólio em vigor.

Para garantir precisão, o modelo é atualizado regularmente, incorporando inteligência local e considerando a evolução de visões científicas, mudanças nas exposições e fatores regulatórios específicos de cada país. Recentemente, lançamos, por meio dessa plataforma, o primeiro Modelo Probabilístico de Alagamento para o Brasil. O investimento foi uma prioridade global para o grupo, impulsionada pelos eventos recentes no Rio Grande do Sul.

Nosso foco inicial foi auxiliar na recuperação do estado, mas rapidamente percebemos a necessidade de quantificar esse risco para estarmos mais preparados no futuro. A coleta de dados e o uso de algoritmos permitiram prever as áreas mais propensas a serem afetadas e calcular custos e riscos de forma mais precisa, garantindo maior proteção para as operações das seguradoras e oferecendo aos clientes preços mais justos.

É importante destacar que esse não é um modelo de previsão, mas sim um modelo preditivo baseado em simulações estatísticas. Ele avalia o que pode acontecer com uma carteira de ativos ou uma cesta de apólices de seguro diante do impacto de um alagamento, sem a intenção de prever especificamente onde os eventos ocorrerão.

Normalmente, simulamos entre 100 mil e 500 mil cenários para o próximo ano, o que viabiliza a análise detalhada da distribuição dos cenários mais improváveis e severos, bem como dos mais prováveis e menos graves, a fim de quantificar o risco.

Além disso, o modelo inclui um algoritmo para simular mudanças climáticas, como variações de até 2 ou 3 graus Celsius na temperatura global. Dessa forma, é possível estimar o quão severo um evento poderá ser em determinada região, devido ao aquecimento global.

Até julho de 2024, não havia nenhum modelo capaz de indicar a probabilidade de danos causados por alagamentos no Brasil. Sem essa ferramenta, o seguro contra alagamentos era mais caro, pois as seguradoras não tinham uma base precisa para definir os preços.

Está claro que precisaremos desenvolver modelos locais para outros tipos de eventos extremos no futuro, como incêndios e secas. Assim, será possível proporcionar cada vez mais segurança às companhias e ampliar a cobertura no país, que passa a ter um nível de entendimento, quantificação e gestão de riscos naturais comparável ao de outras regiões do mundo com alta exposição a esses eventos.

Com o modelo, a perspectiva de ampliação da cobertura pode não colocar o Brasil no mesmo patamar das grandes economias de imediato, mas certamente deve redefinir o setor de seguros no país nos próximos anos.

* Pedro Farme, CEO da Guy Carpenter

Compartilhe no:

Assine nossa newsletter

Você também pode gostar

Feed Apólice