Ultima atualização 23 de setembro

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O equilíbrio entre a proteção dos clientes e a saúde da carteira

Doenças crônicas podem fazer com que doentes crônicos não tenham acesso ao seguro de vida e mercado precisa encontrar a estabilidade entre os dois quesitos

equilibrio

Há uma discussão nos mercados de todo o mundo: a intenção do seguro é proteger pessoas e, ao mesmo tempo, ter um mercado sólido e rentável. Onde começa uma coisa e termina a outra? Esse é o questionamento feito quando a conversa é sobre os pacientes com doenças crônicas, como diabetes, câncer e HIV, por exemplo.

Para Bruna Timbó, diretora executiva da LTseg, o produto de Vida comercializado no Brasil é muito tradicional, sendo que a maioria de suas alterações estão relacionadas às convenções coletivas e questões referentes às doenças laborais. “O mercado ainda é muito conservador”, afirma.

Tanto que Edglei Monteiro, diretor de seguro Vida da Sompo Seguros, aponta como a mudança mais relevante nessa carteira é a cobertura de invalidez funcional permanente total por doença. “Essa foi uma mudança sutil, mas bastante importante”, alega. Determinada pela circular Susep 302/2005, ela tornou mais clara a característica da indenização, ajudando a evitar dúvidas no momento do pagamento.

Já na visão de Alessandra Monteiro, gerente de riscos de Vida e Previdência do IRB Brasil Re, as mudanças do seguro de vida foram significativas. “Os produtos evoluíram sempre buscando oferecer novas coberturas aos clientes. A medicina e a maior qualidade dos dados estatísticos possibilitaram que pessoas com determinadas doenças, como a diabetes, que antes não poderiam comprar seguro de vida, possam fazer isso hoje”, aponta.

A questão mais importante ao contratar um produto é ser transparente sobre doenças preexistentes. O seguro precisa de cálculos preventivos para gerenciar seus riscos e é aí que se instaura o dilema entre seguradoras e segurados que precisam da proteção. “A função do seguro é garantir a tranquilidade e dar suporte financeiro caso um imprevisto altere a condição do segurado. Assim como o seguro de automóvel é contratado com a finalidade de reposição ou conserto de um veículo, caso ele venha a sofrer avarias ou seja roubado, o seguro de vida garante o capital segurado caso o quadro de saúde do segurado se altere”, explica Monteiro. Ele afirma ainda que os riscos excluídos estão sendo, aos poucos, modificados. A Sompo, por exemplo, já disponibiliza uma opção de contratação com cobertura para 10 doenças graves como AVC, câncer, infarto, transplante de órgãos, paralisia total e irreversível ou perda total de audição, fala ou visão.

Essas doenças crônicas agravam o risco de morte e de invalidez, dificultando a contratação do seguro. Alessandra lembra que a diabetes é um bom exemplo de como o mercado pode se adaptar, principalmente
se o paciente tem meios de comprovar que segue corretamente o tratamento, não tendo outras doenças associadas. “O preço será mais caro em função do aumento do risco, mas já dispomos de estatísticas suficientes para mensurar quanto a mais de risco teremos para poder cobrar o valor adequado”, afirma a executiva. No caso do câncer, há variáveis a serem analisadas, como a metástase, tempo desde o diagnóstico e tratamento. “Se alguém teve a doença em um só local há mais de cinco anos, pode comprar um seguro, ainda que por um preço um pouco maior”, comenta.

O que se alega no mercado é que o risco de uma doença crônica é certo, quase um sinistro anunciado, ainda que seja amenizado por tratamentos. Um beneficiário pode adoecer logo após contratar o seguro? Sim. Mas no momento da contratação isso era incerto. “O mercado não se interessa por esse tipo de risco. Ainda não é arrojado o suficiente para assumir esses beneficiários”, alega Bruna.

Ediglei Monteiro lembra que a doença descoberta depois, por mais complexa que ela seja, “não muda em absolutamente nada” o que já foi contratado na apólice. “Esta é a importância da contratação antes que exista a ciência que contraiu uma doença. Com isso, se o quadro de saúde do segurado se agravar e for constatada invalidez por conta de seu estado de saúde, a seguradora fará o pagamento da indenização normalmente”, assegura o executivo da Sompo.

A fraude é o um dos fantasmas que assombram a necessidade de inovação do produto. Se já é difícil ter certeza sobre as declarações feitas em outros tipos de riscos, no seguro de vida isso fica ainda mais delicado. “Existe muita fraude, falta de consciência na utilização e excesso de judicialização. A seguradora não quer comercializar determinados produtos por causa disso. Em Vida existe o apelo muito forte no momento em que alguém vai ao juiz reclamar uma cobertura e o nosso Estado tem a tendência de aceitála”, destaca Bruna.

É verdade que, para algumas doenças, a cobertura existe, mas muitos portadores reclamam que, ainda assim, o risco acaba por ser declinado.

Questão de mercado

Costumava ser uma sentença de morte. No início dos anos 80, receber a notícias de que tinha adquirido o vírus HIV era desesperador para quem recebia o diagnóstico, um caminho sem volta.

O vírus ainda não tem cura, e por isso muito se fala em prevenção e conscientização. Mas a medicina avança e, com medicamentos e acompanhamento médico, ser portador de HIV não quer dizer que a pessoa desenvolverá a AIDS e, muito menos, que terá uma morte iminente. Pelo contrário, portadores de do vírus têm vivido saudáveis, felizes: criam suas famílias, trabalham, têm vida social e têm que responder por seus direitos e deveres, como qualquer outra pessoa. Constatações que podem parecer óbvias, mas que nem sempre são vistas de forma tão natural.

É chegada a hora do mercado de seguros olhar para isso, assim como tem se dedicado a olhar para beneficiários diabéticos, com algum tipo de câncer ou aqueles que desenvolvem Alzheimer?

No setor, o sinistro das apólices de vida é certo e, por isso, as companhias se preocupam em gerenciar muito bem seus riscos para manter, na medida do possível, a sinistralidade baixa. A evolução dos tratamentos faz com que seja preciso reavaliar o chamado grupo de risco e, talvez, até mudá-los para o que se conhece por comportamento de risco. Muitas vezes, um paciente portador de HIV que tem cuidados com a saúde periódicos pode representar menos risco do que um que não tenha o vírus e que não tenha nenhum cuidado com a saúde, alimentação e os hábitos de maneira geral. Mesmo com todos esses aspectos, Alessandra, do IRB, sabe que “um portador de HIV tem uma probabilidade maior de desenvolver doenças que atacam a imunidade e aumentam demais o risco”, explica. Ainda assim, ela se mostra otimista: “temos observado uma evolução no tratamento de portadores de HIV e acredito que essa dificuldade deve diminuir em um futuro próximo”.

O estigma da doença pode fazer com que essa ideia pareça inconcebível, mas, ao parar para responder uma pergunta, o mercado de seguros norte-americano começou a mudar essa visão pré-estabelecida. A AEqualis, uma companhia formada com intuito de remover as barreiras e criar condições de igualdade para soropositivos junto ao mercado de seguros apenas indagou: “Se o mercado já oferece seguro de vida para portadores de diversas doenças crônicas, por que não para aqueles que têm HIV?” A partir daí conseguiu parceria com a Prudential local e passou a oferecer o produto para esse grupo.

Essa é uma mudança de legislação, econômica e também social e política que leva educação e conhecimento ao público. Para aprofundar ainda mais a compreensão, a empresa criou uma Fundação – AEqualis Foundation – para ajudar as pessoas e acabar com a ignorância a respeito do tema. É claro, existem critérios para ser aceito em uma aplicação para o seguro, mas o engajamento dessa iniciativa é, conforme declara a empresa, um sinal claro de que mudanças nesses sentido podem ser feitas. O slogan “superando todas as probabilidades” é a marca dessa nova possibilidade que integra proteção e ganhos.

Se isso já está sendo feito, o que impede que seja replicado no Brasil? “Acredito, verdadeiramente, que o que ocorre no País não é o preconceito, mas questão técnica, de mercado. Acredito que o mercado de seguros pode desenvolver qualquer produto, para qualquer fim, mas é preciso uma evolução conjunta como sociedade para que isso ocorra”, afirma a diretora da corretora, Bruna Timbó. A posição do mercado depende do apetite, que está atrelado à cultura, ao amadurecimento.

Se um empresário tem, entre seus funcionários, alguém com uma doença crônica impeditiva, como ele deve agir para conseguir atender a todos os seus funcionários, em uma apólice de vida em grupo?

Primeiramente, é preciso entender aquele grupo, os seus componentes, quais são as necessidades que eles apresentam e as soluções que precisam. “Nessa composição, não é considerado somente se há alguém com doença crônica ou não, mas também fatores como o capital segurado, a quantidade e a idade das pessoas do grupo segurado, o ramo de atividade, entre outros”, destaca Edglei Monteiro. Cada fator tem uma contribuição na determinação do risco a ser considerado.

Se a subscrição não é individual, na maioria dos casos, não há motivos para qualquer tipo de constrangimento para aqueles que são portadores de determinadas doenças. “O problema que muitos pacientes com doença crônica poderiam causar no grupo seria um aumento de sinistralidade e o consequente aumento no custo na renovação”, pontua Alessandra.

Em uma empresa multinacional com, por exemplo, 10 mil funcionários e entre eles 10, 15, 20 portadores de doenças crônicas esse risco se dissolve facilitando a contratação. “Mesmo assim, acho complicado que essa conta feche”, declara Bruna.

Uma palavra, portanto, pode definir o que os especialistas veem no oferecimento desse tipo de produto: evolução. Seja uma questão de pouco ou de muito mais tempo, eles acreditam que o mercado irá absorver essa demanda. “Estamos atentos a tudo o que acontece, buscando novas alternativas para que possa atender o maior número de pessoas possível. Mas ainda trabalhamos para oferecer soluções preventivas”, afirma Monteiro.

Por conta disso é que o seguro deve fazer parte do planejamento financeiro das pessoas. Tanto para a contratação do seguro de Vida, quanto o de automóvel, residencial, empresarial, saúde ou de qualquer outro ramo. A máxima “É melhor prevenir do que remediar” pode ser bastante velha e citada, mas continua atual e verdadeira. “Nunca se sabe o que o amanhã nos reserva. E o seguro de vida é uma forma de ter garantias de que você ou seus dependentes terão apoio financeiro para o restabelecimento ou para atender às necessidades se algo que aconteça lhe impeça de exercer suas atividades”, finaliza o executivo.

Critérios para coberturas do seguro de vida para portadores de HIV

  • Idade entre 30 e 60 anos no momento da aplicação para o seguro;
  • Que o vírus não tenha sido adquirido por transfusão de sangue ou utilização
    de drogas injetáveis;
  • Que a menor contagem de CD4 registrada seja maior do que 200 e que não
    exista histórico de desenvolvimento de condições associadas à AIDS;
  • Mais de 1 ano desde que foi diagnosticado com HIV e, se estiver sendo
    tratado, mais de seis meses depois de iniciado tratamento com a terapia de
    anti-retroviral;
  • Contagem de CD4 e carga viral registradas no prazo de seis meses do momento
    da aplicação;
  • Contagem de CD4 de 350 ou superior na última análise;
  • Carga viral menor do que 200 células/ml;
  • Que esteja livre de hepatite B;
  • Que esteja livre de hepatite C;
  • Livre de infecção de tuberculose.

Amanda Cruz
Revista Apólice

*matéria originalmente publicada na edição 213 (agosto/2016)

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