Ultima atualização 31 de maio

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Pequenos Números, Grandes Erros

Por Sérgio Rangel *

É notório que as Companhias de Seguros exercem importante papel dentro do sistema privado de proteção social em nosso país. A relevância dessa atividade está relacionada às novas necessidades e preocupações advindas do mundo moderno, bem como à ineficiência das políticas públicas existentes. O fato é que a sociedade cada vez mais vem necessitando de auxílio em situações de carências e de dificuldades, principalmente em virtude da materialização dos riscos sociais relacionados à vida, à saúde e ao patrimônio. Assim, as Companhias de Seguros atuam no mercado assumindo e diluindo riscos, seguindo o princípio básico do mutualismo.

O problema é que os seguros funcionam no formato de pré-pagamento, em que os prêmios devem, necessariamente, ser fixados antecipadamente aos sinistros. Para contornar essa questão, os atuários trabalham seus modelos de precificação com base na chamada Lei dos Grandes Números, formulada pelo suíço Jacob Bernoulli em meados do século XVII. Tal lei estabelece que, em uma série imensa de experimentos, a frequência relativa de um evento se aproxima cada vez mais da sua probabilidade de ocorrência. Por exemplo: ao jogarmos uma moeda não viciada para o alto, não sabemos se sairá cara ou coroa, mas sabemos, intuitivamente, que a probabilidade de sair cara ou coroa é a mesma, ou seja, 50%. Isso se deve ao fato de que, apesar de podermos jogar dez vezes essa moeda e observar um resultado final “surpreendente” de sete caras e três coroas, se jogarmos um milhão de vezes, o resultado final se situará muito próximo a quinhentos mil para cada um dos lados da moeda. Da mesma forma, as Companhias de Seguros não sabem se determinada pessoa vai morrer no próximo ano ou se determinada casa vai incendiar, mas, pela Lei dos Grandes Números, é possível prever, com certo grau de confiança, o número de falecimentos ou de incêndios em um grupo de expostos suficientemente grande.

Fui indagado certa vez pelos meus alunos se existiria, de forma análoga à Lei dos Grandes Números, uma lei ou propriedade relacionada aos Pequenos Números. Minha resposta foi afirmativa: é verdade, existe sim a Lei dos Pequenos Números. Os psicólogos econômicos e economistas comportamentais definem essa lei como a tendência das pessoas em desprezarem o tamanho das amostras para fins de julgamento e tomada de decisão. Esse viés conduz a conclusões precipitadas baseadas em dados, muitas vezes, insuficientes. No citado exemplo do experimento com a moeda, observar simplesmente o resultado de sete caras em dez arremessos não é suficiente para afirmar que a probabilidade de sair cara seja de 70%. É notória a difícil relação entre nossas mentes e a estatística. Isso ocorre porque assumimos que alguns poucos exemplos ou pequenas séries podem retratar fielmente uma dada situação, quando na verdade são amostras muito pequenas para serem representativas. Nossa vulnerabilidade à Lei dos Pequenos Números está diretamente associada ao fato de generalizarmos situações a partir de informações não representativas.

Em nossas decisões profissionais não nos atentamos para essa “ilusão” e, por vezes, temos a tendência de chegarmos a conclusões de forma prematura. No caso do mercado financeiro e de seguros, isso acontece com frequência, quando, por exemplo, julgamos o desempenho de um gestor financeiro ou o resultado de determinada apólice unicamente com base em sua performance nos últimos meses ou no final de vigência de um contrato. A Lei dos Pequenos Números nos faz enxergar tendências e causalidades onde talvez elas não existam. Portanto, é recomendável encarar “intuições estatísticas” com as devidas suspeitas. As evidências sugerem que abandonemos a fé exagerada nas pequenas amostras, visto que saltar para conclusões precoces e imprecisas é um esporte bastante arriscado que pode comprometer o nosso bom desempenho.

* Sérgio Rangel é atuário e Mestre em Economia pela UFRGS, especialista em Seguros de Vida pelo SITC/Zurique, acadêmico da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP) e consultor sênior da Mirador Atuarial

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