Os investidores de planos de previdência aberta estão usando mais a ferramenta da portabilidade, que permite trocar de seguradora. Em 2009, houve um aumento de cerca de 10% no volume de recursos que migrou de uma empresa para outra, alcançando R$ 2,37 bilhões, apontam dados da Federação Nacional de Previdência e Vida (Fenaprevi). Essa soma, no entanto, representa uma parcela muito pequena das provisões do setor. Mas pode crescer se o investidor passar a usar mais a transferência para pressionar por redução de taxas e melhor retorno dos fundos oferecidos.
Do patrimônio total acumulado pelos participantes no ano passado – cerca de R$ 177 bilhões -, o volume de portabilidades liquidadas financeiramente representou 1,34%. Em 2008, a migração de recursos entre empresas foi de R$ 2,16 bilhões, ou 1,52% das provisões. Dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep) dividem a portabilidade externa em valores aceitos e valores cedidos. O volume de dinheiro que saiu de planos PGBL e VGBL das seguradores, de acordo com esse levantamento, foi de R$ 2,467 bilhões em 2009.
A diferença entre as estatísticas pode ser explicada pelo fato de a Susep reunir dados de todo o mercado e a Fenaprevi apenas de entidades associadas e de portabilidades que já foram liquidadas, excluindo as cadastradas. Do lado dos valores aceitos, isto é, das seguradoras cujos planos PGBL e VGBL receberam recursos de portabilidade, o volume é ainda maior: R$ 4 bilhões, segundo a Susep. Nessa soma, além dos valores transferidos de PGBL e VGBL, podem estar recursos que saíram de planos tradicionais e até de entidades fechadas de previdência.
A portabilidade na previdência, que começou a valer em abril de 2006, funciona como no mercado de telefonia celular para a troca de operadora. Trata-se de um instrumento que garante ao participante mudar de seguradora ou ainda de planos dentro da mesma entidade, nesse caso em busca de alterar o perfil de risco do fundo ou até de reduzir custos. Para que isso aconteça, o participante deve fazer a solicitação à entidade que detém seus recursos, informando o plano no qual deseja ingressar ou, no caso de portabilidade externa, o plano e a respectiva entidade que deverá receber seu dinheiro.
Segundo a Susep, a portabilidade só é permitida entre planos do mesmo segmento, isto é, entre planos de previdência complementar aberta, como o PGBL, ou entre planos de seguro de vida com cobertura por sobrevivência, caso do VGBL. Fica vedada a transferência de recursos de um PGBL para um VGBL, por exemplo, ou entre diferentes participantes. O prazo estabelecido para que a transferência seja efetiva pela Susep é de quatro dias úteis, podendo se estender para cinco dias úteis, no caso de planos aprovados a partir de 30 de janeiro de 2007. Os recursos financeiros serão transferidos diretamente entre as seguradoras, sem passar pela conta do titular do plano.
O grande benefício da portabilidade é que ela acontece sem apuração de imposto de renda ou outra despesa. Apesar de não custar nada e estar disponível para clientes de todos os portes, só quem usa a ferramenta são os grandes investidores, conta o diretor de previdência da consultoria Quorum Saúde, Seguros e Previdência, Marcello Rudge Ribeiro. A portabilidade, segundo o especialista, é um dos maiores argumentos para vender previdência, é só dizer para o cliente que se ele não estiver satisfeito é possível trocar de plano ou empresa em poucos dias. “Na prática, dificilmente uma portabilidade acontece em quatro, cinco dias”, diz. “E quando ocorre”, ressalta. O cliente que tem seu processo atrasado pode levar a denúncia à Susep.
Além da questão burocrática de preenchimento e checagem de cadastros e assinaturas – que acaba atrasando o processo -, o maior volume de recursos, cerca de 95%, está nas seguradoras ligadas aos grandes grupos de varejo, cujas carteiras são extremamente pulverizadas e formadas por clientes com volumes relativamente baixos de acumulação. “Para esse porte de cliente, que tem R$ 5 mil acumulados, paga taxas altas, não há muitas alternativas de planos, são todos muito parecidos e caros”, explica Ribeiro. Ainda segundo ele, dificilmente esses clientes vão recorrer à portabilidade, por conta da falta de conhecimento, mas, quando o fazem, há um trabalho forte de retenção por parte dos bancos. Isso ajuda a explicar o volume baixo de portabilidade relativamente às provisões do setor.
Na alta renda, o movimento de portabilidade é forte e estimulado pela rentabilidade das carteiras, já que os custos são relativamente baixos para esse público, afirma Ribeiro. “Quem tem acima de R$ 500 mil, R$ 1 milhão, usa a ferramenta para pressionar e mudar de gestor e isso acontece em poucos dias”, diz. Ainda segundo ele, por se tratar de um investidor mais sofisticado, que conhece o mercado financeiro, se o gestor do fundo de previdência não entrega retorno, ele migra. Essa é uma tendência que deve se intensificar daqui para frente, depois da entrada de gestores independentes na previdência, como Gávea, Leblon Equities, BRZ, GAP, Claritas, entre outros. O esforço dessas assets tem sido trazer para dentro de casa os recursos de previdência de seus já clientes.
Ribeiro afirma, contudo, que os clientes pequenos e distraídos deveriam usar mais a ferramenta, mesmo que dentro de casa. É o caso de participantes antigos que entraram em planos com custos altíssimos, mas que hoje já acumulam um certo patrimônio. Com R$ 50 mil a R$ 100 mil, já é possível migrar para fundos mais sofisticados e com taxas menores. Ribeiro alerta que o cliente precisa estar atento, porque o banco não vai oferecer a ele a alternativa de pagar menos, apesar de haver opções mais baratas.
Uma das maneiras de fazer pressão para reduzir as taxas de administração e carregamento é a portabilidade. Às vezes, o cliente nem precisa sair da seguradora. Ribeiro diz que as taxas de gestão vêm caindo, mas apenas no segmento de alta renda. Nesse universo, os fundos de renda fixa têm taxa média de 1%. No varejo, cobra-se entre 2% e 2,5% ao ano. As carteiras de ações cobram taxa na casa dos 2%, mas há fundos com 3,5%. As taxas de carregamento variam. Nas seguradoras independentes, com mais de R$ 30 mil, é possível zerar a taxa se o cliente ficar mais de três anos. Já os bancos de varejo não abrem mão de cobrá-la, mesmo no private. A taxa, contudo gira em torno de 0,5%. No varejo, ainda é possível encontrar taxas de 5% e até de 10%.
“A portabilidade é um instituto importante para o consumidor, que passa a ter mais liberdade para fazer escolhas”, afirma o vice-presidente de Vida e Previdência da SulAmérica, Renato Russo. À medida que a competição cresce, o volume de portabilidade tende a seguir os mesmos passos, acrescenta o executivo. Na visão do presidente da Brasilprev, Tarcísio Godoy, essa é uma questão que ainda não incomoda o setor, pelo fato de muita gente ainda não ter previdência. A indústria ainda está em fase de crescimento, diz. “Não entramos na fase do rouba-monte, temos um oceano azul para conquistar.”
Alessandra Belloto
Valor Econômico